Europa está num caminho mais sustentável? Como pode a psicologia levar-nos a um caminho mais verde?

O Parlamento Europeu (PE) tem agora uma nova composição, fruto dos resultados das eleições europeias do passado dia 9. Num estudo recentemente divulgado, o PE indica que para 27% dos cidadãos europeus a ação climática deve ser uma das prioridades da próxima legislatura – um número que cresce para 33% quando estamos a falar de jovens com menos de 25 anos.

Para a GenZ, a crise ambiental e a eco-ansiedade é uma realidade. Ora, de que forma pode a psicologia ajudar a intervir no combate à crise climática? Se se levar em linha de conta que 80% da legislação ambiental é decidida na União Europeia, pode medir-se o impacto de como a pressão climática pode conduzir os eurodeputados a uma abordagem mais urgente e mais precisa sobre as alterações climáticas.

Para esclarecer este ponto, falámos com a professora Augusta Gaspar, coordenadora do programa de mestrado de Psicologia e Sustentabilidade Ambiental da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, que nos explicou que as eleições europeias – assim como a campanha eleitoral – foram ‘uma oportunidade falhada’ no que diz respeito a uma maior consciência ambiental.

Como pode a psicologia ajudar a transformar uma sociedade para um caminho mais sustentável e verde?

A Psicologia tem vindo a acumular muito conhecimento acerca daquilo que motiva (ou não) as pessoas para fazerem o que fazem, em muitos domínios da vida e atividades humanas. Esse tipo de conhecimento é aplicado em diversos contextos – na educação, nas organizações, na clínica e na saúde; o marketing usa abundantemente esse conhecimento para orientar os comportamentos de consumo das pessoas. Ora, um tal conhecimento não pode ser desperdiçado, e devemos recorrer a ele o mais possível no sentido de desenharmos e testarmos intervenções que conduzam a maior envolvimento em condutas pro-ambientais e a mudanças profundas em ações que prejudicam o ambiente.

A Psicologia dispõe de conhecimento base e também de ferramentas para fazer estudos no sentido de compreender o que leva as pessoas a envolver-se em comportamentos pró-ambientais ou o que as impede de o fazer, as barreiras que se interpõem, mesmo quando as pessoas estão motivadas. A ciência da Psicologia permite gerar informação objetiva acerca das perceções que as pessoas têm dos problemas ambientais e das suas soluções, e acerca da perceção que têm do seu próprio papel e meios para se envolver como parte da solução.

Penso que é fundamental que a Psicologia – ao serviço da sustentabilidade ambiental – desenvolva investigação destinada a compreender as representações que as pessoas de grupos e geografias diversas têm das questões climáticas e do seu papel nelas, porque diferem muito não apenas entre gerações, mas entre muitos outros grupos. A investigação deve ter como objetivo último perceber de que meios e oportunidades as pessoas necessitam para se envolverem e fazerem parte da solução dos problemas ambientais.

A crise climática traz consigo problemas de saúde gravíssimos e liga-se intrinsecamente às convulsões sociais e políticas emergentes. Na área da Psicologia Ambiental tem-se vindo a descobrir como o ambiente afeta as pessoas, e como há uma forte interligação entre a saúde (mental e física) e o bem-estar e o ambiente, incluindo os muitos efeitos reparadores e profiláticos do contacto com a natureza. As pessoas também devem ser informadas de tudo isto e podem desenvolver-se ações de Psicoeducação nesse sentido.

Que ações podem ser conduzidas, e a que níveis, para potenciar essa preocupação? Ou pelo menos torná-la mais presente?

Acho que em termos de ações não se trata apenas de deixar toda a gente atenta e preocupada com a crise climática, mas de levar as pessoas a compreender que não é um problema dos outros ou um problema relativamente ao qual nada podem fazer – esse é um grande mito e uma grande barreira à ação – toda e qualquer pessoa tem um papel a desempenhar na solução dos problemas climáticos, e todos – enfrentemos esta difícil consciencialização – fazemos parte do problema.

É importante alargar a noção de comunidade a uma comunidade mais global e gerar empatia com as pessoas e com os outros seres vivos, não apenas os próximos de nós, mas os distantes – a resolução da crise climática para cada um de nós não se circunscreve a plantar árvores no jardim da escola ou a contribuir para a restauração da floresta de Leiria, por muito valiosos que possam ser esses contributos.

Neste momento todo o planeta está envolvido nos problemas de todo o planeta – por exemplo, se queremos salvar o que resta da Floresta do Bornéu, enquanto humanidade, aqui a quase 13.000 quilómetros de distância, podemos fazer coisas que são diferentes daquelas que podem fazer os agricultores, os educadores ou as autoridades do Bornéu: nós podemos ajudar a impedir que a floresta seja completamente destruída para dar lugar a plantações de palma, a partir de cuja noz é extraído o óleo que está nos nossos sabonetes e cremes, ou como aditivo nos nossos alimentos – das bolachas e bolos, às margarinas – se virmos os rótulos e adquirirmos produtos de origem certificada (e controlada) e optarmos por produtos que contêm outros óleos vegetais.

