Cessar-fogo entre Israel e Hamas envolve maior troca de prisioneiros dos últimos anos e paz em Gaza: o que está em causa?
As negociações entre Israel e o Hamas, mediadas no Qatar, garantiram um acordo de cessar-fogo e libertação de reféns.
Segundo o site “Axios”, houve um novo avanço significativo nas negociações nesta quarta-feira, o que deixou as partes ainda mais perto de fechar um acordo. O Governo do Qatar já havia dito, na passada terça-feira, que “o cessar-fogo estava mais próximo do que nunca”.
O acordo poderá resultar na maior troca de prisioneiros dos últimos anos. Na sua primeira fase, estão previstas a libertação de 33 reféns israelitas e a libertação de “várias centenas de prisioneiros palestinianos”, segundo um funcionário do Governo israelita.
O ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, Gideon Saar, encurtou a sua viagem à Europa esta quarta-feira para poder participar das votações do gabinete de segurança e do Governo sobre a libertação de reféns em Gaza e o acordo de cessar-fogo. ” Após o progresso nas negociações de libertação dos reféns, o ministro Sa’ar encurtou a sua visita diplomática, que estava programada para continuar amanhã na Hungria. Vai regressar a Israel esta noite para participar nas discussões e votações esperadas no Gabinete de Segurança e no Governo” esta quinta-feira, disse o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
As negociações foram aceleradas a menos de uma semana do regresso de Trump à Casa Branca, no próximo dia 20, num contexto de pressão internacional sobre as diversas partes envolvidas. O republicano alertou que a região seria mergulhada num “inferno” se os reféns, mantidos pelo Hamas desde 7 de outubro de 2023, não fossem libertados antes de assumir o cargo.
Neste contexto, os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e Egito, Abdel Fatah al Sissi, pediram que todas as partes mostrassem “a flexibilidade necessária” para alcançar o acordo.
Com este acordo, esta será a segunda trégua no conflito, iniciado em outubro de 2023 — a primeira foi em novembro do mesmo ano —, e seu rascunho foi construído com o objetivo de acabar definitivamente com a guerra em Gaza, segundo os mediadores.
Segundo a agência de notícias ‘Associated Press’, o rascunho do acordo de cessar-fogo prevê três fases e é baseado em parâmetros estabelecidos pelo presidente Biden e endossado pelo Conselho de Segurança da ONU.
Libertação dos reféns
Na primeira etapa, 33 reféns seriam libertados. Isso inclui crianças, mulheres (incluindo cinco soldados israelitas do sexo feminino), homens acima de 50 anos, feridos e doentes. Israel acredita que a maioria está viva, mas não recebeu confirmação oficial do Hamas.
A primeira etapa duraria 42 dias, e ao final dela todos os civis — vivos ou mortos — terão sido libertados. Se seguir conforme o planeado, no 16º dia após o início do acordo, começariam negociações para uma segunda etapa, na qual os demais reféns vivos — soldados homens e civis jovens do sexo masculino— seriam libertados, e os corpos de reféns mortos seriam devolvidos.
Em troca dos reféns, Israel libertará mais de 1.000 prisioneiros e detidos palestinos, incluindo 30 que cumprem sentenças de prisão perpétua. No entanto, terroristas do Hamas que participaram do ataque de 7 de outubro de 2023 em Israel não serão libertados.
Retirada de tropas israelitas
A retirada será feita em etapas, com as forças de Israel a permanecer ao longo da fronteira com Gaza para proteger as cidades e vilas fronteiriças de Israel. Haverá arranjos de segurança no corredor da Filadélfia, na fronteira com o Egito, ao sul de Gaza, com Israel a retirar-se de partes dele após os primeiros dias do acordo.
Aumento de ajuda humanitária
Haverá um aumento significativo na ajuda humanitária à Faixa de Gaza, onde organizações internacionais, incluindo a ONU, afirmam que a população enfrenta uma grave crise humanitária. Israel vai permitir a entrada de ajuda no enclave, mas há uma discrepância entre a quantidade permitida a entrar em Gaza e a que realmente chega às pessoas necessitadas.
Governo futuro de Gaza
Quem administrará Gaza após a guerra é uma incógnita nas negociações. Essa questão terá sido deixada de fora da proposta atual devido à sua complexidade e à probabilidade de atrasar um acordo limitado.
