António Costa diz que Operação Influencer “foi como ter sido atropelado por um comboio e ficar vivo”

António Costa, ex-primeiro-ministro que apresentou a demissão após se ver envolvido na Operação Influencer, numa investigação separada, recordou o fatídico dia de 7 de novembro, em que foram realizadas as buscas das autoridades, e foi conhecido o processo, e indicou, em entrevista a Cristina Ferreira que “foi como ter sido atropelado por um comboio, e ficar vivo”.

Na antena da TVI, o antigo líder do Governo português recordou os “momentos mais difíceis”, dizendo que sentiu “as dores decorrentes de um atropelamento de comboio”, mas que “depois deu para gerir melhor as emoções, gerir as coisas”, revelando que quando saiu de casa para a tomada de posse de Luís Montenegro, já o fez “com tranquilidade”.

António Costa contou como têm sido os dias longe dos cargos públicos, da pressão e da atenção mediática constante. “É uma outra forma de estar na vida, não me recordava bem o que era não ter cargos públicos”, brincou Costa.

“Há pequenos luxos, como desligar o telemóvel, não estar reocupado com os relógios… O desligar o telemóvel à noite foi uma coisa que levei algumas semanas a perceber que podia. É uma habituação”, resumiu.

Costa não sabia do dinheiro que Escária tinha no gabinete
António Costa voltou a sublinhar que não sabia do dinheiro encontrado em envelopes de Vítor Escária, seu ex-chefe de gabinete e revelou que logo que soube que estava sob suspeitas, decidiu demitir-se.

“Sim sim, quando havia suspeição oficial foi muito claro [que teria de me demitir]. Falei com a Fernanda [mulher] e não tive menor dúvidas do que havia a fazer, e fiz”, indicou, voltando a sublinhar que espera “que a justiça rapidamente esclareça” as suspeitas que sobre Costa recaem.

“Uma coisa é um jornal dizer, uma televisão, isso é uma dimensão. Outra coisa é a entidade máxima do Ministério Público (MP) entender que há razoes para oficializar a suspeição e comunicar ao País. É legitimo que o País passe a ter dúvidas, e havendo duvida, o País não pode ter essa dúvida sobre o primeiro-ministro”, explicitou.

António Costa disse ser sua convicção “que Vítor Escária não fez nada de incorreto”, mas sublinhou que “não sabia da existência desse dinheiro”, nem da sua descoberta (feita depois), na altura em que se demitiu, afirmando que o valor em causa “não tem nada a ver” com o processo da Operação Influencer.

“Tenho a minha consciência tranquila, sei o que fiz o que não fiz. Conheço o episódio desta série, não sei é quantos episódios ou temporadas terá”, concluiu Costa.

O ex-primeiro-ministro não quis tecer comentários sobre a investigação ou sobre a Procuradora-Geral da República Lucília Gago, no entanto garantiu que a “confiança que as pessoas têm” nele “não se quebrou”, e que “haverá tempo” para fazer avaliações e tirar conclusões sobre a ação da justiça.

“Agradecem-me muito na rua, o facto de ter servido o País. Afinal, é mais fácil ser primeiro-ministro do que ministro”, revelou com humor.

O momento mais difícil da governação: crise inflacionária
António Costa foi questionado sobre se a demissão, os incêndios ou a pandemia foram os seu maiores desafio e momentos mais difíceis. O ex-primeiro-ministro assumiu que a pandemia “foi u m momento muito duro”, mas que “os últimos dois anos, com a inflação”, foi mais difícil”.

“Havia, para além de uma pressão muito grande, um desgaste acumulado. E o impacto brutal que tinha na vida das pessoas, e não tínhamos ferramentas. Foi o período mais difícil de gerir”, afirmou.

O ex-governante reconhece que a maioria absoluta foi “um voto de agradecimento, de reconhecimento pelo trabalho feito durante a Covid-19”, mas que “não resolve tudo”, e explicou a derrota do PS nas legislativas por “ser o pior momento possível”.

O que reserva o futuro? Costa afasta Presidência em definitivo; Europa “talvez” daqui a 2 anos

António Costa revelou como está a ser experiência de voltar à Universidade, e explicou que agora tem de encontrar uma atividade profissional. “Tantos anos afastado da advocacia, receio que os clientes me procurem não pelo meu conhecimento jurídico, mas pela minha carteira de contactos”, explicou.

Questionado sobre aspirações de candidatura à Presidência, foi perentório: “Não, não. Esse cargo nunca exerceria. Nunca me candidatarei, nunca”, sustentou.

E Europa? “Depende das circunstâncias, com um processo judicial pendente é muito difícil”, indicou, mas manifestou esperança no período que agora se avizinha para “prevenir e preparar outra vida”, apontando um prazo de “dois anos”, durante os quais, segundo explicou, deverá dedicar-se à área da mediação e arbitragem de conflitos.

Costa falou sobre o novo papel como comentador no canal NewsNOW, que será lançado pela Medialivre: “Passar de comentado a comentador requer algum tempo”, explicou entre sorrisos.

“Costela oriental” de Costa valoriza boas memórias de Marcelo
António Costa recordou “as boas e más memórias” que passou com Marcelo Rebelo de Sousa e indicou que “guarda todas”. “Mas deve ser a minha costela oriental que me leva a valorizar mais as boas”, explicou, entre risos, em referência às palavras polémicas do Presidente da República num jantar com jornalistas.

Aliás, o tema já tinha sido abordado por Costa, em que disse que considerava as palavras de Marcelo “um elogio”, em entrevista à CNN Portugal.

“Como sabe sou um otimista e, portanto, vejo sempre o lado bom. Interpretei essas palavras como sendo um elogio, de uma forma ponderada de estar na vida e de exercer a vida política”, começou por referir o ex-primeiro-ministro. No entanto, António Costa salientou ainda ver nas palavras “uma certa autocrítica por não ter esta costela oriental e, muitas vezes, haver menos ponderação por parte do senhor Presidente”.

António Costa garantiu não se ter sentido ofendido. “Não, não, não [fiquei ofendido]. Tenho uma relação com o professor Marcelo Rebelo de Sousa. Há quase 40 anos foi meu professor e, quando cada um exercia a sua atividade privada, colaborámos profissionalmente. Depois, tivemos sempre relações cordiais quer fora de funções quer no exercício de funções. Nunca foi para nós surpresa haver divergências entre nós, porque isso faz parte da vida”, referiu.

“Os primeiros-ministros têm uma função, o Presidente da República tem outras. Sendo da mesma família política gera necessariamente tensões, sendo diferentes famílias políticas, gera também necessariamente pontos de divergência, o que é absolutamente normal e nunca feriu as nossas relações pessoais”, concluiu.

No final da entrevista nos ‘Dois às 10’, e sem revelar as conversas com o Chefe de Estado, Costa diz que acredita que soube “sair na altura certa”. “É o bom senso que os políticos devem ter”, terminou, assinalando ainda que todos foram “excecionalmente simpáticos” quando se demitiu, incluindo colegas estrangeiros e adversários políticos nacionais.

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