Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação parada há mais de um ano devido a falta de regulamentação
A Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) continua sem conseguir tramitar queixas de racismo, mesmo depois de 15 meses de inatividade e da posse da nova presidente, Isabel Rodrigues, em dezembro de 2024. Apesar de a estrutura já estar formalmente reorganizada, a ausência de um diploma regulamentar que defina recursos humanos, financeiros e instalações mantém o processo paralisado, gerando críticas e preocupações sobre a eficácia do combate à discriminação no país.
A transferência da CICDR para a tutela da Assembleia da República, decidida pelo anterior Governo PS, foi formalizada numa lei publicada a 15 de janeiro de 2024. No entanto, a operacionalização desta mudança depende de um diploma regulamentar que ainda não foi aprovado, deixando a comissão sem meios para tratar as queixas acumuladas.
Isabel Rodrigues, que foi secretária de Estado da Igualdade e Migrações, explicou ao PÚBLICO que o diploma é essencial para iniciar a contratação de pessoal e garantir recursos adequados. “Não posso contratar ninguém sem este diploma estar aprovado”, afirmou.
Os trabalhadores anteriormente afetos à CICDR, que agora estão na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), só podem ser transferidos por mobilidade após a aprovação do documento. Enquanto isso, as queixas continuam a ser recebidas e armazenadas pela AIMA.
Embora tecnicamente a presidente possa começar a analisar as queixas, Rodrigues alerta para os riscos de atuar sem suporte técnico. “Fazê-lo sem o apoio técnico dos serviços é um risco. Não é suposto a presidente tramitar as contraordenações sozinha; é um trabalho complexo e de grande exigência técnica”, sublinhou.
A presidente também destacou a necessidade de garantir o cumprimento das normas de proteção de dados e de assegurar instalações adequadas para o funcionamento da comissão. Segundo Rodrigues, a Assembleia da República apresentou inicialmente uma proposta de espaço que não satisfazia os requisitos para acomodar a equipa de 10 a 12 funcionários previstos.
Isabel Rodrigues enviou uma carta a todos os grupos parlamentares, apelando à urgência na aprovação do diploma para desbloquear a situação. Isabel Moreira, deputada do PS e coordenadora da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, confirmou ao PÚBLICO que o partido recebeu o pedido e que há diálogo entre forças políticas para acelerar o processo. Contudo, não foi avançado qualquer prazo para a conclusão do trabalho.
A paragem prolongada da CICDR tem repercussões graves. O ano de 2024 ficou sem registo ou tramitação de queixas de discriminação e sem a publicação do relatório anual que documenta as ocorrências e processos do ano anterior.
Os dados mais recentes disponíveis, referentes a 2022 e citados pelo Observatório das Migrações, mostram um aumento das queixas ao longo dos anos: 491 em 2022, face a 436 em 2019 e 655 em 2020, um ano marcado por picos devido ao contexto pandémico. No entanto, 80% dos processos acabam arquivados, segundo um estudo da Universidade de Coimbra, evidenciando a dificuldade de transformar queixas em ações efetivas.
Outro ponto pendente é a escolha dos representantes das associações que integrarão a comissão alargada, incluindo organizações de defesa dos direitos humanos, comunidades ciganas e associações de trabalhadores e patronais. Isabel Rodrigues espera iniciar reuniões com estas entidades ainda este mês, mas reconhece que o processo é “moroso e burocrático”.