Como a gigante portuguesa dos autoclismos está a mudar o mundo

Fundada a 1 de Março de 1954, em Aveiro, com o nome Oliveira & Irmão, S.A., pelas mãos de António e Saúl Oliveira, a Oli era uma pequena empresa familiar que, ao longo do percurso, passou por áreas distintas de negócio.
Nessa altura, os dois irmãos fundadores, simples e humildes, andavam de bicicleta, e a vontade de vencer fez com que começassem a trabalhar cedo para fazer erguer um sonho, que mais tarde se tornou numa realidade.
Hoje, com uma presença global, a marca tem conquistado espaços em diversos segmentos e locais, desde hotéis de luxo no Médio Oriente, passando por hospitais na Europa e até barcos-hotel na América do Sul. Actualmente, contam com 80 países no seu portefólio de exportação, e continuam a inovar e a expandir-se.
O percurso e a curiosidade de uma história familiar que se tornou numa empresa de expressão internacional levou-nos a Aveiro, para falar com António Ricardo Oliveira, administrador da Oli, terceira geração da família ao leme da empresa, que partilhou a sua visão sobre o futuro do sector, os desafios da transformação digital e a importância de continuar a inovar para manter-se à frente nas soluções para a casa de banho do futuro.

Que empresa é hoje a Oli?
A Oli começou como uma empresa comercial, há 70 anos, num contexto de País e de indústria muito diferente. E foi adaptando a sua realidade, sobretudo nesses primeiros anos, os 50, até ao início dos anos 80, dentro daquilo que era a comercialização, a importação e a realidade do país.
Depois, a partir dos anos 80, com a entrada da segunda geração, dá-se uma mudança grande e a empresa passa de comercial a industrial. Foi este passo que acabou por colocar a empresa num patamar competitivo e diferente face aos concorrentes.
Para além disso, assistiu-se a uma aceleração muito grande com a entrada de capital estrangeiro nessa altura, e depois, em 1993, com a entrada de um novo sócio industrial, que trazia know-how e capacidade a investir, e também rede internacional.
Acima de tudo, acho que a capacidade do meu pai e do meu tio fizeram a diferença naquilo que foi o ‘explodir’ da empresa, sobretudo nos anos 90 e início dos anos 2000.
Posteriormente, dá-se a crise em 2008, a empresa teve alguns reveses, e o grupo como um todo, e foram os primeiros momentos em que passámos a vender menos, passámos a não ter crescimento.
Quando eu cheguei à empresa, em 2015, a situação já era mais normal, digamos assim, a empresa já não vinha num crescimento acelerado, mas procurava constantemente crescer.
A partir de 2013 entrámos num momento em que passámos a crescer em média 8% a 10% ao ano, e aumentámos também o volume de investimento, quer a nível das instalações, quer a nível da internacionalização. O investimento nos últimos anos tem sido muito forte, e isso tem sido possível, dado o percurso que vinha a ser feito até aqui.
Hoje em dia, a OLI é uma marca reconhecida, dentro daquilo que são os materiais de construção, dentro da área do banho, e internacionalmente é conhecida como um player especialista naquilo que é o fabrico de autoclismos, através de injecção de plásticos e montagem de componentes. Tentamos que a nossa marca, através de redes comerciais próprias noutros países, nomeadamente filiais comerciais e produtivas, se desenvolva e nos garanta uma posição competitiva robusta, não só em Portugal, mas também nesses países.

E a questão da verticalização de negócio, foi também um ponto focal para o crescimento?
Sim, sem dúvida. Primeiro trouxe-nos a possibilidade de desenvolver produtos a pedido de clientes, ou seja, uma flexibilidade e uma rapidez muito maior a responder aos pedidos.
Em segundo lugar, também um know-how muito grande dentro daquilo que é o processo de desenvolvimento, e mesmo a nível do processo industrial, ou seja, cada vez que surgem necessidades de manutenções ou de alterações, este ciclo é muito curto, e isso ajuda-nos bastante. 