Israel afirmou que não encerrará a guerra com o Hamas no poder. Também rejeitou que Gaza seja administrada pela Autoridade Palestiniana, entidade apoiada pelo Ocidente e criada sob os acordos de paz provisórios de Oslo, há três décadas, que exerce soberania limitada na Cisjordânia ocupada.
A comunidade internacional insistiu que Gaza deve ser administrada pelos palestinianos, mas os esforços para encontrar alternativas entre líderes da sociedade civil ou clãs locais têm sido amplamente infrutíferos.
EUA apresentam plano de reconstrução e governação de Gaza no pós-guerra
O secretário de Estado americano, Antony Blinken, apresentou um plano para a reconstrução e a governação de Gaza no pós-guerra, quando um cessar-fogo entre Israel e o movimento islamita palestiniano Hamas parece prestes a ser concluído.
Blinken elogiou a proposta, que está a ser elaborada há um ano, e sublinhou a importância de garantir a sua aplicação depois de o Governo do atual presidente, o democrata Joe Biden, cessar funções, num discurso proferido no Atlantic Council, um grupo de reflexão com sede em Washington.
“Temos a responsabilidade de garantir que os ganhos estratégicos dos últimos 15 meses perdurem e sirvam de base a um futuro melhor”, declarou Blinken.
“Com demasiada frequência, no Médio Oriente, temos visto como o lugar de um ditador pode ser ocupado por outro, ou abrir caminho ao conflito e ao caos”, acrescentou.
Segundo o chefe da diplomacia dos Estados Unidos, o plano, de que já diversas vezes falou em traços largos, prevê que a Autoridade Palestiniana convide “parceiros internacionais” para criar uma autoridade governamental interina destinada a gerir serviços essenciais e supervisionar o território, ao mesmo tempo que outros parceiros, nomeadamente os Estados árabes, forneceriam forças para uma missão de segurança provisória.
Blinken e os seus principais conselheiros passaram meses a tentar vender a Israel, à Autoridade Palestiniana e às nações árabes do Golfo o plano, que descreve como a Faixa de Gaza seria gerida sem o Hamas no comando, precisa as prioridades de reconstrução e prevê a segurança do território devastado pela guerra.
Inicialmente, estes esforços depararam-se com resistência em todas as frentes, com Israel a opor-se aos apelos à retirada total de Gaza e a que a Autoridade Palestiniana assumisse um papel de liderança na governação, e com as nações árabes a insistirem que um cessar-fogo tinha de ser assinado antes de qualquer discussão sobre um plano para “o dia seguinte”. Mas o pomo de discórdia tem sido a exigência dos países árabes de um plano para a criação de um Estado palestiniano, que Israel rejeita liminarmente.
No entanto, em várias viagens à região desde janeiro de 2024, Blinken conseguiu que os Estados árabes do Golfo, muitos dos quais seriam chamados a pagar a reconstrução, participassem na elaboração da proposta. O plano exige uma reforma da Autoridade Palestiniana e que os países árabes ajudem a treinar as forças de segurança da Autoridade Palestiniana na Faixa de Gaza.
Mais de 44.500 palestinianos perderam a vida
Recorde-se que o conflito atual teve início a 7 de outubro de 2023, quando militantes liderados pelo Hamas lançaram um ataque no sul de Israel, matando cerca de 1.200 pessoas e sequestrando aproximadamente 250. Estima-se que ainda existam cerca de 100 reféns em Gaza, com um terço presumivelmente mortos.
A resposta militar de Israel a este ataque tem provocado consequências devastadoras. De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, mais de 44.500 palestinianos perderam a vida, sendo a maioria mulheres e crianças. Por outro lado, o exército israelita afirma ter eliminado mais de 17.000 combatentes do Hamas, embora não tenha apresentado provas para sustentar estas alegações.
Israel tem defendido que o Hamas frequentemente opera em áreas civis, utilizando escolas, mesquitas e habitações para esconder infraestruturas militares, como túneis e lançadores de rockets. Esta prática tem sido apontada como um dos fatores que dificultam a separação entre alvos militares e civis, exacerbando a crise humanitária na região.
Caso o acordo seja formalizado, marcará um ponto crítico nas relações entre Israel e o Hamas, ao mesmo tempo que oferece uma oportunidade para aliviar a crise humanitária em Gaza. No entanto, permanecem dúvidas sobre a implementação do cessar-fogo e a continuidade do processo de libertação de reféns e prisioneiros.
As próximas horas serão decisivas para determinar se o esperado anúncio trará alívio ou se as negociações continuarão a enfrentar obstáculos significativos.