Abusos sexuais da Igreja Católica: Grupo VITA lança programas de prevenção destes crimes que são pioneiros em todo o mundo

Depois de dois anos de trabalho intensivo, o Grupo Vita, criado pela Igreja Católica para lidar com casos de abuso sexual no seu seio, anunciou o desenvolvimento dos primeiros programas mundiais de prevenção de abusos especificamente voltados para esta instituição religiosa. A previsão é de que ambos os programas estejam prontos em março de 2024 e comecem a ser implementados em abril, após formação dos intervenientes.

A novidade foi apresentada por Rute Agulhas, coordenadora do Grupo Vita, durante uma tertúlia realizada no ISCTE, em Lisboa, no âmbito do Dia Europeu para a Proteção das Crianças Contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, celebrado esta segunda-feira. A propósito da ocasião, Agulhas destacou a inexistência de programas de prevenção primária dirigidos à Igreja Católica em todo o mundo, apesar de mais de 40 anos de investigação nesta área.

“Não podíamos deixar de pensar em programas de prevenção primária desenvolvidos no contexto da Igreja Católica em Portugal. Não existe um único no mundo inteiro”, afirmou, citada pelo Público. A psicóloga sublinhou que, embora os abusos sexuais tenham características comuns em vários contextos, há especificidades no âmbito da Igreja Católica que requerem uma abordagem única.

Os programas em desenvolvimento serão destinados a crianças e jovens e poderão ser aplicados em escolas, catequeses e outros espaços relacionados com a Igreja.

Abordagem lúdica e educativa

O programa para crianças mais novas terá um formato lúdico, com um peddy-paper que aborda temas como relações saudáveis, privacidade corporal, segredos, estratégias de prevenção e como pedir ajuda. Já para os mais velhos, será desenvolvido um jogo digital com um percurso simbólico que inclui locais como uma igreja e uma fogueira, onde se abordarão temas semelhantes de forma adaptada às idades mais avançadas.

“Os programas devem ser lúdicos, apelativos e incluir múltiplas sessões ao longo do ano letivo, promovendo o envolvimento de adultos significativos e abrangendo diversos contextos da criança”, explicou Rute Agulhas, sublinhando que a continuidade é essencial para a eficácia.

Recorde-se que o  Grupo Vita foi criado em resposta ao relatório final da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, que validou 512 testemunhos e apontou a existência de pelo menos 4815 vítimas nos últimos 70 anos. Desde a sua formação, o grupo recebeu contactos de 117 vítimas e 56 pedidos de indemnização.

Em 2023, o grupo já havia lançado um Manual de Prevenção e o Kit Vita, com orientações para formação nesta área. No entanto, a coordenadora frisou que estas iniciativas, por si só, não são suficientes para abordar a problemática de forma abrangente.

Francisca Magano, do Comité Português para a UNICEF, chamou a atenção para números preocupantes sobre a violência sexual contra menores em Portugal. Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) de 2022 indicam que cerca de 176 mil pessoas foram vítimas de violência sexual antes dos 15 anos.

Além disso, destacou-se que uma em cada cinco mulheres e uma em cada sete homens reportam ter sofrido violência sexual na infância.

Durante a tertúlia, especialistas enfatizaram a importância de colocar as vítimas no centro da acção judicial e social. Carlos Farinha, director nacional adjunto da Polícia Judiciária, mencionou a criação de espaços na PJ que permitem ouvir crianças-vítimas fora de ambientes intimidatórios como as salas de tribunal.

Maria João Duarte, do Gabinete da Família, da Criança, do Jovem e do Idoso do Ministério Público, sublinhou que, embora a legislação tenha avançado na última década, a implementação efectiva no terreno ainda é deficitária. “O caminho tem de passar por uma cultura de cuidado que coloque as vítimas, em concreto as mais vulneráveis, como são todas as crianças, mais próximas da protecção do sistema de justiça”, afirmou.

Odete Severino Soares, investigadora, lamentou que Portugal nunca tenha implementado o modelo “Casa da Criança” (Barnhus), já aplicado em vários países. Este projeto reúne, num único espaço, todos os recursos necessários para o acompanhamento de crianças vítimas de abuso, incluindo apoio jurídico e psicológico. Segundo a investigadora, um projeto-piloto foi apresentado em 2016, mas não avançou.

Os especialistas presentes na tertúlia concordaram que há ainda um longo caminho a percorrer para proteger eficazmente crianças e jovens em Portugal. Os novos programas de prevenção do Grupo Vita, que se destacam pela sua inovação no contexto da Igreja Católica, poderão marcar um passo significativo nessa direção.

Para mais informações ou denúncia de casos, o Grupo Vita disponibiliza o número 915 090 000 e um formulário no site oficial grupovita.pt.