Da paralisia política à coabitação: Macron enfrenta quatro cenários difíceis nas eleições parlamentares deste domingo

O presidente francês, Emmanuel Macron, poderá acabar com um primeiro-ministro e um Governo de um partido diferente, num sistema conhecido em França como “coabitação”. Mas como funcionará? Qual é o processo de formação de um novo Governo? O que acontece se não houver maioria? Como se comparam os poderes do presidente e do Parlamento?

A vitória da extrema-direita francesa nas eleições europeias deixou França cambaleante, o que motivou um pedido de eleições antecipadas pelo presidente Emmanuel Macron. Num processo a duas voltas, este domingo e depois no próximo dia 7, França vai às urnas para eleger uma nova Assembleia Nacional, a câmara baixa do Parlamento francês.

Com o seu sistema de Governo semi-presidencial híbrido único, a possibilidade de não surgir um resultado claro levanta uma série de hipóteses que poderão mergulhar França e a Europa na incerteza num momento crítico de instabilidade global.

Como funcionam as eleições legislativas?

Existem 577 assentos na Assembleia Nacional. A função do deputado é propor, alterar e votar leis.

Na primeira volta das eleições, este domingo, os eleitores franceses escolherão um dos candidatos do seu círculo eleitoral.

Se um candidato conseguir a maioria absoluta dos votos (mais de 50% dos votos com pelo menos 25% dos eleitores registados), automaticamente vence. Ao contrário das eleições presidenciais, a taxa de abstenção é, portanto, decisiva. No final desta primeira volta, se nenhum candidato obtiver maioria absoluta, é organizada uma segunda volta para 7 de julho.

Qualquer candidato que obtenha mais de 12,5% dos votos pode avançar para o segundo turno. O candidato mais votado nessa fase ganha uma cadeira na Assembleia Nacional.

Como funciona o sistema de Governo francês?

França tem um sistema único de governação descrito como um regime híbrido com um presidente, mas também um Parlamento poderoso.

Ao contrário da maioria dos outros países com um sistema parlamentar, o chefe de Estado é eleito diretamente pelo povo, dando-lhe visibilidade e legitimidade.

A Constituição de 1958 é a que rege o sistema político francês denominado Quinta República. Foi adotado para restringir o poder da Assembleia Nacional após a instabilidade governamental que abalou a Quarta República.

Em 1962, um referendo mudou a forma como o presidente era eleito. A partir daí, o chefe de Estado foi eleito por sufrágio universal. “A partir daí, o sistema tornou-se mais ‘presidencialista’ no sentido de que os cidadãos prestavam mais atenção ao presidente do que aos deputados, quando na verdade deveríamos olhar muito mais para os nossos deputados”, refere Alexandre Frambéry-Iacobone, especialista em direito pela Universidade de Bordéus, citado pelo site ‘Euronews’.

A nova constituição concedeu ao Presidente poderes específicos, como dissolver o Parlamento ou convocar um referendo.

Quais são os possíveis resultados das eleições parlamentares?

Resultado 1: Partido de Macron obtém maioria absoluta

Nas próximas eleições parlamentares, o objetivo de qualquer partido é conseguir pelo menos 289 assentos para ter maioria absoluta na Assembleia Nacional e assim poder conduzir o seu programa sem ter de negociar com outros partidos.

Se o partido liberal do Renascimento de Emmanuel Macron vencer, o presidente poderá então nomear Gabriel Attal como seu primeiro-ministro mais uma vez. As sondagens sugerem que isto é altamente improvável, uma vez que a fação de Macron está atualmente atrás de uma ampla coligação de esquerda e do Rassemblement National de Marine le Pen.

Resultado 2: O partido de Macron obtém uma maioria relativa

Se um partido obtiver uma maioria relativa – isto é, o maior partido mas sem maioria absoluta – não pode governar sozinho e precisa de fazer alianças para aprovar determinadas leis. Foi o caso do partido de Macron, que detinha 230 assentos no Parlamento dissolvido.

