Degelo revela tesouro escondido e reacende disputa internacional pela Gronelândia
A Gronelândia, território autónomo sob administração do Reino da Dinamarca, está novamente no centro das atenções devido ao renovado interesse internacional pela sua riqueza estratégica e económica. O degelo progressivo da ilha, com quase 2,2 milhões de quilómetros quadrados de extensão, revelou vastas reservas minerais, tornando-a um alvo apetecível para potências como os Estados Unidos, Rússia e China.
Situada entre os oceanos Atlântico e Árctico, a Gronelândia, com apenas 56 mil habitantes, desempenha um papel geopolítico crucial. A sua localização estratégica, combinada com a abertura de novas rotas marítimas devido ao degelo, aumentou o interesse internacional. Nos Estados Unidos, a administração Trump chegou a manifestar a intenção de adquirir a ilha, tendo o próprio presidente sugerido essa possibilidade em 2019.
Washington vê a Gronelândia como uma peça fundamental para conter a crescente influência da Rússia e da China no Árctico. A preocupação dos EUA intensificou-se em 2018, quando o governo dinamarquês, em coordenação com os norte-americanos, excluiu investidores chineses de um projeto de expansão de aeroportos na ilha.
O degelo trouxe à superfície uma riqueza mineral que há muito estava escondida. Eldur Olafsson, diretor executivo da Amaroq Minerals, descreveu a região como um “cinturão de ouro” num testemunho à BBC. A empresa liderada por Olafsson está a explorar ouro, cobre, níquel e terras raras em vales e montanhas da Gronelândia, com licenças de exploração que abrangem mais de 10 mil quilómetros quadrados.
“Estamos a trabalhar numa zona praticamente inexplorada, com potencial para múltiplos depósitos importantes”, afirmou Olafsson. A mina de Nalunaq, adquirida pela Amaroq em 2015, já operou durante a década anterior, mas foi encerrada devido à queda dos preços do ouro e aos custos elevados. Agora, a empresa espera aumentar a produção e tornar a exploração rentável, apostando numa nova planta de processamento.
Olafsson detalhou ainda o processo: “Podemos transportar ouro mensalmente em pequenos volumes, o que nos dá flexibilidade e reduz custos logísticos.” Ele destacou o potencial único da Gronelândia, considerando-a uma oportunidade rara para fornecer minerais essenciais ao Ocidente durante décadas.
Estima-se que a Gronelândia possua reservas de petróleo equivalentes a metade das da Arábia Saudita e uma das maiores concentrações de terras raras do mundo. Estes recursos são considerados estratégicos, uma vez que podem reduzir a dependência ocidental em relação à China.
No entanto, a exploração enfrenta obstáculos significativos, incluindo os elevados custos operacionais, a falta de infraestruturas, as condições climáticas adversas e as preocupações ambientais. Grandes petrolíferas já devolveram licenças obtidas na última década, citando falta de viabilidade comercial.
Séculos de interesse americano
O interesse dos Estados Unidos pela Gronelândia não é recente. Desde o século XIX, Washington tenta adquirir a ilha, com o primeiro esforço registado em 1867, após a compra do Alasca. Durante a Segunda Guerra Mundial, os EUA estabeleceram bases militares na ilha para impedir que os nazis a utilizassem.
Em 1946, os EUA ofereceram 100 milhões de dólares à Dinamarca pela Gronelândia, mas a proposta foi rejeitada. Em vez disso, a Dinamarca permitiu a presença militar norte-americana na ilha, através de um tratado de defesa que continua em vigor até hoje.
Mute Egede, primeiro-ministro da Gronelândia, reconhece a importância estratégica e económica da ilha. Em declarações recentes, afirmou estar disposto a reforçar a cooperação com os EUA, especialmente no setor mineiro. “Já iniciámos conversações e procuramos oportunidades de colaboração com a administração Trump”, disse Egede, citado pelo Jyllands Posten.
Apesar das ameaças iniciais de uma possível anexação, o vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, suavizou o tom ao assegurar que “não se considera o uso de força”, recordando que os Estados Unidos já possuem uma presença militar significativa na ilha.
Egede destacou ainda que, embora a Gronelândia enfrente pressões globais, a situação pode ser encarada como uma oportunidade. “Não estamos imunes às tensões internacionais, mas isso pode abrir portas para colaborações mais amplas”, afirmou.
Embora as vastas reservas minerais da Gronelândia representem uma oportunidade económica única, a sua exploração continua a ser um desafio. Custos elevados, falta de mão-de-obra qualificada e questões ambientais dificultam os esforços para transformar a riqueza potencial em benefícios tangíveis.
Num contexto de crescente competição entre potências globais, a Gronelândia mantém-se como uma peça central no tabuleiro geopolítico, combinando recursos inexplorados e uma localização estratégica vital.