Antes das eleições: Parlamento alemão toma medidas para ‘blindar’ Tribunal Constitucional perante ameaça da extrema-direita

O Bundestag, o parlamento alemão, aprovou na quinta-feira uma alteração constitucional que consagra as regras que regem o Tribunal Constitucional Federal na Lei Fundamental da Alemanha. Esta medida visa proteger a independência judicial contra possíveis ataques de partidos radicais, como a Alternativa para a Alemanha (AfD), partido de extrema-direita em ascensão no cenário político alemão.

A decisão, que obteve mais de dois terços dos votos no parlamento, reflete as preocupações crescentes entre os líderes políticos tradicionais face ao fortalecimento da AfD, que ocupa o segundo lugar nas sondagens antes das eleições antecipadas marcadas para 23 de fevereiro. Segundo Nancy Faeser, ministra do Interior e membro do Partido Social-Democrata (SPD), “quando olhamos para o estrangeiro, vemos que, quando autocratas chegam ao poder, eles quase sempre atacam primeiro a eficácia e independência do sistema judicial.”

Entre as mudanças agora inscritas na constituição, destacam-se os limites ao número de juízes no tribunal e à duração dos seus mandatos, medidas concebidas para evitar a instrumentalização do judiciário, como aconteceu durante o regime nazi.

Apesar de uma campanha eleitoral marcada por uma retórica mais agressiva do que o habitual na Alemanha, a votação foi uma demonstração de unidade entre os partidos de centro-esquerda e centro-direita. O chanceler Olaf Scholz (SPD) e Friedrich Merz, líder da União Democrata-Cristã (CDU) e principal opositor de Scholz, trocaram acusações públicas recentemente, mas as divergências foram temporariamente postas de lado para aprovar a nova legislação.

“Qualquer governo futuro precisará agora de uma maioria de dois terços para alterar as regras do tribunal, em vez de uma maioria simples”, sublinharam os legisladores.

Com 19% nas intenções de voto, a AfD está longe de ter força suficiente para aprovar legislação, e a maioria dos outros partidos recusa trabalhar com o partido. Contudo, a possibilidade de a AfD se tornar o maior partido da oposição no próximo parlamento preocupa os legisladores, que temem o aumento da sua visibilidade e influência.

Wolfgang Schroeder, professor de ciência política na Universidade de Kassel, apontou que, como principal partido da oposição, a AfD terá mais tempo de antena e acesso a maiores recursos financeiros. “Mas isso não será um salto quântico”, esclareceu.

Por outro lado, membros da AfD criticaram a nova legislação, acusando os partidos tradicionais de transformar o tribunal constitucional num instrumento político. “Vocês estão a dizer a um número crescente de eleitores que este não é o seu Estado, que este não é o seu tribunal constitucional”, afirmou o deputado da AfD Fabian Jacobi durante o debate parlamentar.

O ex-ministro da Justiça Marco Buschmann, que liderou as negociações para a elaboração do projeto antes do colapso do governo de Scholz, alertou repetidamente para os exemplos da Polónia e da Hungria, onde líderes populistas enfraqueceram a independência judicial após chegarem ao poder.

Na Alemanha, os 16 juízes do Tribunal Constitucional servem mandatos de 12 anos e não podem ser reeleitos, uma regra projetada para assegurar a sua imparcialidade.

A votação de quinta-feira foi a primeira grande medida legislativa aprovada pelo Bundestag desde a queda da coligação de Scholz, em novembro. O parlamento também está a considerar outras iniciativas populares, como o aumento do subsídio mensal por filho e a redução do impacto fiscal da inflação sobre os contribuintes.

Com as eleições antecipadas no horizonte, as medidas adotadas pelo Bundestag são vistas como um esforço para reforçar a democracia alemã num momento de crescente polarização política.