Como é, para um jovem de 34 anos, ter o peso desta casa nos ombros ?
Não penso muito nisso, ou seja, nós temos uma equipa robusta e competente, e é neles que eu penso quando penso na responsabilidade que temos todos. Não acho que a responsabilidade recaia sobre alguém. Obviamente há sempre alguém que dá mais a cara, mas isso é só uma parte do trabalho.
Portanto, quando eu penso em responsabilidade, penso nas principais pessoas em quem eu me apoio, e como é que eu vou repartir com elas essa mesma responsabilidade para fazermos este caminho juntos. 

Onde está a Oli no Mundo?
Temos 25% do volume de negócios em Portugal e 75% do volume de negócios de exportação, isto enquanto Oli em Portugal, casa-mãe. Se olharmos ao consolidado, já estamos a falar de cerca de 100 milhões de euros quando consolidamos os resultados das vendas das filiais com Portugal.
Em Espanha temos uma filial com uma rede comercial própria, três a quatro pessoas. Em França adquirimos este ano uma empresa comercial com mais de 3.000 metros quadrados de armazém e uma equipa de cerca de 15 pessoas que depois tem agentes regionais a cobrir o resto do território. Em Itália temos uma empresa industrial e comercial que factura cerca de 20 milhões de euros, também aí com 40 pessoas.
Temos também na Alemanha um armazém com 5 pessoas e vendas na ordem dos 2,5 a 3 milhões de euros. Abrimos este ano uma operação na Noruega, só com uma pessoa, mas é apenas comercial. E temos ainda na Rússia a nossa operação comercial e industrial com cerca de 40 pessoas e cuja facturação em euros agora é um pouco irrelevante devido ao câmbio, mas andará à volta dos 6 milhões de euros.

E de que forma as tensões geopolíticas têm afectado o negócio?
O conflito entre a Rússia e a Ucrânia e os outros todos têm afectado bastante. Esse afectou não só a Rússia, que ficou praticamente impossibilitada de importar os nossos componentes, ou seja, vive com a produção local, mas também as nossas vendas para a Ucrânia, onde estávamos a preparar também para montar uma operação própria e que a partir do momento em que isto aconteceu, abandonámos a ideia porque passou a não ser viável.
Também temos sido impactados em Israel e na Palestina, que eram mercados importantes para nós, e no próprio Yemen, que também era um mercado bom para nós. Além da Líbia e outros mercados que foram desaparecendo ao longo do tempo e que nunca mais voltaram aos níveis que tinham. 

Já nos Emirados Árabes Unidos têm apostado no sector do luxo!
Temos feito algum esforço nisso, mas mais do que apostar em produtos, temos tentado lançar mais produtos de gama alta de forma consistente e alargada, para consolidarmos essa posição.
Ou seja, é fácil criarmos um produto com cristais Swarovski, se quisermos, e isso pode ter um cliente ou dois, mas não vai ter um trabalho de continuidade. Não vai contribuir para a notoriedade da marca. Portanto, aquilo que temos tentado fazer é, cada vez que lançamos produtos, procurar que sejam ou respondam a uma necessidade muito concreta do mercado, independentemente do segmento, ou então que sejam progressivamente de patamares mais altos, para que a marca se continue a assumir como uma marca de valor acrescentado e produtos que têm lugar num segmento alto de mercado.

E que inovações são as mais relevantes?
Há uma que é incontornável, que foi a massificação da dupla descarga, ou seja, já havia sistemas de dupla descarga prototipados e em via de desenvolvimento, mas a Oli foi talvez a primeira empresa a conseguir massificar e industrializar esse tipo de sistema, que hoje em dia é um standard na indústria.
E ajudou-nos muito a nível do processo de internacionalização e a que o sector visse a Oli como uma empresa com capacidade de desenvolvimento.
Depois destacava o sistema PLUS, que é um sistema que retarda a entrada de água nos autoclismos, e com isso permite uma poupança por descarga de cerca de meio litro. Isso tem um efeito multiplicador muito grande em hotéis, shoppings, o que é muito relevante.
E, ultimamente, temos vindo a derivar mais para produtos com mais tecnologia, sem que eles constituam, só por si, uma inovação, porque integram tecnologias que já existem, mas nós fazemos a sua integração num âmbito do autoclismo. Estamos a falar de tanques sensorizados, de Internet das Coisas dentro dos autoclismos e, portanto, uma relação com um produto analógico agora passa a ser digital e contínua. Tentamos transformar a experiência do utilizador através da introdução de tecnologia e do valor acrescentado nos nossos produtos.

