Cães que vivem perto de Chernobyl sofreram mutações e agora têm um ‘superpoder’ que lhes permite a sobrevivência
Os cães que habitam a zona de exclusão de Chernobyl, cenário do pior desastre nuclear da história, têm intrigado a comunidade científica. Estudos recentes mostram que os animais desenvolveram adaptações genéticas extraordinárias, tornando-se resistentes à radiação, metais pesados e poluição. Estas descobertas podem abrir portas para uma melhor compreensão dos impactos genéticos e de saúde da exposição prolongada a ambientes tóxicos, tanto em animais quanto em humanos.
A zona de exclusão de Chernobyl (CEZ), criada após o desastre nuclear de 1986, cobre cerca de 2.600 km² no norte da Ucrânia. Após a explosão do reator 4 da central nuclear, ocorrida a 26 de abril daquele ano, a região sofreu a maior libertação de material radioativo na história da humanidade. A evacuação forçada de milhares de pessoas deixou para trás um território que, ao longo das décadas, se transformou num laboratório natural para a adaptação de espécies à radiação e outros perigos ambientais.
Entre os habitantes mais notáveis da CEZ estão os cerca de 900 cães vadios que sobrevivem há gerações nas condições adversas da área. Muitos são descendentes dos animais de estimação abandonados durante a evacuação e, contra todas as probabilidades, continuam a prosperar num ambiente hostil.
Uma equipa de investigadores liderada por Norman J. Kleiman, especialista em saúde ambiental da Universidade de Columbia, conduziu um estudo para compreender as adaptações genéticas destes cães. Em colaboração com o programa Dogs of Chernobyl, que realiza campanhas de vacinação e esterilização, os cientistas recolheram amostras de sangue de 116 cães capturados de forma humanitária perto da central nuclear e na cidade de Chernobyl, a cerca de 16 quilómetros de distância.
As amostras foram analisadas nos Estados Unidos, revelando que os cães da CEZ possuem composições genéticas únicas, distintas tanto de outras populações de cães na região como entre si. Segundo os resultados publicados em março de 2023 na revista Canine Medicine and Genetics, os investigadores identificaram quase 400 loci genómicos “fora do padrão”, que apresentavam variações extremas. Estes estavam associados a 52 genes que, acredita-se, desempenham um papel na adaptação ao ambiente contaminado.
“De alguma forma, duas pequenas populações de cães conseguiram sobreviver num ambiente altamente tóxico”, afirmou Kleiman. O estudo deu os primeiros passos para entender como a exposição crónica a múltiplos perigos ambientais pode moldar geneticamente populações.
Os cães de Chernobyl não são os únicos exemplos de adaptação na zona de exclusão. Investigações anteriores relataram mutações em lobos, que demonstram uma resiliência notável à exposição cancerígena causada pela radiação. Além disso, estudos com rãs-das-árvores orientais de pele negra, também presentes na CEZ, mostraram que estes anfíbios vivem tanto quanto os seus equivalentes de pele verde, apesar das mutações.
Estas descobertas alimentam debates sobre a possibilidade de o território contaminado se tornar habitável para humanos no futuro. Embora as condições na CEZ continuem perigosas, os animais mostram que a adaptação genética é uma ferramenta poderosa para sobreviver em ambientes extremos.
Para Kleiman, a investigação vai além da compreensão dos cães. “Examinar os impactos genéticos e de saúde destas exposições crónicas nos cães reforçará o nosso entendimento mais amplo de como esses perigos ambientais podem impactar os humanos e como mitigar os riscos à saúde”, explica, citado pelo Daily Mail.
O estudo é um marco no esforço para desvendar como organismos podem desenvolver resiliência a ambientes altamente tóxicos. O trabalho contínuo com os cães de Chernobyl pode não só oferecer informações valiosas sobre saúde e genética, mas também contribuir para estratégias de sobrevivência em situações de desastre ambiental no futuro.