Estudo da FEP aponta 20 recomendações para melhorar a competitividade de Portugal e promover o crescimento económico

 Portugal ocupa atualmente a 9.ª pior posição entre os 38 países da OCDE no índice de Regulação dos Mercados de Produto, uma avaliação que mede as barreiras à competitividade e concorrência nos mercados de bens e serviços.

Segundo um estudo recente da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), essas barreiras estão relacionadas com a falta de eficiência regulatória e com a excessiva carga administrativa e regulamentar, fatores que prejudicam a competitividade e o crescimento económico do país.

O estudo, intitulado “Position Paper n.º 1 de 2025”, foi elaborado por Óscar Afonso, diretor da FEP, e Nuno Torres, responsável pelo Gabinete de Estudos Económicos da faculdade. A pesquisa revela que Portugal ocupa a 15.ª posição entre 46 países avaliados, estando particularmente aquém da mediana da OCDE e da União Europeia (UE) em dois aspetos cruciais: distorções da intervenção estatal e barreiras à entrada de empresas, tanto domésticas quanto estrangeiras.

As recomendações para reverter esse cenário incluem reformas estruturais que visam a redução das distorções do mercado e a criação de um ambiente de negócios mais competitivo.

“Portugal precisa de maior eficiência regulatória e de menos barreiras à entrada nos mercados de produto para promover a concorrência e preços mais baixos, o que ampliará também a competitividade das empresas no exterior, o potencial da economia e o bem-estar da população”, afirma Óscar Afonso, diretor da FEP. “Reformas estruturais que reduzam as distorções do mercado e fomentem um ambiente mais competitivo e dinâmico são cruciais para que Portugal atinja patamares de maior crescimento económico e nível de vida”.

Segundo Nuno Torres, “há défices de competitividade na área das distorções da intervenção do Estado, designadamente nas componentes de impacto das regulações – efeito na concorrência, envolvimento de partes interessadas e regulação de lóbi –, de propriedade pública, quanto ao número de empresas públicas existentes e à sua governação, e de envolvimento em operações comerciais, ao nível da contratação pública e operações nos setores dos serviços”. Os défices identificados não se ficam por aí. “Na área das barreiras à entrada, essas barreiras são altas nos serviços e há um excesso de carga administrativa e regulamentar, pois estamos mal colocados nos requisitos administrativos para empresas, sobretudo nas em nome individual, e na comunicação e simplificação regulamentar”, afirma o responsável pelo gabinete de estudos da FEP.

Para melhorar a posição de Portugal no índice PMR, os autores do estudo propõem a implementação de 20 recomendações prioritárias, incluindo a adoção do mecanismo “one-in, one-out”, que estabelece a eliminação de um regulamento sempre que um novo for introduzido. Apesar de estar previsto desde 2014, esse mecanismo nunca foi implementado devido à falta de uma metodologia definida no Governo.

“O adiamento sine dia deste mecanismo é um exemplo paradigmático do imobilismo e da pouca ambição dos nossos governantes ao nível da desregulamentação e da reforma do Estado em geral”, afirma Óscar Afonso. Segundo o diretor da FEP, “necessitamos de melhorar a avaliação de impacto legislativo, com realce para o processo de análise prévia de novos diplomas – em particular, a inclusão do seu efeito na concorrência – e o seu reporte, assegurando ainda que ela contribui, de facto, para a qualidade legislativa. Precisamos também de mecanismos em contínuo de avaliação do impacto da legislação existente, com vista à sua revisão, pois não basta analisar bem os novos diplomas”.

O estudo conclui que, para atrair mais investimentos estrangeiros e aumentar a competitividade do mercado interno, é necessária uma reforma profunda do Estado, acompanhada de uma competitividade fiscal restaurada, especialmente no IRC. Embora os investimentos e reformas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) possam ajudar, os autores alertam que o impacto será limitado se não houver uma revisão estrutural da regulação.

Eis o resumo das 20 recomendações:

Avaliação de impacto das regulações na concorrência

(i)            [1] Metodologia específica para impacto concorrencial: integração de um “Teste de Concorrência” (inspirado no “Teste PME”) dentro do “Custa Quanto?” com vista a uma análise detalhada e específica sobre o impacto das regulações na concorrência.

