Família recorre a investigadores forenses privados para forçar julgamento de autor de 16 golpes mortais de sabre
A família de Pedro Fanico recorreu à ciência forense privada para demonstrar que o agressor desferiu “diversos e violentos golpes” com a intenção de matar e assim contrariar a decisão do juiz de instrução criminal de se ter tratado de um caso de legítima defesa, revelou esta segunda-feira o ‘Jornal de Notícias’.
Pedro Fanico foi atingido com 16 golpes de espada, mas o juiz libertou o autor confesso do ataque, validando a tese de que “matou para não morrer”. Dois dias depois de ter sido internado no Hospital Garcia de Orta, em Almada, devido a uma psicose, Pedro Fanico estabeleceu-se em Cortiçadas de Lavre, em Montemor-o-Novo, na casa da Quinta Alada, propriedade de uma amiga e do seu companheiro, Pedro Gonçalves.
Pedro Gonçalves acordou com o abrir da porta e viu Fanico com uma faca a tentar agredi-lo: o piloto de aviões fugiu para a sala, perseguido pelo agressor. Viria a procurar um sabre guardado num dos quartos da casa e usou-o para ameaçar e obrigar Fanico a abandonar a casa. Mas, de acordo com o tribunal, este, em vez de se assustar, correu para a espada, espetou-se na lâmina de 75 centímetros e ainda a retirou do abdómen com as mãos.
Foi perseguido por Pedro Gonçalves, até se fechar numa casa de banho: quando saiu, Pedro Gonçalves atingiu-o com o sabre, decepando-lhe a mão e causando a sua morte. Viria a ser detido no próprio dia e acusado de homicídio. Gonçalves requereu a abertura de instrução, alegando que agiu apenas e só com a intenção de se defender e que foi com um único golpe que decepou a mão e atingiu a cabeça do opositor. Garantiu, por fim, que nunca “pretendeu gerar o resultado morte”.
Em junho de 2024, o Tribunal da Relação de Évora deu razão a estes argumentos, considerando Pedro Gonçalves “atuou ao abrigo de uma causa de exclusão da culpa, no caso, em estado de necessidade desculpante”. “Entre morrer e matar (sendo certo que não se apurou se o arguido tinha efetiva noção que Pedro Fanico já não transportava a faca consigo), o arguido optou pela salvaguarda da sua vida em termos que excluem a culpa dos factos que dolosamente praticou”, referiu a decisão instrutória, que colocou Pedro Gonçalves em liberdade.
No entanto, a família da vítima não aceitou a decisão judicial e pretende que Pedro Gonçalves seja julgado por homicídio: para tal, recorreu a peritos forenses: num relatório apresentado em julho último, o ferimento no abdómen de Pedro Fanico”dada a sua profundidade [dez centímetros] não é, de todo, compatível com uma lesão auto-infligida”. “Como, também, não é concebível, de acordo com as regras da experiência comum, que as lesões nos dedos da mão direita da vítima – ferimentos corto-perfurantes na região metacarpo falângico desde o segundo até ao quinto dedo – sejam compatíveis com o facto de vítima ter pegado na lâmina do sabre com a mão, para a retirar do seu abdómen”, salientou.
Mais: o relatório dos consultores forenses apontou que o relatório da autópsia médico-legal permitiu concluir que, “pelo menos por quatro vezes, Pedro Fanico se encontrou de costas para Pedro Gonçalves e que, então, este brandiu o sabre para atingir aquele, o qual, por sua vez, se foi afastando, tentando fugir – o que explica a superficialidade dos cortes”.
“Sobretudo, porque o arguido desferiu, com o sabre que empunhava, persistentemente e de forma violenta, diversos golpes (pelo menos 16) no corpo de Pedro Fanico, sentindo/sabendo que o estava a atingir, sentindo/sabendo que lhe cortou a cara e que lhe decepou a mão e, ainda assim, continuando a brandir o sabre, atingindo este pelo menos por duas vezes – e não apenas uma – na cabeça provocando-lhe a morte, o que demonstra, também, a intensidade dolosa da sua conduta”, concluiu o relatório.