Em termos gerais, como é que se integra tecnologia num autoclismo?
Posso-lhe dar o exemplo de um autoclismo que nós já instalámos em algum sítio, embora não tenhamos comercializado ainda, que é um autoclismo sensorizado.
Nós, ao sensorizar o autoclismo, conseguimos detectar aquilo que é o comportamento, a utilização do mesmo, e conseguimos perceber se há padrões, se há algum tipo de problema funcional, uma fuga lenta, uma fuga rápida, conseguimos criar alarmísticas para dizer que passaram dois anos desde a instalação do autoclismo para se fazer uma revisão ou uma reparação de algumas peças. Isto é um exemplo, depois há outros.

A poupança de água é algo que preocupa a empresa?
No produto final, aquilo que temos tentado criar são tecnologias que permitam a mesma eficácia e eficiência de descarga com menos água, respeitando sempre os limites normativos. Ou seja, a norma não permite que se vá além de um determinado limite de água, precisamente porque é essencial que haja água nas canalizações para transportar os objectos.
Ou seja, não podemos reduzir a água, mesmo que consigamos limpar a sanita, porque isso depois vai criar outros problemas a nível da rede. Nesse sentido, nós temos autoclismos que descarregam em vez dos tradicionais 6 e 3 litros de descarga completa, fazem descargas de 4 e 2 litros, com o mesmo comportamento em termos de limpeza, e desenvolvemos com os parceiros ceramistas determinadas cerâmicas que conseguem responder a esses padrões de descarga.
No nosso caso, a gama que nós vendemos, a nossa gama de cerâmicas, é testada por nós e é provada por nós enquanto sendo capaz de fazer as descargas de forma eficiente usando apenas os 4 e os 2 litros. 

Mas, dentro da unidade produtiva, têm alguma medida implementada no âmbito da sustentabilidade?
Temos muitas, eu diria que as duas principais são a produção de energia verde, visto nós estamos a consumir entre 15% e 17% de energia produzida por nós. A energia solar é uma delas, e outra tem sido a utilização de materiais reciclados ou regenerados no nosso processo produtivo. Ou seja, temos tentado que no máximo de componentes possíveis sejam utilizados plásticos não de primeira utilização, mas, em alguns casos, de utilização pós-consumo, e
que eles sejam reintroduzidos na ca-
deia produtiva.

Esta empresa familiar tem uma ligação forte à comunidade?
Sim, temos uma ligação forte à comunidade e tentamos responder sempre que possível aos pedidos que nos chegam.
Concretizando como isto é feito, muitas vezes através de entrega de materiais, ou seja, um lar que vai fazer uma pequena remodelação, uma escola, um clube, oferecemos os materiais que fazem parte do nosso portefólio de produtos, é uma das coisas que fazemos. Outra é apoiar de forma directa e com dinheiro, clubes, associações, bandas que nos são mais próximas ou que por algum motivo têm mais afinidade com a empresa.
E por fim, diria, algumas acções que nós fazemos mais no âmbito da cidade. Já patrocinámos concertos, já oferecemos livros, já fizemos regatas…

Voltando à história desta empresa familiar, quem é o seu pai enquanto industrial e enquanto pessoa?
Para mim são quase a mesma pessoa porque eu passei mais tempo com ele em trabalho do que se calhar na minha vida pessoal. Se calhar não, de certeza.
Acho que o meu pai é uma pessoa com uma capacidade de visão ímpar, quer a nível daquilo que é a inovação, o negócio, a gestão, consegue realmente ver mais à frente. Há pessoas que têm essa capacidade, e acho que ele é uma dessas pessoas. E depois tem uma capacidade de gestão muito distribuída, pela capacidade que ele tem, mas também talvez por ter acompanhado o crescimento da empresa e ter visto todas as áreas da empresa a desenvolverem-se com um fortíssimo envolvimento da parte dele.
Portanto, é uma pessoa que consegue estar à vontade em praticamente todos os processos da empresa. E com o grau de especialização que existe, isso é muito raro, para não dizer impossível, sobretudo à dimensão a que a empresa chegou.
Acho que essas são as principais características, pois é uma pessoa obviamente muito exigente, mas também muito próxima, e são traços que são normais e que são de salutar para a gestão.