Resultado 3: Outro partido obtém maioria relativa, mas não consegue garantir aliados

Se nenhum partido obtiver a maioria e não for formada uma coligação governamental, isto poderá levar a um estado de impasse dentro do Governo, o que mergulharia França em território desconhecido, algo que nunca ocorreu. “Nesse caso, seria muito mais complicado continuar com as grandes reformas que fariam França avançar. Em vez disso, ficaríamos presos numa espécie de estagnação”, garante Alexandre Frambéry-Iacobone.

Uma coisa é certa: não podem ser convocadas novas eleições legislativas daqui a um ano para resolver a situação.

Perante esta paralisia política, “uma solução seria a demissão de Emmanuel Macron”, explica François-Xavier Millet, professor de direito constitucional na Universidade das Antilhas. O presidente até agora descartou essa possibilidade. Nem o Parlamento nem o Governo podem forçá-lo a fazê-lo.

Resultado 4: Outro partido ganha a maioria absoluta

Se outro partido obtiver a maioria absoluta – seja a Rassemblement National de extrema-direita ou a coligação de esquerda Nova Frente Popular, então o presidente terá de escolher um primeiro-ministro da coligação vencedora. O primeiro-ministro escolherá então os seus ministros. Na política francesa, isso é conhecido como “coabitação”.

Como funcionavam as coabitações anteriores e quais são os precedentes?

Ao longo da Quinta República, a França conheceu três coabitações. “Não quer dizer que tenha sido a posição mais fácil para os presidentes da Quinta República que viveram uma coabitação, mas o Governo também não estava num impasse”, lembra Alexandre Frambéry-Iacobone.

A última vez que ocorreu uma coabitação foi em 1997, quando o presidente de centro-direita Jacques Chirac dissolveu o Parlamento, pensando que conseguiria uma maioria mais forte, mas perdeu inesperadamente para uma coligação de esquerda liderada pelo Partido Socialista. Lionel Jospin foi nomeado primeiro-ministro e liderou o Governo até 2002.

Mas Jospin ainda conseguiu introduzir várias leis às quais o campo presidencial se opôs, como a semana de trabalho de 35 horas, cuidados de saúde universais e parceria civil para casais do mesmo sexo.

Como funcionaria uma potencial coabitação entre Macron e extrema-direita?

Embora o nome do eurodeputado de extrema-direita Jordan Bardella tenha sido proposto como potencial primeiro-ministro caso o Rassemblement National obtenha maioria absoluta, é o presidente quem escolhe o chefe do Governo.

“Podemos imaginar que mesmo com essa maioria, se Macron quiser, pode tentar nomear Marine le Pen (a histórica líder de extrema-direita do partido de extrema-direita) que poderia recusar o cargo. Isto continuaria até que Macron finalmente nomeasse Jordan Bardella ou outra pessoa que concordasse em fazer o trabalho”, salienta Frambéry-Iacobone.

Como resultado, um presidente francês durante um período de coabitação é forçado a ter um papel mais discreto – mais próximo dos encontrados noutros sistemas parlamentares. No entanto, o presidente ainda manteria certos poderes como comandar as forças armadas e a política externa, ratificar tratados internacionais e credenciar embaixadores. Mas, em última análise, será o partido com a maioria absoluta na Assembleia Nacional que terá o controlo sobre as políticas internas de França.

Se um presidente não concordar com uma determinada lei, poderá submeter a questão ao Conselho Constitucional (entidade que garante a manutenção dos princípios e regras constitucionais) ou solicitar uma segunda leitura à Assembleia Nacional. Mas se o Conselho Constitucional se declarar incompetente ou se os deputados votarem a lei uma segunda vez, o chefe de Estado terá de assiná-la.

Quem decide sobre os assuntos da UE?

É o chefe do Governo e, portanto, o Parlamento que decide sobre os assuntos da UE. Estes incluem os ministros que têm assento no Conselho da UE para negociar e votar a legislação europeia. “Os assuntos europeus não são considerados política externa. É em grande parte uma política interna. Portanto, cabe ao Governo decidir sobre os assuntos europeus”, refere François-Xavier Millet. “Mas pode claramente haver uma tensão esperada entre o primeiro-ministro e o presidente numa situação de coabitação no que diz respeito aos assuntos europeus”, conclui.

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