Crónica de uma ‘vingança’: os 60 dias em que Putin acabou com o desafio de Prigozhin

Para muitos era o resultado mais esperado: 60 dias após tentar um golpe de Estado, Yevgeny Prigozhin morreu após o avião onde seguia, com mais outras 9 pessoas, ter caído perto de Moscovo.

Foi a ascensão e queda precipitada do líder do Grupo Wagner que, segundo assinala o El Español, foi “como Ícaro” quando, a 24 de junho deste ano, encetou a rebelião dos mercenários, alavancado pela conquista na tomada de Bakhmut. O plano era atingir a sua grande meta política: derrubar o ministro da Defesa Sergei Shoigu e o líder das Forças Armadas Valeri Gerasimov.

A relação, outrora próxima, entre Putin e o seu ‘cozinheiro’, já vinha a esfriar há alguns meses. Prigozhin não se coibia de, nas redes sociais e noutras plataformas e meios de comunicação social, atacar a liderança russa, reclamando más condições para os combatentes, falta de equipamento e chefes militares incompetentes.

Com alguns milhares de mercenários, começou a encaminhar uma coluna para Moscovo, que em menos de uma hora havia tomado Rostov-on-Don.

Putin gaguejou na TV nacional a pedir o fim da insurreição, para que não houvesse derramamento de sangue, enquanto Prigozhin assumia que ia para Moscovo para “substituir o Presidente”, caso este não caísse em si.

A 200 quilómetros do Kremlin, a mediação do Presidente bielorrusso Lukashenko veio pôr água na fervura, mas expôs a fragilidade de Putin como autocrata, e deixou-lhe uma imagem de falhanço perante a comunidade internacional.

Assim, a vingança serviu-se fria, dois meses depois da rebelião. Os primeiros relatos dão também conta da morte, na queda do avião onde Prigozhin voltava de África, de Dimitri Utkin, o ‘cérebro’ do Grupo Wagner.

Nestes 60 dias, a relação entre Putin e Prigozhin foi vendo várias fases: logo dois dias após a tentativa de golpe de Estado, o líder do Grupo Wagner foi recebido no Kremlin, onde alegadamente o Presidente terá dado os parabéns aos mercenários pelos esforços em Bakhmut.

Depois seguiu-se a ‘transferência’ do Grupo Wagner para a Bielorrússia, com Prigozhin de um lado para o outro entre Minsk e Moscovo, e sem que lhe acontecesse uma das ‘fatídicas’ quedas de janelas que têm assombrado aliados de Putin e oligarcas russos.

Por outro lado, foi ficando isolado: O eixo Shoigu-Gerasimov acabou reforçado e os ‘bodes expiatórios’ acabaram por ser Sergei Surovikin, o ‘general Armagedão’ e de Igor Girkin, bem como muitos generais e líderes militares que foram ‘limpos’ do Exército russo.

As negociações com a Bielorrússia revelaram-se uma mão cheia de nada para o Grupo Wagner, em termos de contratos, pelo que Prigozhin voltou a focar-se em África para o negócio, com várias viagens, a ´última das quais esta semana, alegadamente ao Mali.

Num dos últimos vídeos publicados, Prigozhin apregoava que ia expandir a influência da Rússia por todo o mundo. Talvez temendo nova ascensão mediática de Prigozhin, Putin tenha acelerado os planos.

Certo é que também ninguém ficou surpreendido que um “acidente trágico” ocorresse a Prigozhin, tal como ninguém ficará surpreendido que o Kremlin negue todo e qualquer envolvimento.

Com o chefe do Grupo Wagner morto, o plano de Putin passará por uma absorção dos mercenários pelo Ministério da Defesa da Rússia, para depois serem novamente enviados para a Ucrânia para combater. Ao mesmo tempo, Putin volta a revestir-se do rótulo que sempre apreciou, de ‘implacável’.