(ii)          Articulação sistémica com a Autoridade da Concorrência (AdC) e os reguladores setoriais: estabelecer um protocolo formal para que a AdC e as entidades reguladoras revejam todas as propostas legislativas e regulamentares com potencial impacto concorrencial.

(iii)         Capacitação e formação: promover formações específicas para técnicos e decisores políticos sobre avaliação de impacto concorrencial, com base em metodologias criadas por organizações como a OCDE.

(iv)         Estabelecer um protocolo específico com a OCDE para progressos no indicador: partir do modelo do protocolo anterior, que parece ter tido sucesso, mas focar agora em questões específicas da concorrência que tenham sido descuradas.

(v)           Reporte, transparência e monitorização pública: publicar relatórios regulares sobre o impacto das regulações na concorrência, elaborados em colaboração com a AdC e reguladores setoriais.

 

Redução da carga administrativa e regulamentar

(vi)         [2] Melhorar o reporte, a implementação e o impacto dos mecanismos “Custa Quanto?” e “Teste PME”:

  • Criar um sistema centralizado para monitorizar e publicar os relatórios das avaliações.
  • Tornar obrigatória a publicação online e atempada dos relatórios de implementação dos dois mecanismos, garantindo o acesso e escrutínio públicos.
  • Tornar obrigatório o uso dos resultados das avaliações na tomada de decisão em favor dos cidadãos e empresas, via integração na exposição de motivos dos normativos para justificação do impacto.
  • Aplicação de sanções para entidades que não realizem as avaliações de impacto de acordo com a lei ou não usem os resultados na tomada de decisão política em favor das empresas e consumidores.
  • Aumentar a sensibilização dos políticos e da população para a importância de aplicação destes mecanismos, realçando a sua importância para a melhoria da competitividade e do nível de vida.

(vii)        [3] Para impedir um aumento dos custos de nova regulamentação, implementar finalmente, passados 10 anos, o mecanismo de “Comporta regulatória” (criado pelo Decreto-Lei n.º 72/2014, de 13 de maio), regulamentando-o com a definição da metodologia apropriada em Conselho de Ministros como diz o diploma.

(viii)       [4] Rever a regulamentação existente, que o índice PMR mostra ser excessiva e custosa:

  • Implementar uma “Guilhotina regulatória”: uma revisão sistemática da legislação existente, eliminando normas redundantes ou obsoletas.
  • Estabelecer um mecanismo de Revisão contínua de avaliação do impacto regulatório (RCAIR): ampliar o âmbito do “Custa Quanto?” e “Teste PME” para incluir a revisão de normas em vigor ou então estabelecer um mecanismo paralelo dedicado, desde que articulado com esses mecanismos e os outros aqui propostos (comporta e guilhotina regulatórias), com relatórios públicos regulares.
  • Criar um Observatório da regulação: uma entidade independente que monitorize e avalie continuamente os impactos regulatórios, sobretudo sobre as empresas.
  • Adotar benchmarks internacionais: utilizar critérios da OCDE para alinhar a revisão regulatória com as melhores práticas internacionais, incluindo o acompanhamento do índice PMR e das suas componentes, nomeadamente o relativos a carga administrativa e regulamentar.

(ix)         [5] Aumentar a interação com as partes interessadas na avaliação do impacto das regulações:

  • Articulação sistemática dos relatórios de impacto legislativo, quer nos mecanismos existentes (“Custa Quanto?” e “Teste PME”) quer nos novos propostos (ressuscitar a “Comporta regulatória” e criar a “Guilhotina regulatória” e o RCAIR) com as partes interessadas, incluindo associações e confederações representantes de empresas e consumidores, assim como os reguladores;
  • Implementar a regulação do lobbying, que parece reunir algum consenso no Parlamento.

(x)           [6] Assegurar os recursos para implementar as várias medidas: aumentar a capacitação dos técnicos alocados, reorientar recursos humanos e meios existentes subutilizados e, se necessário, reforça-los.

 

Governação das empresas públicas

–              Quanto ao âmbito da propriedade pública

(xi)         [7] Reavaliar o portefólio de empresas públicas: realizar uma análise de custo-benefício para identificar quais as empresas ou setores ainda justificam a propriedade pública com base em critérios de interesse público, segurança nacional ou falhas de mercado.

