Taiwan denuncia mais recente estratégia da China para abrir guerra com Taipé (e não envolve navios de guerra nem exercícios militares)
O governo de Taiwan acusou recentemente a China de utilizar uma estratégia que, segundo as autoridades taiwanesas, pode comprometer a soberania da ilha. Esta tática envolve a emissão de documentos de identidade e de residência para cidadãos taiwaneses, o que é visto como uma tentativa de Pequim para legitimar a sua intervenção nos assuntos internos de Taiwan. A acusação, divulgada pelo “Financial Times”, sugere que Pequim está a registar um número crescente de taiwaneses para que obtenham documentos chineses, como contas bancárias, números de telefone locais e até mesmo bilhetes de identidade destinadas a cidadãos chineses.
De acordo com o jornal britânico, as autoridades taiwanesas temem que este processo seja uma tentativa de comprometer a sua jurisdição sobre os cidadãos da ilha. Um alto funcionário do governo de Taiwan afirmou que, se um taiwanês com documento de identidade chinês estiver envolvido em um incidente no território taiwanês, “China poderia alegar que tem jurisdição sobre o caso, afirmando tratar-se de um dos seus cidadãos. Isso abriria caminho para uma intervenção nos nossos assuntos internos”, declarou ao “Financial Times”.
As preocupações de Taiwan também estão relacionadas com as ações da Rússia na Ucrânia. O governo de Taipé interpreta a invasão russa como um perigoso precedente, especialmente se a comunidade internacional continuar a aceitar a justificação de Moscovo para o conflito. Em 2022, o presidente russo Vladimir Putin justificou a sua “operação militar especial” na Ucrânia argumentando que visava proteger comunidades de origem russa que, segundo ele, sofriam perseguição e genocídio por parte do governo de Kiev.
Agora, Pequim pode estar a traçar uma estratégia semelhante. Assim como Putin reivindicou a defesa de uma população de origem russa na Ucrânia, o presidente chinês Xi Jinping poderia justificar uma intervenção militar em Taiwan com base na existência de cidadãos taiwaneses que possuem documentos chineses.
Lai Ching-te, atual presidente de Taiwan e defensor da independência da ilha, expressou preocupação com esta dinâmica. Em resposta a alegadas informações de que dezenas de milhares de taiwaneses já obtiveram documentos de identidade chineses, Lai afirmou: “As pessoas não devem sacrificar a segurança a longo prazo por ganhos imediatos. A democracia não tem preço, e a liberdade não é uma moeda de troca”. Estas declarações foram divulgadas pela “Radio Taiwan International”.
A administração taiwanesa também reforçou, em várias ocasiões, que o uso de documentos chineses coloca os cidadãos em risco de perderem os direitos e benefícios associados à cidadania da República da China (nome oficial de Taiwan). Em 2017, a Representação Económica e Cultural de Taiwan na Espanha emitiu um comunicado com esse alerta.
Apesar das divergências políticas entre Pequim e Taipé, os laços económicos entre os dois territórios são profundos. Durante anos, a China concedeu o chamado “Permisso de Viagem Continental para Residentes em Taiwan”, que permitia aos habitantes da ilha viajar para o continente sem usar passaportes. Pequim não reconhece os passaportes emitidos por Taiwan, embora estes sejam válidos para viagens a outros países.
Recentemente, a China começou a conceder documentos de identidade que oferecem direitos semelhantes aos de cidadãos chineses. Embora a China não permita a dupla cidadania, Pequim considera Taiwan como uma “região administrativa”, comparável a Hong Kong e Macau, justificando assim esta medida.
A crescente afirmação da identidade taiwanesa também preocupa Pequim. Desde 2016, o Partido Progressista Democrático (PPD), favorável à independência, tem vencido consistentemente as eleições democráticas na ilha. Uma sondagem recente da Taiwan Public Opinion Foundation revelou que 47,2% da população apoia a independência, enquanto 28% defende o status quo e 12,4% apoia a unificação com a China. Além disso, outra pesquisa indicou que 67% dos taiwaneses estão dispostos a lutar contra a China em caso de guerra.
Imagens de satélite recentes revelaram que a China está a construir uma frota de barcaças para possíveis assaltos anfíbios, gerando preocupações sobre uma invasão militar. Especialistas apontam que estas embarcações são projetadas para transportar rapidamente grandes quantidades de equipamento pesado. Segundo a revista “Navalnews”, “a construção destas barcaças é um dos indicadores que os analistas de defesa monitorizam para prever uma invasão. Embora Pequim possa alegar uma utilização civil, a escala e as especificações das embarcações tornam essa justificativa pouco convincente”.
A tensão entre Pequim e Taipé continua a aumentar, com a China a reafirmar regularmente que “Taiwan é parte inalienável do seu território”. A administração de Joe Biden também será um fator crucial para determinar o futuro desta relação, enquanto o mundo observa atentamente os próximos movimentos de Pequim. Com a emissão de documentos e a construção de infraestrutura militar, o caminho para um confronto entre China e Taiwan parece, a cada dia, mais evidente.