Como a CIA elaborou um plano absolutamente louco para recuperar um submarino soviético em plena Guerra Fria
Há quase 60 anos, um submarino soviético, repleto de armamento e tecnologia ultra-secreta afundou-se no Oceano Pacífico, embora não se saiba porquê: a CIA foi encarregada de o recuperar do fundo do oceano, e para tal desenvolveu um plano louco – que envolveu um barco especial construído pelo ‘Elon Musk dos anos 1960’.
Recuemos no tempo então: estamos em 1968, em plena Guerra Fria. O submarino soviético K-129 desaparece subitamente dos radares a cerca de 2.400 quilómetros a noroeste do Havai – até hoje, ninguém sabe por que se afundou. Tornou-se o alvo de uma das missões de salvamento mais espetaculares de sempre, assim como de uma campanha de diversão sem paralelo da CIA. Ficou conhecido como o Projeto Azorian, que recentemente se tornou viral no YouTube – foi também a origem de uma das frases mais famosas do mundo da política e da diplomacia… que não se pode confirmar nem desmentir.
A 8 de março de 1968, os oficiais de uma base naval dos EUA registam um sinal invulgar através do seu sistema de vigilância sonora, SOSUS, uma tecnologia de ponta para detetar submarinos. O sinal, que presumivelmente tem origem numa implosão submarina, foi na altura rastreado até um local específico a cerca de 2.400 km a noroeste do Havai — uma região conhecida por ser patrulhada pela marinha soviética.
Na União Soviética, num centro de controlo militar, os soviéticos realizam sucessivas tentativas de contacto de rádio com o seu submarino de mísseis balísticos K-129, todas sem sucesso: iniciaram imediatamente uma busca pelo navio desaparecido, que durou dois meses, sem sucesso. Como tal, o K-129 foi considerado perdido, assim como os seus 83 tripulantes.
O exército americano acompanha atentamente, à distância, a atividade da marinha soviética: quando cancelam a sua missão de salvamento, os americanos enviam o ‘USS Halibut’ para investigar o sinal anómalo. O ‘Halibut’, outrora um submarino de mísseis de propulsão nuclear, é o único navio da Marinha dos EUA especificamente adaptado para esta missão. Na altura, funcionava como navio espião de operações especiais, com tecnologia de ponta de sonares e satélites, tendo substituído os seus sistemas de mísseis por equipamento especializado de recolha de informações.
Os EUA conseguem restringir a área de procura: em julho de 1968, o ‘USS Halibut’ inicia a sua viagem para a zona a partir de Pearl Harbor: após dois meses de procura no fundo do oceano, o submarino localizou algo estranho. Foi colocado um pequeno dispositivo controlado por um cabo, que pode descer a profundidades inacessíveis a um submarino e recolher informações sobre o terreno no fundo do mar: e eis que surge, o que resta do K-129, a uma incrível profundidade de 5 mil metros.
Os EUA rapidamente perceberam a azáfama soviética numa missão de salvamento tão grande: o K-129 provavelmente transporta armas valiosas e tecnologia ultra-secreta, coisas que os soviéticos não queriam que os americanos apanhassem.
Em Washington, D.C., o presidente Richard Nixon aprova uma missão arriscada mas verdadeiramente inacreditável, que foi entregue à CIA. Se falhar, pode desencadear uma guerra entre os EUA e a União Soviética. No entanto, recuperar um submarino a uma profundidade de 5 mil metros é uma tarefa difícil e dispendiosa. A agência americana apresenta um plano simples, mas bizarro: construir uma garra enorme para levantar o submarino do fundo do oceano.
Para tal, é necessário um navio especial, que seria dotado de uma garra gigante capaz de agarrar um submarino colossal, mas que, por fora, parecesse um navio civil. Mas como se constrói um navio assim sem levantar suspeitas na União Soviética?
É aqui que entra a manobra de diversão: para os ajudar, a CIA seleciona ninguém menos do que o bilionário e magnata da indústria aeroespacial Howard Hughes, que desempenhará o papel principal numa campanha de diversão bem orquestrada. O excêntrico milionário é definido, atualmente, como o ‘Elon Musk dos anos 1960’, fruto dos múltiplos empreendimentos.
Como parte da campanha de diversão, Hughes expande os seus negócios para a mineração em alto mar, cria uma empresa dedicada à exploração de minerais e encomenda a construção de um navio de mineração: o ‘Hughes Glomar Explorer’. O navio é construído à vista de todos. Oficialmente, é construído para a exploração de nódulos de manganês – pequenas formações minerais encontradas no fundo do oceano. Para credibilizar a operação, é contratado o ator de Hollywood, Richard Anderson, para dar o rosto pelos novos empreendimentos de Howard Hughes. Num anúncio, fingem tentar vender o projeto à indústria mineira. “Estou a bordo do que é provavelmente o navio de mar mais avançado tecnologicamente do mundo atual, o ‘Glomar Explorer'”, diz Anderson.
