Economia russa está à beira do abismo: Gastos com a guerra na Ucrânia são quase o dobro do que Putin revela
Desde o início da invasão em grande escala da Ucrânia, em 2022, a economia russa tem surpreendido muitos ao demonstrar uma resiliência inesperada. Com um crescimento económico em 2023 superior ao dos Estados Unidos e das maiores economias europeias, taxas de desemprego historicamente baixas e uma robustez aparente, o Kremlin tem projetado uma mensagem de força interna e externa. Contudo, analistas apontam que essa imagem de prosperidade é enganadora e que a economia russa enfrenta problemas profundos, muitos dos quais ligados ao esforço de guerra.
Elina Ribakova, investigadora do Peterson Institute for International Economics, explica que as estatísticas económicas russas têm uma função estratégica: “Para o público interno, é uma mensagem de ‘ainda estamos de pé’. Para os aliados da Ucrânia, é um aviso de que ‘podemos ser mais fortes do que vocês’.” No entanto, Ribakova alerta que esse crescimento não é sustentável. Em entrevista à CNN Internacional, descreveu o cenário económico russo como estando “não sob esteroides, mas sob cocaína”.
A economia russa tem mostrado sinais de tensão. A inflação, que acelerou para 9,5% em 2024, é uma das preocupações centrais, mesmo com o banco central a aumentar as taxas de juro para 21%, o valor mais alto em duas décadas. Além disso, o economista Craig Kennedy, da Universidade de Harvard, revelou a existência de um “orçamento sombra”, através do qual o Kremlin financia a guerra de forma disfarçada. Segundo Kennedy, o governo russo força os bancos a concederem empréstimos a empresas ligadas ao esforço de guerra em condições impostas pelo Estado, um esquema que resulta em pesadas dívidas e riscos de incumprimento.
Desde 2022, o crédito privado na Rússia aumentou 71%, representando 19,4% do PIB. Cerca de 60% desses empréstimos – cerca de 249 mil milhões de dólares – foram destinados a empresas do setor militar. “Estamos perante uma economia onde os números oficiais escondem o verdadeiro custo da guerra”, sublinhou Kennedy.
Enquanto as sanções ocidentais começaram por ser minimizadas pelo Kremlin, o impacto está agora a intensificar-se. A administração Biden anunciou recentemente medidas contra a chamada “frota sombra” russa – petroleiros usados para contornar as restrições à exportação de petróleo. Além disso, a China e a Índia, principais compradores de petróleo russo, estão a diversificar os seus fornecedores, pressionando ainda mais as receitas russas.
A Gazprom, gigante energético estatal, enfrenta dificuldades crescentes. Com o fim de um acordo de trânsito de gás pela Ucrânia, a empresa prevê perdas anuais de até 5 mil milhões de dólares. Em 2023, a Gazprom registou o seu primeiro prejuízo em 25 anos, na ordem de 7 mil milhões de dólares, e considera eliminar mais de 1500 postos de trabalho.
escassez de mão de obra e tensões sociais
A baixa taxa de desemprego russa, atualmente em 2,3%, reflete outra dimensão da crise. A guerra reduziu drasticamente a força de trabalho, com estimativas de mais de 800 mil baixas militares russas desde o início do conflito, de acordo com dados ucranianos. Apesar de o Kremlin ter promovido a imigração para colmatar a falta de trabalhadores, tensões étnicas crescentes após ataques terroristas recentes limitaram a eficácia dessa política.
Alexandra Prokopenko, do Carnegie Russia Eurasia Center, aponta para uma crescente insatisfação social. “A população já não espera justiça do Kremlin; espera apoio financeiro”, disse. No entanto, com os recursos do Estado cada vez mais drenados pela guerra, as expectativas do povo russo estão a entrar em choque com a realidade económica.
As projeções para o próximo ano são sombrias. O Fundo Monetário Internacional estima que o crescimento do PIB russo, que foi de 3,8% em 2024, desacelere para 1,4% em 2025. A inflação deverá continuar elevada, enquanto a escassez de bens essenciais – como manteiga, que já é armazenada em armários para evitar roubos – ameaça aumentar a insatisfação popular.
Embora Vladimir Putin continue a afirmar publicamente que a economia está a crescer, até membros da elite russa têm manifestado preocupações. Durante a conferência de imprensa de final de ano, Putin admitiu que o consumo superou a produção, o que impulsiona ainda mais os preços.
Com o agravamento das sanções, o aumento da dívida e os problemas estruturais, o Kremlin enfrenta uma escolha difícil: continuar a financiar o esforço de guerra ou priorizar a economia interna. Até agora, o governo tem tentado equilibrar ambas as frentes, mas, como alerta Prokopenko, “algo terá de ceder”.
Para Putin, cuja força política depende de uma perceção de estabilidade, o tempo está a esgotar-se. “A Rússia está sentada numa bomba-relógio financeira”, conclui Ribakova.