Caos nas Urgências: Hospitais ativam planos de emergência e aumentam camas mas bastonário dos Médicos avisa que “algo está a falhar”

O aumento de infeções respiratórias e de casos clínicos complexos tem sobrecarregado os serviços de urgência hospitalares em Portugal, conduzindo a tempos de espera prolongados. Perante este cenário, várias unidades de saúde ativaram planos de contingência, com o reforço do número de camas de internamento e ajustes na gestão de recursos.

No início desta semana, a situação em alguns hospitais começou a mostrar sinais de agravamento. Às 21h de segunda-feira, o Portal do SNS indicava tempos de espera significativos para casos urgentes – triados com pulseira amarela – em Portimão (cinco horas), Almada (3h42), Vila Franca de Xira (3h18) e Caldas da Rainha (2h55). Apesar da normalização em algumas unidades, o cenário pode piorar durante a noite e ao longo da semana, noticia o jornal Público.

No Tâmega e Sousa, a Unidade Local de Saúde (ULS) abriu uma nova ala de contingência com 28 camas para responder ao aumento de doentes necessitados de internamento. “Atualmente, 18 camas já estão ocupadas, mas prevê-se que todas estejam preenchidas nos próximos dias”, explicou Nélson Pereira, diretor clínico da ULS, em conferência de imprensa. Ele destacou o aumento da taxa de internamento, que passou de 8% para 13,7%, com uma predominância de idosos com comorbilidades e infeções respiratórias, como gripe tipo B e Vírus Sincicial Respiratório.

Entre os dias 1 e 5 de janeiro, a urgência geral do Hospital Padre Américo atendeu 1.721 episódios, dos quais 343 resultaram em internamento. Situação semelhante verificou-se em outras unidades, como o Hospital São Gonçalo e a urgência pediátrica, onde houve um número expressivo de admissões.

A ULS Amadora-Sintra também implementou medidas para mitigar a pressão sobre os serviços. Segundo a diretora clínica, Bárbara Flor de Lima, “nas últimas 48 horas foi possível regularizar os tempos de espera, mas isso não invalida que possam surgir novos picos de afluência”. Desde o início do ano, mais de 3.000 episódios de urgência foram registados na unidade.

Flor de Lima apontou que 57% dos atendimentos foram classificados como urgentes, mas apelou aos utentes para utilizarem centros de saúde e o SNS24 para situações menos graves. A unidade converteu 30 camas para internamento e reforçou os cuidados intensivos. Além disso, contratou 160 camas externas para apoiar casos sociais, como utentes que aguardam vaga em lares.

Outras unidades de saúde também estão a reforçar a capacidade de resposta. A ULS Almada-Seixal aumentou o número de camas em dois por cada serviço hospitalar, enquanto a ULS Loures-Odivelas libertou 32 camas de internamento desde o início de dezembro.

Carlos Cortes, bastonário da Ordem dos Médicos, expressou grande preocupação com o atual panorama, especialmente antes do pico da gripe. “É perfeitamente desumano o número de horas que muitos doentes têm de esperar, especialmente os casos triados como urgentes. Doentes com pulseira amarela a aguardarem mais de 12 horas para serem atendidos é inaceitável”, afirmou em entrevista à CNN Portugal.

O bastonário destacou falhas na gestão e criticou a falta de recursos humanos. “Estamos a assistir a um falhanço dos planos de contingência previstos para este inverno. Há uma má programação em termos de recursos humanos e também uma incapacidade de integrar os diferentes níveis do Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, afirma. Ao Diário de Notícias, Cortes afirma que o caos vivido nas urgências hospitalares nos últimos dias é sinal de que “algo está a falhar”.  “A situação vai piorar quando se atingir o pico e os doentes continuam com a vida dificultada”, alertou

Cortes sublinhou ainda que a duplicação do orçamento da saúde nos últimos anos não se refletiu numa melhoria significativa do SNS. “Atualmente, o orçamento ronda os 17 mil milhões de euros. Fizeram-se reformas, como a das Unidades Locais de Saúde (ULS), mas os problemas persistem e, em alguns casos, agravaram-se. Há falta de coragem para implementar verdadeiras mudanças estruturais.”

O bastonário também apelou a uma reflexão ampla que envolva o Governo, o Ministério da Saúde e todos os partidos políticos. “A falta de atratividade do SNS para captar médicos é um problema crónico. Muitos hospitais e ULS acabam por fechar-se em si mesmos, sem a prometida integração com os cuidados de saúde primários. Há ainda um afastamento de outros agentes importantes no sistema.”

Segundo especialistas de saúde pública, janeiro poderá trazer um agravamento do número de casos de infeções respiratórias, particularmente com a chegada do pico da gripe. Cortes alertou para os desafios futuros: “Se agora já estamos nesta situação, quando chegarmos ao pico da gripe, o cenário poderá ser catastrófico.”

O bastonário concluiu com um apelo direto: “É preciso mais do que planos de contingência. Precisamos de uma reestruturação profunda do SNS, com foco na valorização dos profissionais e na criação de condições dignas para os utentes.”