Ao mesmo tempo, a CIA encomendou à Lockheed, conhecida pelo desenvolvimento de aviões espiões, a construção em segredo de uma enorme garra. A construção demora mais de quatro anos e custa cerca de 350 milhões de dólares, uma cifra astronómica: para se ter noção, aos preço de hoje, seria o equivalente a 2,5 mil milhões de dólares. No entanto, para o Governo americano, o K-129 vale cada cêntimo.
Com um peso de 50 mil toneladas e 189 metros de comprimento, do ponto de vista técnico, o ‘Glomar Explorer’ é um navio verdadeiramente fascinante. Está equipado com um mecanismo de elevação gigante e um enorme hangar interno, chamado “Piscina Lunar”, que permite o acesso ao oceano. O plano é utilizar a garra para elevar o submarino soviético até à ‘Piscina Lunar’, onde seria inspecionado. Mas como é que se baixa a garra 5 mil metros no oceano?
A bordo do navio estão 600 tubos de aço gigantes, cada um com 9 metros de comprimento. Durante a descida da garra, com um guindaste montado no convés, estes tubos de aço são ligados uns aos outros, formando assim um único tubo de 5 mil metros de comprimento que pode chegar até ao abismo.
No verão de 1974, já haviam passado seis anos de preparação, com o K-129 a decompor-se lentamente no fundo do oceano: o navio de recuperação está a caminho do local dos destroços e o plano decorre sem sobressaltos – no entanto, dias após o início da viagem, o ‘Glomar’ recebe informações críticas. O navio de rastreio soviético ‘Chazma’ está a patrulhar as águas da região, numa rota que cruza o caminho do ‘Glomar’. Quando os soviéticos chegaram, ficaram desconfiados e lançaram um helicóptero para sobrevoar o navio americano.
A tripulação do ‘Glomar’ observou nervosamente enquanto o helicóptero soviético faz várias passagens baixas perto do seu navio. Se os soviéticos descobrissem o verdadeiro objetivo da missão, poderia abrir-se um conflito perigoso. Via rádio, informaram os soviéticos que pretendiam fazer “testes de mineração em oceano profundo”. O argumento pareceu convencer o ‘Chasma’, que dá meia volta e regressa ao porto de origem, Petropavlovsk.
Após este encontro imediato, o ‘Glomar Explorer’ consegue finalmente prosseguir com a sua missão e começou a dar uso à garra colossal no oceano profundo. Volta e meia, passa um navio soviética, o que eleva a tensão entre a tripulação americana.
Decorreu uma semana e o sistema de sonar ligado à garra detetou o fundo do mar: foi necessária outra semana de preparação e resolução de problemas: finalmente, a garra fixa-se aos destroços do K-129 e começa a iça-lo.
O submarino de 2.700 toneladas elevou-se da sua sepultura aquática. A garra está a puxá-lo para cima, metro a metro. Parecia estar a correr bem, mas de repente, a garra partiu-se. Mais de metade do submarino parte-se e volta a afundar-se nas profundezas.
Logo após a primeira tentativa falhada, a CIA planeou uma segunda missão para recuperar as partes restantes do K-129. No entanto, em fevereiro de 1975, o jornal americano ‘Los Angeles Times’ expôs o Projeto Azorian e revelou a verdadeira missão do ‘Glomar’ — um episódio que a CIA recordou em 2020 no seu site oficial.
O Governo americano foi obrigado a emitir uma declaração pública: para evitar embaraçar os soviéticos e pôr em risco os esforços diplomáticos em curso, o Governo americano elaborou uma resposta cuidadosamente ambígua: “Não podemos confirmar nem desmentir” – uma frase que ficou conhecida como a ‘resposta Glomar’.
A fuga de informação marcou o fim do Projeto Azorian. Com o disfarce descoberto, uma segunda tentativa de recuperar os restos do K-129 tornou-se impossível. Até hoje, o conteúdo da secção recuperada permanece um mistério: de acordo com os relatórios oficiais da CIA, foram encontrados apenas alguns torpedos, mas nenhuma tecnologia ‘sensível’: uma afirmação cuja veracidade é, obviamente, discutível.
A CIA encontrou ainda seis tripulantes soviéticos falecidos na secção recuperada do submarino. Tiveram um enterro formal no mar, que foi filmado por uma equipa de documentários da CIA: as imagens da cerimónia fúnebre foram desclassificadas e apresentadas ao presidente russo Boris Yelstin em 1992, como um gesto de boa vontade. Quase 60 anos depois, a maior parte do K-129 permanece a 5 mil metros de profundidade no Oceano Pacífico, sendo que ainda hoje as coordenadas exatas são confidenciais.