Mas, seguindo ainda este exemplo, os agricultores do Bornéu têm de perceber a importância de manterem corredores de floresta entre as grandes plantações para que os animais possam alimentar-se, encontrar água, abrigar-se e reproduzir-se; e as autoridades locais têm de perceber a importância de os ajudar nesse processo, financeira e logisticamente e de formular e fazer vigorar regulamentação nesse sentido; já os educadores podem ajudar as comunidades locais a valorizar outros recursos de que dispõem e a perceber que a plantação de palma lhes compromete o futuro.

Quanto às ações – elas podem ser muito diversificadas, mas devem ser, sempre que possível, customizadas de acordo com grupos alvo. A nível individual temos verificado que há vetores muito poderosos de informação, mas também de motivação, como media diversos, passando por vídeos documentais, narrativa oral, arte, experiências imersivas, video-jogos. Mas as organizações são fundamentais neste processo, porque as pessoas precisam efetivamente de ter recursos para concretizar o seu desejo de mudança de comportamento. Dando o exemplo mais simples que se pode dar, a reciclagem: , há muitos jovens motivados para reciclar, mas muitas escolas e universidades não têm contentores para depósito de resíduos recicláveis.

Essas ações são feitas a nível individual? A nível coletivo? Qual teria melhores resultados?

São feitas a ambos os níveis, que estão também muito interligados, mas o individual é bem mais importante e pesado do que geralmente se imagina, e também daí advém grande parte da importância da Psicologia na mudança de atitudes e comportamentos. As organizações com fins lucrativos vivem dos seus clientes, pelo que tudo começa no indivíduo, que escolhe onde compra, o que compra, o que frequenta ou não frequenta, as atividades que suprime, os transportes que adota. As organizações olham para a sua própria sustentabilidade e lucro e por isso respondem à solicitação do cliente. Em todos os setores.

Por exemplo, fiz com a minha equipa um estudo que foi publicado este ano, sobre as preferências de pessoas relativamente ao setor bancário e o investimento em sustentabilidade ambiental melhora muito a imagem do banco e parece ser um potencial promotor de fidelização. Já as ONG refletem movimentos coletivos crescentes. E, as instituições são as instâncias que criam as condições para que os indivíduos possam efetivamente ter uma ação ambiental positiva.

Essa ação condiciona a perceção que os decisores políticos têm sobre os temas mais prementes da sociedade?

Claro que sim: os decisores políticos estão atentos às alterações nas preocupações das pessoas e também respondem a isso. Não é a resposta que eu gostaria de dar, porque adoraria que eles estivessem acima disso e fossem os cidadãos melhor informados e mais pro-ativos no que concerne aos grandes problemas das comunidades, e o ambiental é um problema de todas as comunidades, não apenas, como às vezes se pensa, uma preocupação reservada às pessoas com vidas confortáveis, porque os outros têm de usar e abusar dos recursos ambientais para sobreviverem. Isto é outro mito.

É extensível a mais domínios além da sustentabilidade ambiental? Ou seja, despoletar a consciência para temas transversais?

Sem dúvida. Diferentes caminhos podem levar a um resultado ambientalmente sustentável. Pensando na alimentação – algumas pessoas vão deixar de comer carne ou reduzir drasticamente o seu consumo porque aquilo que mais as preocupa são os efeitos nocivos para a saúde; outras vão adotar exatamente a mesma mudança comportamental porque aquilo que mais as preocupa é a pegada ambiental gigante da produção de gado (que pouca gente sabe ser uma das fatias maiores da pegada de carbono) e outras ainda vão fazê-lo por preocupações éticas com o sofrimento dos animais nas produções, transporte e matadouros numa sociedade de elevado consumo como a nossa. Mas no fundo todas – a motivação saúde, ambiente e ética no trato de animais, podem conduzir à mesma ação e ao mesmo impacto ambiental.

Os resultados eleitorais para o Parlamento Europeu refletem essa consciência ambiental? Ou seja, houve de facto preocupação com o investimento no clima no momento do voto?

Penso que globalmente os resultados que se viram não refletem de todo a consciência ambiental, antes pelo contrário – parece-me que o voto foi muito decalcado das maiorias legislativas nacionais e “colado” à imagem quer dos partidos a nível nacional quer da simpatia e carisma dos cabeças de lista. As eleições europeias foram também mal representadas nas campanhas, que pareciam para eleições legislativas.

Se as pessoas tivessem mais preocupações com a crise climática e se os partidos políticos também as partilhassem, teríamos assistido a um crescimento dos partidos verdes.

Os partidos políticos em Portugal têm mostrado sensíveis ao tema e procuraram capitalizar na campanha? Ou passaram ao lado desta temática?