(xii)        Plano de privatizações seletivas:

  • Privatizar empresas públicas em setores onde há concorrência suficiente ou onde o setor privado possa operar de forma mais eficiente.
  • Garantir transparência nos processos de privatização para evitar corrupção ou favoritismos.

(xiii)       Separação clara de funções regulatórias e operacionais: garantir que o Estado atue como regulador nos setores onde possui empresas públicas, sem interferir na gestão operacional dessas empresas para garantir concorrência justa.

 

–              Quanto à governação das empresas públicas e disciplina de mercado

(xiv)       [8] Reforçar a disciplina de mercado nas empresas públicas:

  • Introduzir metas claras de eficiência financeira e operacional para as empresas públicas.
  • Monitorizar regularmente o desempenho e aplicar sanções ou mudanças na gestão caso os objetivos não sejam atingidos.

(xv)        Melhorar a transparência e a prestação de contas:

  • Publicar relatórios financeiros e operacionais detalhados de todas as empresas públicas, auditados por entidades independentes.
  • Estabelecer regras claras para a nomeação de gestores, priorizando competências técnicas em vez de critérios políticos.

(xvi)       Adotar as Diretrizes da OCDE sobre Governação Corporativa das Empresas Públicas:

  • Garantir independência das administrações das empresas públicas em relação ao governo.
  • Implementar conselhos de administração com membros independentes e qualificados.
  • Promover a concorrência justa com empresas privadas, garantindo igualdade de condições (level playing field).

(xvii)      Reduzir subsídios e apoios diretos:

  • Eliminar apoios financeiros desnecessários a empresas públicas que não cumprem obrigações de serviço público específicas.
  • Introduzir mecanismos de financiamento baseados em desempenho, vinculados ao cumprimento de metas operacionais.

(xviii)    Abrir mercados à concorrência:

  • Introduzir concorrência em setores tradicionalmente dominados por empresas públicas, como transportes e energia.
  • Garantir acesso equitativo à infraestrutura controlada por empresas públicas.

(xix)       Rever isenções regulatórias: Eliminar privilégios regulatórios injustificados que beneficiam empresas públicas em detrimento de concorrentes privados.

 

 

– Quanto às obrigações de serviços público

(xx)        [9] Clarificar as obrigações de serviço público:

  • Definir de forma explícita os serviços de interesse público que justificam a existência da empresa estatal.
  • Compensar adequadamente as empresas públicas por essas obrigações, evitando subsídios cruzados que distorçam a concorrência.

 

Contratação pública

(xxi)       [10] Digitalização e simplificação dos processos de contratação pública:

  • Expandir o uso de plataformas eletrônicas para todos os contratos públicos, com maior transparência em tempo real sobre os processos e decisões.
  • Introduzir ferramentas     de          inteligência      artificial             para      monitorizar       licitações,                identificar irregularidades e avaliar propostas.

(xxii)      Revisão das regras de adjudicação direta:

  • Reduzir significativamente o uso de adjudicações diretas, limitando-as a casos estritamente necessários (exemplo: emergência).
  • Aumentar os valores mínimos de concursos públicos obrigatórios para pequenos contratos, incentivando a concorrência.

(xxiii)    Promover a concorrência entre fornecedores:

  • Criar condições favoráveis para PME participarem em concursos públicos, como dividir contratos em lotes menores.
  • Impedir que grandes empresas dominem os processos de contratação pública por meio de cláusulas discriminatórias ou práticas anticompetitivas.

(xxiv)     Monitorização e auditoria independente:

  • Estabelecer uma entidade independente para monitorizar os processos de contratação pública, avaliando a relação custo-benefício e a competitividade.
  • Publicar relatórios regulares e acessíveis ao público com métricas de eficiência e integridade.

(xxv)      Maior uso de critérios de avaliação por qualidade: reduzir a ênfase em “menor preço” como critério decisivo, favorecendo abordagens que considerem inovação, sustentabilidade e impacto a longo prazo.

