Estudo revela aumento global do antissemitismo: 20% dos inquiridos nunca ouviu falar do Holocausto. Especialistas alertam para riscos históricos

Oito décadas após a libertação do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, o antissemitismo volta a ganhar força em várias partes do mundo. Um relatório da Anti-Defamation League (ADL), publicado em colaboração com o instituto de sondagens Ipsos, revela que as perceções e atitudes antissemitas estão a aumentar globalmente, com destaque para as gerações mais jovens, descritas como o principal motor desta preocupante tendência.

O estudo, intitulado Global 100 e divulgado no passado dia 14 de janeiro, inquiriu mais de 58 mil adultos de 103 países e territórios. A análise baseou-se na resposta a 11 afirmações antissemitas, como “Os judeus têm demasiado poder nos media” ou “Os judeus são responsáveis pela maior parte das guerras do mundo”. Entre os inquiridos, 46% manifestaram concordância com pelo menos seis dessas declarações, categorizando-se como tendo elevados níveis de atitudes antissemitas.

Mais alarmante ainda é a constatação de que 20% dos entrevistados nunca ouviram falar do Holocausto, enquanto 4% acreditam que este é um mito ou nunca aconteceu. Estes números sublinham uma crescente falta de memória histórica, que muitos especialistas descrevem como inquietante.

“É quase irracional negar factos históricos tão bem documentados, especialmente quando ainda convivemos com pessoas e famílias que viveram diretamente os horrores do Holocausto”, afirmou Ana Santos Pinto, investigadora no Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, em declarações ao PÚBLICO. Para a académica, esta negação não pode ser dissociada de um discurso político manipulador que visa fins específicos.

Ana Santos Pinto destaca que, no pós-Segunda Guerra Mundial, existiu um esforço global para evitar o ressurgimento do antissemitismo, definido como uma “expressão de ódio contra os povos semitas”. Contudo, observa-se agora um retrocesso nesse sentido, impulsionado por fatores políticos e sociais.

Segundo a investigadora, as atitudes antissemitas podem ser exacerbadas por “ignitores”, como conflitos políticos e decisões governamentais. A guerra em Gaza e as ações do Governo de Israel são frequentemente apontadas como catalisadores deste fenómeno.

“É essencial separar a imagem de Israel como Estado das comunidades judaicas globais, que têm uma das maiores diásporas do mundo e podem ou não apoiar as ações militares do Governo israelita”, explica Santos Pinto. Este tipo de confusão, agravado por imagens da guerra e discursos polarizados, tende a associar as políticas de Israel a toda a comunidade judaica, gerando uma generalização perigosa.

Outro fator a considerar, segundo a investigadora, é o ressurgimento de movimentos nacionalistas, sobretudo na Europa, que promovem ideias de pureza racial e identidade exclusiva, contribuindo para uma hostilidade crescente em relação a minorias, incluindo os judeus.

Geografia do antissemitismo: onde se verificam as maiores discrepâncias
A análise da ADL revela que as perceções antissemitas variam significativamente entre regiões. As áreas com menores níveis de atitudes antissemitas incluem as Américas (24%), Europa Ocidental (17%) e Oceânia (20%). Países como Suécia (5%), Noruega, Canadá e Países Baixos (8%) apresentam os valores mais baixos.

Apesar disso, incidentes antissemitas são registados mesmo em locais onde as atitudes gerais parecem mais tolerantes. “Mesmo em países com baixos níveis de antissemitismo, assistimos a incidentes perpetrados por pequenas minorias ruidosas e violentas”, afirmou Marina Rosenberg, vice-presidente para os Assuntos Internacionais da ADL, durante a apresentação do relatório.

O relatório destaca os adultos com menos de 35 anos como o grupo mais preocupante. Apenas 39% reconhecem a “exatidão histórica do Holocausto”, e 50% demonstraram elevados níveis de sentimentos antissemitas. Um dado especialmente alarmante indica que 40% dos inquiridos desta faixa etária concordam que “os judeus são responsáveis pela maioria das guerras do mundo”.

A proliferação de discursos polarizados nas redes sociais é apontada como um dos principais responsáveis por esta tendência. “As redes sociais não promovem o confronto de ideias e, muitas vezes, os jovens consomem apenas uma parte do discurso, sem validação da informação”, explica Ana Santos Pinto.

Este tipo de ambiente, segundo a investigadora, pode levar à formação de opiniões distorcidas que se enraízam de forma profunda e perduram por gerações.

Para combater o aumento do antissemitismo, especialistas defendem o reforço da educação histórica desde cedo, com foco no Holocausto e na promoção de pensamento crítico. “Ensinar empatia, história e pensamento crítico é essencial para formar cidadãos conscientes”, afirmou Jonathan Greenblatt, diretor executivo da ADL, sublinhando a importância de abordar o tema desde o primeiro ciclo até ao ensino superior.

O relatório termina com um alerta incisivo do Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Turk: “O antissemitismo é muitas vezes o sinal de aviso de que os crimes e as atrocidades estão a chegar.”

Com os incidentes antissemitas a duplicarem em apenas um ano nos Estados Unidos, o desafio de travar esta tendência torna-se cada vez mais urgente, exigindo esforços conjuntos de governos, instituições educativas e sociedade civil.