Da redução de emissões ao aumento dos descartáveis. Ambientalistas elegem o melhor e o pior de 2020 (e anteveem 2021)
O ano de 2020 está quase a chegar ao fim e por isso fazem-se os habituais balanços, nas mais diversas áreas, e este ano tudo ficou marcado pela pandemia do novo coronavírus que em tanto alterou hábitos e mudou realidades.
Em matéria de Ambiente e Natureza, as associações ambientais Zero e Quercus, em informação enviada à ‘Executive Digest’, resumiram o melhor e o pior dos últimos 12 meses, e ainda acrescentaram as perspetivas para 2021.
O melhor de 2020
Num ano tão atípico, foi possível reduzir as emissões de gases de efeito de estufa, melhorando assim a qualidade do ar, um feito obtido sobretudo no transporte aéreo, segundo a Quercus. Ainda assim, a associação avisa que esta redução, «motivada pelas medidas de confinamento e restrições à livre deslocação de pessoas será transitória caso não haja mudanças estruturais nos hábitos e nas políticas públicas de desincentivo aos meios de transporte mais poluentes».
Outro ponto positivo apontado pela associação foi o avanço nas políticas sobre resíduos, referindo-se especificamente ao ecodesign e redução de embalagens, que «abre novos caminhos» para uma maior reutilização, uso de embalagens próprias e promoção da incorporação de matérias-primas recicladas.
A Quercus salienta também a suspensão das autorizações para importação de resíduos, na media em que «contribui para uma estratégia nacional que promova os princípios da Economia Circular na política de gestão de resíduos».
Este foi também um ano de aumento da procura por produtos locais, biológicos e por turismo rural e de natureza, impulsionado pela pandemia da Covid-19, que conduziu a um maior uso dos circuitos curtos agroalimentares, como os mercados locais ou a encomenda de cabazes entregues ao domicílio.
Também as espécies em perigo conseguiram recuperar, nomeadamente o Lince-Ibérico, «que este ano já conta com mais de 109 indivíduos», revela a associação. O mesmo acontece com o abutre-preto e também com a Águia imperial ibérica.
Por último, como ponto positivo apontado por esta organização, está o fim da apanha noturna de azeitona em olivais superintensivos, uma medida fortemente defendida pela Quercus e cujos «impactos negativos» da sua continuação foram reconhecidos mais tarde pelo Governo.
Já a Associação Zero, aponta como o melhor de 2020, a publicação da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, que visa preencher «lacunas de quase 30 anos no conhecimento do estado de conservação das plantas vasculares» que ocorrem no nosso país.
Em seu entender, é igualmente relevante que os cidadãos se tenham mostrado «disponíveis para a transição para a sustentabilidade, investindo na melhoria da eficiência energética, tal como ficou expresso na sua adesão ao Programa de Apoio a Edifícios Mais Sustentáveis do Fundo Ambiental».
Por outro lado, a procura de bicicletas aumentou «significativamente», em virtude «da disponibilização de incentivos a soluções de mobilidade suave por parte de algumas autarquias» e da «paragem da economia mundial», que tornou possível à população «vivenciar uma qualidade ambiental como há décadas não era possível».
A Zero destaca ainda a «persistência da União Europeia na sua visão assente na sustentabilidade, não obstante todas as pressões para atrasar a transição para um modelo de desenvolvimento circular e centrado na promoção do bem-estar de todos».
O pior de 2020
Pela negativa, a Quercus considera que se evidencia o facto de este ano ter aumentado o uso de resíduos descartáveis não recicláveis, como luvas, máscaras ou fatos, na sequência da crise de saúde pública. Para além disso, verificaram-se «retrocessos nas políticas de gestão de resíduos e deposição ilegal de fibrocimento contendo amianto», esclarece ainda.
Um outro fator negativo prende-se com o avanço da agricultura superintensiva (amendoal, olival, abacate), que contribui para destruir habitats e aumentar a procura de água (que não existe) para mais regadio. Por conta desta situação, têm sido identificados problemas como a contaminação do ar, dos solos e da água, diminuição de biodiversidade, pela consequente destruição de montados e habitats naturais.
A Quercus salienta ainda o facto de o eucalipto ocupar o segundo lugar, por espécie, da área florestal em Portugal Continental, com cerca de 844 mil hectares. «Uma área que é inferior à que tem sido estimada e que representa cerca de 26% da floresta continental», revela sublinhando que «este tipo de ocupação nada resiliente aos incêndios florestais contribui todos os anos para incêndios de grandes dimensões com grandes impactos ambientais e sociais».
As desvantagens passam ainda pela diminuição de atividades de regeneração, devido ao «medo instalado pela pandemia», que «tem condicionado a realização de atividades de regeneração do território, nomeadamente plantação e ações de renaturalização dinamizadas pela Quercus, pelo seu cancelamento ou falta de inscrição de voluntários».