 

Envolvimento do Estado nos serviços e barreiras à entrada nos serviços

(xxvi)     [11] Eliminar barreiras e restrições conhecidas, abrindo os mercados à concorrência:

  • Reduzir barreiras à entrada para operadores privados em setores de serviços, com realce para o

transporte ferroviário (sobretudo de passageiros), comércio e distribuição, e até turismo.

  • Eliminar regras restritivas para profissões regulamentadas – assegurar uma implementação efetiva da Lei n.º 12/2023, de 28 de março, fiscalizando o seu cumprimento pelas ordens profissionais.

(xxvii)   Uniformizar as regulações: harmonização de regras e requisitos a nível nacional, evitando discriminação regional ou local.

(xxviii)  Eliminação de subsídios cruzados: proibir práticas em que empresas públicas ou privadas utilizem lucros de serviços monopolistas para subsidiar operações competitivas, criando distorções no mercado.

(xxix)     Melhoria na regulamentação de serviços locais e regionais: introduzir regras claras e transparentes para concessões em setores como transporte público e resíduos urbanos, garantindo concorrência justa.

(xxx)      Transparência nas operações de empresas públicas: publicar relatórios detalhados sobre as atividades das empresas públicas em setores de serviços, destacando a eficiência operacional e o cumprimento de obrigações de serviço público.

 

Setores de redes

–              Em geral

(xxxi)     [12] Acordo entre o governo português e a OCDE para o reporte da metodologia PMR em cada um dos nossos setores de redes, de modo a detetar problemas específicos de barreiras a um nível setorial, bem como os detalhes possíveis em cada setor, com vista a aperfeiçoamentos a um nível ainda mais fino.

–              Telecomunicações

(xxxii)   [13] Avaliar as barreiras que persistem à entrada de novos operadores no setor das telecomunicações, potenciando a concorrência.

–              Ferrovia

(xxxiii)  [14] Eliminar barreiras à entrada e aprofundar o processo de liberalização da ferrovia em Portugal, sobretudo no transporte de passageiros, seguindo o modelo de sucesso de Espanha.

(xxxiv)  [15] Revisão do Plano Ferroviário Nacional para alargar o uso da bitola europeia (ou bitola mista, que permite operar com ambas as bitolas) – crucial para integração na rede ibérica e europeia – e reforçar a componente de mercadorias, pois há financiamento europeu. Acelerar os investimentos, que estão atrasados em muitos anos.

 

Potenciar e consolidar os efeitos do PRR

(xxxv)    [16] Dar continuidade às reformas e investimentos do PRR com potencial impacto positivo no PMR, nomeadamente em matéria de simplificação e digitalização administrativa; transição energética e transportes (infraestruturas ferroviárias e portuárias). Em particular, os investimentos na ferrovia são cruciais para aprofundar a liberalização e abertura do setor à concorrência – ver recomendação (xxxiii).

(xxxvi)  [17] Conjugar a simplificação e digitalização do Estado prevista no PRR – assim como no Programa SIMPLEX – com as propostas de revisão de carga regulamentar e administrativa, por via legislativa, acima sugeridos, de modo a promover uma melhoria mais substancial e efetiva do nosso índice PMR.

(xxxvii) Execução eficaz e alinhamento às necessidades do mercado na reprogramação do PRR, prevista para janeiro de 2025.

 

Recomendações transversais – enquadradas, como as demais, numa reforma do Estado e do sistema fiscal:

(xxxviii) [18] Adoção de benchmarks internacionais pelo Estado e reguladores: realce para o uso extensivo do índice PMR para nos comparamos com os outros países nas várias áreas e adotarmos as melhores práticas.

(xxxix)  [19] Reforçar os reguladores independentes: garantir autonomia e recursos adequados para que possam supervisionar e aplicar as leis de concorrência de forma eficaz, com destaque para as entidades reguladoras em setores estratégicos (como energia, telecomunicações, transportes).

(xl) [20] Avaliação de impacto regulatório ex-post (além de ex-ante, mencionada anteriormente) e promoção de um equilíbrio entre regulação e inovação: implementar análises regulares do impacto de regulamentações existentes em setores de serviços para identificar barreiras e propor melhorias, tendo em conta a importância para a economia de um equilíbrio adequado entre regulação e inovação.