Sim e não. Ao nível de grandes chavões sim, todos quiseram ter uma etiquetagem de amigos do ambiente. Ou seja, os partidos capitalizaram um pouco na campanha mas não houve um investimento em debater ideias concretas neste âmbito. Em Portugal, como em toda a parte, as políticas ambientais colidem com interesses económicos muito instalados, e em campanha ninguém quer entrar em alguns assuntos fraturantes. O resultado de enfrentar essas questões vistas pelos partidos como perigosas para o apoio das suas bases está à vista – com o fracasso do PAN e do Livre, (da família dos partidos verdes), que não elegeram deputados para o parlamento europeu.

Se a preocupação tivesse realmente chegado às pessoas, ao indivíduo, todos os partidos de todas as famílias políticas teriam a necessidade e a pressão para tratar o assunto com profundidade e fazer propostas corajosas, inovadoras e com metas concretas em prazos mais curtos. A fraca preocupação com o ambiente em Portugal pode ilustrar-se mais uma vez com a mera reciclagem – de acordo com os dados da Agência Portuguesa do Ambiente, em 2022, apenas 21% dos resíduos sólidos urbanos eram separados antes da recolha. Estamos a assistir provavelmente aqui a um misto de fraca preocupação ambiental com insuficiência de incentivos e infraestrutura.

Nos media, se este fosse realmente um tema valorizado em Portugal, ter-se-ia gasto mais tempo a discutir projetos e menos a falar dos perfis dos protagonistas políticos, e as pessoas talvez teriam tido oportunidade de se informar e escolher entre as forças partidárias a que apresentasse as melhores propostas de políticas ambientais. Para conhecer as propostas de ação climática concreta dos partidos nesta campanha era preciso ler os programas e já estar preocupado com o assunto a priori, estar a par dos prós e contras e da exequibilidade das medidas propostas. Assim, o grande público ficou de fora.

Os jovens são de longe os mais preocupados com o ambiente. É algo que tem sido medível nos últimos anos, esse crescimento da preocupação em Portugal? A esse nível, como se explicam as ações de protesto, até com algum grau de violência, que têm sido cometidas no país?

É verdade que os jovens são os mais preocupados – tudo o indica, mas em Portugal essa preocupação é muito incipiente. Há um estudo feito por colegas de várias universidades portuguesas, publicado em 2023, que mostra que apesar da maioria dos estudantes universitários apresentarem preocupações ambientais moderadas, menos de 10% considera que a sua ação pode ter algum efeito no estado do planeta.

Penso que os jovens mais preocupados não se envolvem em protestos violentos; encontramo-los mais no protesto pacífico e no voluntariado. A violência está ligada a outros fatores.

É um conceito relativamente novo, o da eco-ansiedade. Como o definiria? E que efeitos tem na saúde?

Em primeiro lugar é importante referir que o comportamento pro-ambiental tem vindo a ser associado em diversos estudos a saúde mental e bem-estar.

A Eco-ansiedade é um conceito um bocado abrangente e às vezes confuso, e evocado por vezes para referir pessoas com preocupações ambientais muito marcadas e sentimentos de não fazer o suficiente pelo planeta, e outras vezes para referenciar pessoas com diversos graus de perturbação e emoções mal reguladas relacionadas com a crise climática. Por isso tenho reservas relativamente a usá-lo. Mas, a ansiedade é, nas suas várias formas, um medo antecipatório e persistente, um tanto difuso, de algo que não se controla e sobre o qual não se pode ou consegue agir.

A ansiedade está muito ligada à não-ação, ao não enfrentamento dos problemas, mas nos chamados casos de “eco-ansiedade” aparecem quer pessoas proativas quer pessoas com esse sentimento incapacitante. Só que neste caso está ligado à crise climática e à perceção que a pessoa tem de que as catástrofes ambientais, os eventos extremos podem ser iminentes. Esta ansiedade poderá atingir níveis clínicos, como a ansiedade com outros alvos, e causar dificuldades diversas na vida da pessoa, na sua funcionalidade, interferir com a sua capacidade de se concentrar, de dormir, com a sua saúde digestiva, cardiovascular, ou com a sua imunidade.

Penso que é crítico e urgente prevenir uma ansiedade ambiental de nível clínico. E isso passa por incutir esperança nos indivíduos. Não se trata de falsa esperança – mas de esperança sustentada no facto de poderem ser agentes ativos de mudança. É aqui também que se pode atuar investindo em programas obrigatórios para veicular informação verdadeira e suficientemente detalhada para informar a ação possível, guidelines, criar intervenções “hands-on” em que as pessoas percebam claramente o impacto da atividade em que se envolvem; promover políticas firmes que deem provisão, segurança e continuidade à vontade que as pessoas têm de fazer algo para a mudança.

Quando falo de ações e políticas enfatizo as de prevenção, as que se integram no dia-a-dia das pessoas, das salas de aula, das cantinas, das atividades lúdicas, das empresas, das coletividades, etc., as ações “a montante”, como a educação ambiental, as escolhas dos produtos sustentáveis que se adquirem para os locais de trabalho, ou que se consomem nas cantinas, e menos ênfase nas ações esporádicas, “a jusante” como a recolha de lixo nas praias. Há ações para todos os dias e para todas as pessoas.

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