De que estão a morrer os europeus? ‘Efeito ressaca’ e ‘efeito colheita’ explicam segundo maior pico de mortalidade de sempre

Mesmo com o fim da pandemia da Covid-19, os números mostram uma realidade: a normalidade na saúde ainda não chegou. O excesso de mortalidade continua a disparar na Europa e, com efeito, chegou ao seu segundo maior pico desde que há registo, sendo apenas ultrapassado pela enorme onda de mortalidade na primavera de 2020, motivada pela Covid-19.

Portugal continua também a registar excesso de mortalidade, enquanto na Alemanha os efeitos sentiram-se mais no inverno, e em Espanha registou maior pico nos meses de verão.

Os números são da Euromomo (que acompanha a mortalidade na Europa), e revelam duas curvas de excesso de mortalidade no ano passado, com o primeiro em meados de julhos, a coincidir com temperaturas altas em valores recorde em todo o continente. O segundo momento acaba de atingir o seu pico, no meio do primeiro inverno em que a gripe e outro vírus respiratórios se ‘juntaram’ à Covid-19, enquanto a crise e a inflação tornaram mais difícil que as populações se protejam devidamente do frio.

Os padrões de mortalidade entre países acompanham tendências diferentes. Em Espanha, por exemplo, registou-se pico do excesso de mortalidade no verão, beneficiando dos meses frios no que se chama ‘efeito colheita’. As ondas de calos terão acabado por matar muitas pessoas vulneráveis que, de outra forma, teriam morrido no verão. O ‘efeito colheita’ resulta em que um período de grande mortalidade é seguido de um com valores mais controlados.

No outro espectro estão países como a Finlândia ou a Dinamarca, que têm vivido o ‘efeito ressaca’: Depois de ter mantido a mortalidade muito controlada na fase mais dura da pandemia, registaram agora pico no inverno. Neste efeito, a alta mortalidade segue-se a ondas pandémicas da Covid-19.

A Alemanha também ilustra esta tendência em dualidade: o país como todo teve o recorde de mortalidade este inverno, mas nas regiões metropolitanas, como em Berlim, a curva está mais controlada.

No Reino Unido, que foi um dos países mais afetados pelas vagas da pandemia, está-se a atingir novo pico recorde de mortalidade em excesso.

Três causas em interação
Estarão envolvidas três causas que explicam os picos de mortalidade recorde, que não se excluem umas às outras, mas que em vez disso interagem. Frio ou calor extremos causam maior impacto se uma qualquer infeção fragiliza o sistema imunitário, mais ainda de a pandemia da Covid-19 causou atrasos nos diagnósticos e tratamentos de outras doenças. A Covid-19 continua também presente como um fator secundário em várias mortes. Isto significa que o vírus, como as temperaturas extremamente altas ou baixas, complica outras doenças, mesmo que não cause diretamente a morte do doente.

Por outro lado, também há a ter em conta o fator de resposta deficitária dos sistemas de saúde em vários países da Europa, com atrasos no acompanhamento de doentes, consultas e atos médicos, cirurgias, bem como serviços de urgências inundados e à beira do limite, como se viu em Portugal no verão e, com maior intensidade, este inverno.

O excesso de mortalidade está concentrado “especialmente nos mais idosos”, com fatores que contribuem como “constipações, infeções respiratórias, gripe e Covid-19”, diz Joan Caylà, porta-voz da Sociedade Espanhola de Epidemiologia, ao El Mundo.

“A Covid-19 pode ter uma influência direta, mas também indireta no pico do excesso de mortalidade”, aponta o especialistas, que recorda que ainda há muito a aferir e a aprender sobre os efeitos a longo-prazo da infeção pelo SARS-CoV-2.