“Chamam à minha voz ‘nudez’. Mas cantarei o hino da liberdade”: Mulheres do Afeganistão desafiam os talibãs e fazem-se ouvir na Internet

Num ato de resistência crescente, as mulheres afegãs estão a utilizar a Internet como palco para desafiar a repressão imposta pelos talibãs. Publicando vídeos em que cantam e recitam poesia, estas mulheres contestam a recente legislação que proíbe a sua voz de ser ouvida em público ou mesmo em casa, num claro desafio ao regime que governa o Afeganistão.

Desde a tomada de poder pelos talibãs em Agosto de 2021, o Afeganistão tem assistido a uma escalada constante de medidas repressivas, especialmente contra as mulheres. O mais recente capítulo desta opressão foi escrito a 22 de Agosto deste ano, quando os talibãs anunciaram novas leis através do Ministério da Prevenção do Vício e Propagação da Virtude, que incluem restrições severas à liberdade das mulheres, incluindo a sua voz.

A Voz Feminina como Instrumento de Resistência

A nova legislação, ratificada pelo líder supremo dos talibãs, mullah Haibatullah Akhundzada, decreta que as mulheres devem cobrir completamente o corpo e o rosto em público, não podem olhar para homens que não sejam seus familiares e devem manter silêncio absoluto. O regime talibã justifica estas regras afirmando que a voz de uma mulher pode “levar os homens à tentação”, e por isso deve ser silenciada.

No entanto, mulheres afegãs tanto dentro do país como na diáspora, têm utilizado as redes sociais para desafiar estas proibições. Algumas publicam vídeos cantando com o rosto coberto pela burca, enquanto outras olham diretamente para a câmara, desafiando abertamente o regime. Numa dessas gravações, uma poetisa afegã recita: “Quero estar sozinha, longe de toda a gente. Para me libertar de todo este sofrimento, para respirar de novo e me perder, para ficar tranquila e a minha alma se encher de luz.” O vídeo foi partilhado pela Human Rights Watch, uma organização que tem acompanhado de perto a situação dos direitos humanos no Afeganistão.

Noutro vídeo divulgado na rede social X, uma mulher afegã canta ao espelho. “Chamam à minha voz ‘nudez’. Mas cantarei o hino da liberdade”, afirma, em desafio.

Repressão Justificada pela Sharia

Apesar das promessas iniciais dos talibãs de moderar as suas políticas e respeitar os direitos das mulheres, a realidade no terreno mostra uma regressão drástica. Desde a proibição de frequentar escolas e universidades até à imposição de um código de vestuário rigoroso, as mulheres afegãs têm visto os seus direitos básicos serem sistematicamente anulados.

Em público, as mulheres estão proibidas de falar, cantar ou rezar. Em casa, devem falar baixo para que a sua voz não seja ouvida do lado de fora. Esta repressão, que os talibãs afirmam ser um cumprimento da sharia, leva a Human Rights Watch a afirmar que o Afeganistão está a viver “uma escalada constante e gradual da repressão”.

Cantar como Ato de Desobediência

Apesar dos riscos, as mulheres continuam a usar a música e a poesia como formas de resistência. Num dos vídeos que circulam nas redes sociais, uma mulher canta: “Puseram o selo do silêncio na minha boca até nova ordem. Não me vão dar pão nem comida até nova ordem. Prenderam-me dentro de casa pelo crime de ser mulher.” Estas palavras, traduzidas e citadas pelo jornal britânico Telegraph, ilustram o desespero e a determinação destas mulheres.

A repressão dos talibãs tem gerado solidariedade internacional. A jornalista iraniana Masih Alinejad, por exemplo, juntou-se ao coro de mulheres afegãs, cantando: “Minha terra, tão cansada. Cansada de traição, sem uma canção, sem uma voz. Minha terra, em agonia e sem cura”, num vídeo que apela a mais mulheres para se juntarem ao movimento.

Ao desafiarem o regime talibã, as mulheres arriscam-se a enfrentar graves consequências. O Ministério da Justiça afegão especifica que as sanções para quem violar as leis da moralidade incluem desde “conselhos e avisos de punição divina” até “detenção em cadeias públicas” por períodos de uma hora a três dias, ou qualquer outra punição que os talibãs considerem adequada.

Roza Otunbayeva, ex-Presidente da Quirguízia e atual coordenadora da missão das Nações Unidas no Afeganistão, critica duramente esta nova legislação. “Esta lei aumenta as já intoleráveis restrições aos direitos das mulheres e raparigas afegãs, em que até o som de uma voz feminina fora de casa é, aparentemente, uma violação moral”, afirmou Otunbayeva, sublinhando a gravidade da situação.

Num país onde a moralidade é vigiada com punho de ferro, as vozes destas mulheres ecoam como um sinal de resistência e esperança, um lembrete de que, mesmo sob as mais duras repressões, a vontade de liberdade continua a cantar.