Centros de saúde: Atrasos nos concursos fazem subir número de utentes sem médico de família
A situação nos centros de saúde em Portugal está a agravar-se devido ao atraso no primeiro concurso deste ano para a contratação de recém-especialistas. O número de cidadãos sem médico de família atribuído voltou a aumentar, e a situação pode piorar até ao final deste ano, avisa André Biscaia, presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar (USF-AN). Em junho, havia 1.605.000 pessoas sem médico de família, mais 75 mil do que em fevereiro, segundo dados do Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
O número de cidadãos com e sem médico de família oscila mensalmente devido às saídas do SNS, por aposentação e outros motivos. Com a nova organização em Unidades Locais de Saúde (ULS), o Governo mudou as regras, transferindo o recrutamento dos jovens especialistas para as 39 ULS do país, em vez de realizar concursos centralizados.
“Estamos a meio de julho e só agora as primeiras ULS começaram a publicar a abertura dos respetivos concursos,” afirma André Biscaia em entrevista ao Público. “Os recém-especialistas têm agora, com muitos já de férias, que responder em cinco dias úteis e enviar currículos de dez páginas.” Cada ULS é obrigada a constituir um júri com três médicos efetivos e dois suplentes, que serão desviados da sua atividade normal, nomeadamente consultas, em pleno verão, uma altura em que as necessidades de profissionais aumentam.
Se as previsões mais pessimistas se concretizarem, no final deste ano poderá haver “menos 500 médicos de família, a juntar aos mais de 700 que já faltam atualmente”. Este número poderá chegar a 1200, considerando as aposentações, ausências prolongadas e saídas para o setor privado ou estrangeiro. “O atraso na abertura dos concursos é um dos principais motivos para a saída de jovens médicos de família do SNS,” corrobora João Rodrigues, ex-coordenador do grupo de trabalho para a reforma dos cuidados de saúde primários.
O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e a Federação Nacional dos Médicos já tinham alertado para este problema. “O concurso já devia ter sido aberto há muito tempo e isto está a causar imensa confusão. Devia ter sido feito como nos outros anos e depois mudava-se,” defende Carlos Cortes, bastonário da Ordem dos Médicos.
Os dados do Portal da Transparência do SNS indicam que, em maio, o número de pessoas com médico de família atribuído era o mais baixo desde 2016. O número de cidadãos sem médico de família também inverteu a tendência de descida. “Isso está a acontecer porque não há mais médicos de família no SNS,” sublinha António Luz Pereira, vice-presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar.
“O plano de emergência era uma oportunidade para mobilizar mais recursos para os cuidados de saúde primários. Mas não vemos ali medidas que façam regressar médicos de família ao SNS,” critica Pereira. “O facto de não haver medidas específicas para esta área já é, por si só, uma decisão política com impacto na população.”
Em 2023, o concurso da primeira época foi aberto no início de maio e, no início de junho, os médicos estavam colocados. Com a mudança de regras este ano, ninguém consegue prever quando é que este processo estará concluído. O Ministério da Saúde reconheceu o atraso, mas afirma que “o processo de contratação já está a decorrer”.
“Estamos numa situação em que as saídas de médicos poderiam ser compensadas pela entrada dos novos especialistas, mas como o concurso está atrasado, serão cada vez mais os que decidem não ficar no SNS,” frisa André Biscaia.