Armas quânticas: o estranho mundo das partículas começa a entrar na arte da guerra

Há coisas estranhas que acontecem no mundo dos átomos: partículas a existir em dois locais ao mesmo tempo, a atravessar barreiras sólidas como paredes ou mesmo a comunicar instantaneamente através de milhares de quilómetros. Na nossa realidade, estes comportamentos são impossíveis – mas, a nível atómico, batizado de mundo quântico, são uma realidade quotidiana que os cientistas têm explorado desde o século passado.

Estas propriedades ‘peculiares’ dos átomos levam a pensar que, no futuro, a tecnologia será capaz de transformar um objeto sólido num ‘fantasma’ capaz de atravessar paredes ou talvez omnipresente. As aplicações militares destas ferramentas são inegáveis: desde exércitos invisíveis a armas que produzem danos inimagináveis. Apesar de estar no domínio da ficção científica, os cientistas ainda exploram as suas possibilidades e aplicações, sendo que o foco está na criação de computadores quânticos com uma capacidade de cálculo nunca antes vista.

São as aplicações militares que estão a ser exploradas, em particular nos Estados Unidos e China, os dois países na vanguarda do investimento nesta nova tecnologia promissora. Em 2023, o Departamento de Defesa dos EUA anunciou um projeto de 45 milhões de dólares para integrar componentes quânticos em sistemas de armas para aumentar a precisão da mira – também o Reino Unido testou um sistema de navegação quântica, no início de 2024, que não pode ser bloqueado.

Então, poderá o quântico mudar as guerras como as conhecemos?

“As tecnologias quânticas têm como principal objetivo manipular ou processar informação”, salientou Diego Porras Torre, presidente do Grupo Especializado em Tecnologias e Informação Quântica da Real Sociedade Espanhola de Física (RSEF),em declarações ao jornal ‘ABC’. Ou seja, o ‘teletransporte’ aplica-se mais à informação do que à matéria. “É o caso da computação, das comunicações ou dos sensores quânticos, cujo objetivo é fazer medições altamente precisas através do emaranhamento ou coerência quântica.”

Um dos exemplos mais famosos de aplicação militar desta nova tecnologia é o radar quântico. Embora seja ainda um sistema muito inicial – e a sua real viabilidade seja mesmo questionada –, a ideia é que esta ferramenta utilize a capacidade quântica dos fotões (as partículas que compõem a luz) para que possam comunicar mesmo a grande distância – algo semelhante à capacidade que se acredita terem os gémeos, que conseguem sentir o que o outro está a viver mesmo quando separados.

Existem protótipos em que um fotão é retirado de cada par emaranhado e disparado num feixe de micro-ondas. O outro fotão é retido no sistema de radar. De todos os fotões emitidos, apenas os poucos que atingirem um veículo serão refletidos, tal como acontece no caso das ondas de rádio no radar. No entanto, ao contrário deste último, em que já existem formas de os evitar, seria impossível escapar ao radar quântico, pois se o fotão disparado for ‘perturbado’ pela colisão com um avião ou um submarino, a outra partícula emaranhada será notificada instantaneamente sobre a mudança. “É importante esclarecer que muitas destas aplicações, como o radar quântico, são muito especulativas e, em rigor, ainda não é claro se podem ser utilizadas em aplicações práticas”, afirmou Porras.

“Infelizmente, existe muito ruído interesseiro e notícias pouco fiáveis ​​em todas as áreas das tecnologias quânticas, muitas delas sem suporte científico ou publicações verificáveis. O campo dos radares é um desses casos”, referiu Juan José García Ripoll, investigador do grupo Informação Quântica e Fundamentos da Teoria Quântica do IFF-CSIC. “Por outro lado, no campo da comunicação quântica há mais do que um progresso decente, embora a tecnologia ainda não esteja livre de inseguranças.”

A comunicação quântica segue basicamente o mesmo princípio do radar quântico: duas partículas emaranhadas que contêm informação e comunicam instantaneamente. No entanto, se alguém tentar intercetar esta mensagem, o sistema fica tão sensível que o conteúdo é destruído, impossibilitando a espionagem e conferindo-lhe uma segurança nunca vista nos sistemas de encriptação clássicos. Nesse sentido, a China sobe ao pódio em experiências cada vez mais sofisticadas. Por exemplo, em 2020, uma equipa de investigadores da Universidade de Ciência e Tecnologia da China publicou um artigo na revista ‘Nature’ contando como, com a ajuda de um satélite, conseguiram enviar uma mensagem quântica – no início deste ano, a China uniu forças com a Rússia num artigo publicado na revista ‘Optics Express’ no qual se afirmou terem conseguido bater recordes, transmitindo uma mensagem entre dois pontos separados por 3.800 quilómetros.

A China não é a única interessada nesta tecnologia. Em dezembro último, uma equipa internacional liderada por Jordan Thomas, investigador da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, publicou na revista ‘Optics’ uma experiência que conseguiu, pela primeira vez, o teletransporte quântico através de 30 quilómetros. Na Europa existe um programa de comunicações quânticas, o EuroQCI (European Quantum Communication Infrastructure), cuja visão é criar redes de comunicação europeias com segurança baseadas na criptografia quântica, tanto no espaço como em terra.

A nível internacional, as tecnologias quânticas são um foco de observação de organizações como a NATO porque existem aplicações (como sistemas de navegação muito mais precisos que não necessitam de GPS; ou a utilização de gravímetros quânticos que, para além de serem muito úteis para conhecer com precisão milimétrica o campo gravitacional da Terra, pode ajudar na deteção de túneis ou infraestruturas secretas). De facto, em novembro passado, um grupo de cientistas publicou na ‘Nature’ uma carta aberta sobre a necessidade de considerar os impactos éticos das tecnologias quânticas aplicadas à defesa. “As tecnologias quânticas podem ajudar a defender as nações, mas também ameaçam os direitos e os valores humanos”, referiram os autores. “O seu desenho e desenvolvimento precisam de orientação ética, antes que seja tarde demais.”

“Há muito entusiasmo em torno das tecnologias quânticas porque precisam de atrair muitos investimentos”, explicou David Trillo, investigador e professor do CUNEF (Universidade de Madrid) e doutorado em Física. “Mas na verdade, na prática, ainda não está provado que estas tecnologias possam ser viáveis.” Trillo indicou que o problema das ferramentas quânticas é que é necessário colocar muitos sistemas semelhantes que funcionem ao mesmo tempo e “que continuem a funcionar de forma quântica, o que é muito complicado”. “Até agora foram realizadas experiências com muito poucos sistemas quânticos.” Mas e se existir um limite ou uma lei física desconhecida que limite as tecnologias quânticas? “Isso ainda não foi descartado.”

Ainda assim, Trillo acredita que as tecnologias quânticas não representarão uma mudança drástica na forma como a humanidade entende as guerras. “Não sairá nada que rebente, como uma bomba nuclear. Estará mais focado em direcionar melhor um míssil, por exemplo.” García Ripoll é da mesma opinião: “Em termos gerais, as tecnologias quânticas não são ferramentas para desenvolver armas de ficção científica, como os ‘phasers’ de ‘Star Trek’. Já existe poder destrutivo suficiente noutras armas ‘convencionais’, como a bomba de hidrogénio, que, embora tenha sido concebida graças à compreensão dos processos de fusão quântica, não é objeto da nossa investigação.”