Bielorrússia tinha esquema secreto para minar UE: documentos do regime de Lukashenko mostram como migração foi tornada uma arma

As orientações do Governo da Bielorrússia foram claras: deixem os migrantes ir para a Europa.

Ihar Kachalau, vice-chefe da polícia criminal da região de Minsk, recebeu relatos sobre o desaparecimento de várias pessoas que tinham viajado de África para a Bielorrússia para jogar futebol e ligou para o Ministério do Interior a pedir conselhos. “O ministro deu instruções explícitas”, referiu Mikhail Bedunkevich, um alto funcionário do ministério, citado pelo jornal ‘POLITICO’. “Não nos devemos preocupar com migrantes em trânsito para a Europa”, apontou, acrescentando: “Desapareceram? Tudo bem, desde que não se estabeleçam aqui. Qualquer coisa que se mova nessa direção… não devemos ficar no seu caminho.”

A ligação — gravada em maio de 2021 e compartilhada com o ‘POLITICO’ por ex-oficiais de segurança bielorrussos — dura menos de dois minutos e revelou como as autoridades bielorrussas facilitaram as tentativas de migrantes de voar para o país e cruzar ilegalmente para a União Europeia. O projeto de guerra híbrida foi desenhado para semear discórdia política em países da UE – começou na primavera de 2021, quando o país foi sancionado pelo bloco por reprimir a dissidência após uma eleição fraudulenta que deu ao ditador do país, Alexander Lukashenko, um sexto mandato como presidente.

Nos documentos citados pelo ‘POLTIICO’ estão comunicações entre forças de segurança bielorrussas e agências de viagens e hotéis controlados pelo Estado, nos quais estão detalhados os esforços para transformar a migração numa arma que ainda está em operação hoje, enquanto o autocrata de 70 anos busca a eleição para um sétimo mandato sem precedentes.

Desde o início do programa, pelo menos 120 pessoas morreram ao longo da fronteira bielorrussa com a Polónia, Lituânia e Letónia, de acordo com o grupo de direitos humanos Human Constanta. “Está claro — esta é a vingança de Lukashenko pela imposição de sanções”, frisou um guarda de fronteira em serviço entrevistado pelo ‘POLITICO’ que se identificou como Aleh. “Continuará enquanto a UE reagir a todos os horrores na Bielorrússia.”

Foram colocados anúncios em países como o Iraque a promover excursões para a Bielorrússia: quando potenciais migrantes respondiam, as empresas de viagens enviaram petições ao Ministério dos Negócios Estrangeiros local, solicitando vistos de curto prazo. Os propósitos declarados variavam de viagens de negócios a turismo, caça e tratamento médico — frequentemente envolvendo vistos de grupo. No entanto, muitos migrantes relataram ter recebido a promessa não oficial de uma travessia fácil para a UE.

Depois de pagar entre 6 e 15 mil dólares pelo pacote, os viajantes voaram para a Bielorrússia em companhias aéreas como Fly Baghdad, Iraqi Airways e a estatal bielorrussa Belavia – recebiam vistos na chegada, foram recebidos por representantes da empresa e levados para hotéis — de propriedade do Governo.

De acordo com a BelPol, uma associação de ex-oficiais de segurança que agora se opõem ao governo de Lukashenko, o esquema evoluiu entre a primavera e o outono de 2021. No entanto, no outono de 2021, as autoridades bielorrussas não apenas aceitaram o fluxo de migrantes, como também estavam encaminhando os recém-chegados ao país em direção à UE.

Isso foi feito a mando de Lukashenko, de acordo com cinco guardas de fronteira atuais e três funcionários do Ministério do Interior. “Todos entenderam que isso estava a ser feito em retaliação à postura linha-dura da UE contra Lukashenko”, referiu fonte bielorrussa.