Almoços “de trabalho” na Câmara de Oeiras: Juristas alertam que se autarca recebe despesas de representação, não pode apresentar faturas

O caso dos polémicos “almoços de trabalho” que, desde 2017, ano em que Isaltino Morais voltou ao cargo de presidente da Câmara de Municipal Oeiras (CMO), já levou a autarquia a pagar mais de 139 mil euros por 1441 refeições e fez correr muita tinta. Agora, juristas alertam que, se um autarca recebe despesas de representação (como é o caso de Isaltino), não pode apresentar as faturas de “almoços ou jantares de trabalho”.

Vários especialistas, ouvidos pela Sábado, adiantam que em causa pode estar o crime de peculato.

Jane Kirkby, sócia da sociedade de advogados Antas da Cunha ECIJA., explica que há muitas decições e pareceres que chegaram à barra dos tribunais e exemplifica com o caso de Fernando Melo, presidente da Câmara de Valongo, que em 2009 apresentou cerca de 12 mil euros em refeições. O Tribunal de Contas considerou que, para serem pagas estas despesas ao autarca, teria de ser justificado o interesse público/municipal”, já que Fernando Melo só indicava no verso do talão com quem tinha almoçado”. Foi pedido que devolvesse todo o valor, mas O Tribunal de Contas acabou por condena-lo a pagar apenas metade do que tinha recebido.

A especialista explica que o recurso às refeições de trabalho ou representação, não deve ser feito de forma indiscriminada e que devem existir registos, para o controlo de “um processo que se quer transparente e claro”.

Luís Almeida, investigador do Centro de Investigação de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, recorda á mesma revista que na utilização destes fundos “estamos a falar de despesa pública, que tem de cumprir os requisitos exigíveis a qualquer despesa”, pelo que há que olhar as “regras de contratação pública e de concorrência”.

Jane Kirby aponta ainda que o consumo de produtos de luxo nestas refeições de trabalho, como champanhe marisco, aguardentes ou tabaco, depende da ética individual de cada um, mas explica que poderão ser consideradas excessivas de acordo com critérios de proporcionalidade e adequação”, no caso de as despesas referidas venham a ser sindicadas em tribunal.

Luís Almeida assinala que, de acordo Estatuto dos Eleitos Locais, “a remuneração mensal já inclui um suplemento remuneratório (de 30% no caso do presidente e de 20% no caso dos vereadores) para o pagamento de despesas de representação”, sendo que, no caso de Isaltino Morais, recebe 1124 euros por mês em despesas de representação, enquanto os vereadores recebem 599 euros.

Assim, na opinião do jurista, não poderiam apresentar despesas de almoços de trabalho. “Um membro de uma câmara municipal em regime de permanência não pode usar o fundo de maneio para cobrir despesas de representação – como, por exemplo, refeições em representação do município ou no exercício da função, ou almoços de trabalho”, clarifica.

Sem quererem referir-se a nenhum caso concreto, os juristas apontam que pode haver possibilidade de acusação pelo crime de peculato, punido com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias.

Alguns dos almoços de trabalho da Câmara de Oeiras chegaram a custar várias centenas de euros, num máximo de mais de 1400 euros por uma refeição.

No total, desde 2017, a Câmara Municipal de Oeiras (CMO) já pagou mais de 139 mil euros pelos “almoços de trabalho” e jantares do executivo de Isaltino Morais, num total de 1441 refeições, segundo a revista Sábado, que teve acesso às faturas.

São detalhados vários casos, que chocam pela faustosidade: presento, lavagante, lagosta, sapateira e outros mariscos, champanhe e vinhos caros, aguardentes e digestivos ou até tabaco. Em agosto de 2020, no restaurante Casa da Dízima, ocorreram dois “almoços de trabalho” com um vereador (Pedro Patacho), um diretor municipal (Luís Baptista Fernandes) e outros convidados, regados a Moët & Chandon, e com faturas de 352 e 212 euros para pagar.

Em novembro, no Lazuli, Isaltino tem outro almoço de trabalho, com uma fatura que chegava quase aos 490 euros, e novamente em outubro outra refeição, com 12 entradas, peixe fresco, aguardentes, queijos, quatro garrafas de vinho, queijadas de Sintra e um item descrito como “tabaco”, faturado a 30 euros. No total a fatura final foi de mais de 859 euros.

Já em 2019 outra fatura de uma refeição para 9 pessoas incluía a descrição ‘tabaco’, marcada a 60 euros. Isaltino Morais diz à revista que se trataram de “lapsos” dos restaurantes e que se tratam de anomalias que “serão regularizadas”.

Entre 2013 e 2017, quando Paulo Vistas era presidente, a Câmara fez 788 refeições e gastou 69 mil euros. Com o ‘regresso’ de Isaltino, tudo mudou, e até deixou de se registar o nome de pessoas externas a Câmara e que vão aos almoços e jantares de trabalho. Por outro lado, dispararam os custos com este aspeto.

“É claro que ninguém está autorizado a apresentar faturas que não correspondam a refeições de trabalho”, assegura Isaltino Morais.

As faturas sucedem-se: camarão, lagosta, saké afrodisíaco, sapateira e outros mariscos, vinhos luxuosos, sobremesas, aguardentes, carnes e um presunto pata negra que quase nunca falta.

Olhando a todas as faturas, desde 2017, no topo das refeições mais caras pagas pela Câmara está uma de 1495 euros. Seguem-se faturas de 942,14 euros e de 930 euros. Todas datam de 2018.

Já quanto a ‘campeões’ de almoços e jantares “de trabalho”, A vereadora Joana Baptista está em 1.º lugar, com 450 refeições, seguida pelo presidente Isaltino Morais, com 302 refeições, e por Miguel Faria chefe de gabinete de Isaltino Morais, que fez 298 refeições.

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