Também a «desmatação indiscriminada e o abate de árvores que deveriam ser protegidas, nomeadamente de árvores bombeiras, como os carvalhos», é outro ponto negativo. «Tal prática continua assim a empobrecer o país hipotecando o futuro pelos problemas gerados para a manutenção dessas áreas desmatadas e aumento da vulnerabilidade do país a secas, e consequentemente a incêndios incontroláveis», detalha a associação.
O último dos acontecimentos negativos vividos em 2020, para a Quercus, é o prolongamento da vida útil da Central Nuclear de Almaraz até outubro de 2028, «ignorando todos os problemas de segurança que a mesma apresenta e assumindo uma posição errada, irracional e de gravidade extrema, que poderá viabilizar que a Central de Almaraz, totalmente envelhecida e obsoleta, continue a trabalhar e a colocar toda a Península Ibérica em risco até ao ano de 2028».
A Zero, por seu turno, aponta para as «graves insuficiências» dos Planos de Gestão das Zonas Especiais de Conservação, «que são fundamentais à preservação de espécies e habitats, estiveram em consulta pública». Estas insuficiências, segundo o organismo, «decorrem da ausência de conhecimento dos valores naturais protegidos».
Outro fator negativo a salientar é o «conflito entre a intenção de mineração em Portugal, sob um quadro legal pouco transparente e sem diálogo com os cidadãos e instituições, e sem uma Avaliação Ambiental Estratégica nacional, que é fundamental para uma exploração sustentável».
Para além disso, o Governo tem cedido «à pressão das grandes marcas e dos retalhistas para deixar nas suas mãos a definição da reutilização de embalagens em Portugal», ressalva a organização.
A Zero aponta ainda como um facto negativo de 2020 «a decisão de avançar com o novo aeroporto de Lisboa e o reiterar da intenção de manter a sua construção, mesmo após os efeitos brutais da economia no setor da aviação e do turismo».
Por último, fica a o alerta para o facto de a pandemia do novo coronavírus ter vindo contribuir massivamente para o «agravar das desigualdades sociais entre países e dentro de cada país».
O que se pode esperar de 2021?
A perspetivar o novo ano que se aproxima, a Quercus destaca o Pacto Ecológico Europeu, que «manifesta a vontade da Comissão Europeia na neutralidade climática estimulando a economia, melhorando a saúde e a qualidade de vida das populações». Também este tópico é mencionado pela Zero.
Para além disso, a Quercus fala na Década do Restauro dos Ecossistemas 2021-2030, reforçando «a necessidade de uma visão integrada (holística) e uma boa fundamentação técnica para uma intervenção ponderada e coerente no território nacional», adianta o organismo. «Impõe-se acima de tudo inverter o ciclo de mais perturbação e destruição da Natureza e dar prioridade às Soluções Baseadas na Natureza», acrescenta.
Pode ainda esperar-se uma ação climática mais alargada. «O atual foco na energia das políticas públicas relacionadas com o clima deverá alargar-se de forma integrada a todos os setores para a indispensável coerência, com destaque para as políticas de gestão e ordenamento do território e do setor agroalimentar», sublinha a associação.
Outras da expectativas prende-se com o Fundo de recuperação da UE pós-Covid e também com a Presidência Portuguesa do Conselho Europeu. «A Quercus espera que prevaleça uma visão integrada e vontade política para resistir ao poder dos interesses privados de grandes grupos económicos que têm conduzido à perda de condições de vida de muitas atividades económicas locais». Também a Zero destaca este fator como um desafio para 2021.
A Quercus dá ainda destaque às eleições autárquicas de 2021. «Para além de refletirem na ação local as políticas públicas de âmbito nacional e internacional, as autarquias locais têm autonomia e capacidade de liderar nos processos de mudança, como se tem verificado no abandono dos herbicidas em áreas urbanas», reforça a associação.
Já para a Zero, para além do Pacto Ecológico Europeu e da Presidência do Conselho Europeu, destaca-se também «a adoção por parte do Parlamento Português de uma Lei do Clima, que permita inscrever os principais objetivos do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 na agenda política, garantindo estabilidade e consistência nas políticas a serem implementadas no futuro próximo».
Para esta associação, importa ainda apontar para a apresentação e implementação da Estratégia Nacional para a Pobreza Energética, «com o intuito de finalmente começar a concretizar medidas para combater de forma eficaz este flagelo de atingir uma faixa significativa da população portuguesa», bem como do Plano Estratégico para a Política Agrícola Comum, que deverá «distanciar-se do atual modelo de Intensificação agrícola assente em monoculturas, no regadio e no agro-negócio orientado exclusivamente para a exportação», defende a Zero.
Por último, espera que a Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas prevista para novembro do próximo ano, em Glasgow (COP26), seja «um sucesso pós-pandemia, com novas metas por parte dos diferentes países e a perspetiva dos EUA voltarem ao Acordo de Paris já em janeiro de 2021».