E que ambiente é que ele criou na empresa?
Considero que somos pessoas relativamente simples e próximas das pessoas que trabalham connosco. Isso é algo que já vinha da geração anterior. Nunca tive a sensação de que houvesse grandes diferenças em termos da forma de comunicar entre a administração e as pessoas, pelo contrário, sempre senti que havia um cuidado muito grande da parte do meu pai e do meu tio com toda a gente.
Nós, obviamente, também crescemos nesse ambiente, e também fazemos isso de forma natural.

Quais são os investimentos que estão em cima da mesa da Oli?
Nós neste momento, nos últimos três ou quatro anos, teremos investido mais de 30 milhões de euros em termos daquilo que é o complexo de Aveiro, ao qual somamos este ano seis milhões e meio de euros na aquisição da filial francesa. Estamos a falar todos os anos de investimentos muito fortes, num contexto de grande incerteza, como aquilo que foi a pandemia de Covid-19, e depois o que sucedeu com as matérias-primas a guerra na Ucrânia e agora com a guerra no Médio Oriente.
Não obstante toda a instabilidade, a equipa tem sido capaz de criar oportunidades de mercado e condições internas para concretizar níveis de investimento muito elevados que eu acho que nos posicionam para os próximos anos de forma muito interessante no panorama sobretudo europeu.
Aquilo que estamos a tentar fazer agora é, olhando para o panorama europeu, e percebendo que o mundo está a ficar mais polarizado, perceber de que forma é que vamos conseguir, em outras geografias, competir para continuar a aumentar a nossa presença e a nossa escala.
Temos também um trabalho de consolidação e de fazer crescer as vendas entre os mercados em que já estamos fora da Europa. Considero que ainda há muito trabalho a fazer, mas que dificilmente conseguiremos fazer a partir de uma localização na Europa, e aquilo que nós estamos a analisar é hipóteses fora da Europa para conseguimos produzir e servir os mercados ou limites dessas regiões.
Mais especificamente, estamos a falar da região África e Médio Oriente, onde vemos uma presença maior da marca fora daquilo que são os mercados europeus e, portanto, são os destinos mais naturais para o investimento directo que possa vir a acontecer.

Como imagina a Oli daqui a 20 anos?
Aquilo que temos de tentar fazer é o melhor possível todos os dias naquilo que depende de nós, por forma a criarmos condições para estarmos na melhor posição possível para captar as oportunidades que venham a surgir. Se estivermos prontos vamos conseguir não só agir quando for oportuno, como reagir quando for necessário.
Portanto, eu defendo que a empresa tem que estar robusta em vários aspectos, a equipa sabe quais é que são, e se o fizermos vamos estar mais próximos de apanhar as oportunidades quando surgirem. É que defendo, mais do que um planeamento a três, a cinco ou a 10 anos.

Qual a visão sobre o OE2025?
Em relação ao Orçamento de Estado, António Ricardo Oliveira expressou concordância geral, sobretudo no que toca às medidas de apoio aos jovens. Sublinha que é essencial que o país se foque em apoiar os jovens no acesso à primeira habitação, e acrescenta que esta ajuda, longe de ser errada, é um investimento nas gerações futuras, que serão os principais contribuintes para o bem-estar da comunidade.
Sobre a questão da redução do IRC, o Administrador da Oli manifesta reservas quanto a uma descida sem compromissos. Para ele, a diferença entre a taxa nominal e a real, efectivamente paga pelas empresas, é considerável.
Observa que já existem mecanismos, como reforços de capitais próprios e créditos fiscais, que aliviam o impacto do IRC sobre as empresas. No entanto, destaca que as empresas com operações internacionais, ao consolidarem lucros em Portugal, enfrentam uma carga fiscal maior do que se o fizessem noutros países. Esta situação, segundo António Ricardo Oliveira, prejudica a competitividade de Portugal face a outras economias e poderá desencorajar potenciais investimentos internacionais no país, caso as condições fiscais se mantenham menos atractivas do que as de outros mercados europeus.