Abusos na Igreja Católica: Cinco vítimas já ouvidas pela comissão que decide indemnizações
O processo de atribuição de compensações financeiras às vítimas de abusos sexuais cometidos por membros ligados à Igreja Católica em Portugal avança gradualmente. Até sexta-feira, 61 pessoas apresentaram pedidos formais para receber indemnizações, com cinco já tendo sido ouvidas pela comissão de instrução, a entidade responsável por validar os casos antes da definição dos montantes. Rute Agulhas, coordenadora do Grupo Vita, descreveu o “feedback extremamente positivo” obtido durante estas audições e manifestou a esperança de que isso encoraje mais vítimas a participarem no processo, em declarações ao Público.
As regras para a atribuição de compensações foram divulgadas a 25 de julho pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e preveem uma abordagem em várias fases. Inicialmente, as vítimas devem submeter um pedido formal ao Grupo Vita, às Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis ou aos serviços competentes dos Institutos Religiosos e Sociedades de Vida Apostólica, dependendo do contexto em que ocorreu o abuso.
Após a submissão, a comissão de instrução avalia a validade do pedido. Em caso de aceitação, o processo é encaminhado para a comissão de fixação de compensações, que determinará os valores a atribuir.
O prazo inicial para a apresentação de pedidos terminaria a 31 de dezembro, mas foi prorrogado até 31 de março de 2024, dada a divulgação tardia das regras. Ainda assim, Rute Agulhas garantiu que casos submetidos fora deste período continuarão a ser considerados: “Quem nos contacte em abril ou junho não será excluído do processo”, afirmou, sublinhando que a fixação de prazos visa apenas agilizar os procedimentos.
Até agora, as cinco vítimas ouvidas pela comissão de instrução já haviam relatado os seus casos ao Grupo Vita ou às comissões diocesanas, evitando assim a repetição do testemunho e uma potencial revitimização. Segundo Agulhas, os encontros focam-se em obter informações complementares e compreender o impacto dos abusos, elementos cruciais para os pareceres enviados à comissão de fixação das compensações.
Um caso inédito está agendado para janeiro, envolvendo uma pessoa que nunca havia relatado o seu abuso anteriormente. Nesse contexto, será necessário um testemunho completo, mas, sempre que exista documentação prévia, a repetição de detalhes será dispensada.
Os encontros decorrem em locais neutros, com profissionais experientes, para proporcionar conforto às vítimas. Rute Agulhas destacou o impacto positivo do processo até agora, citando o caso de um homem que, inicialmente relutante em participar, descreveu a experiência como “calorosa e acolhedora”.
A comissão de fixação de compensações ainda não iniciou os seus trabalhos, aguardando um número mínimo de casos para proceder à análise comparativa dos impactos. Rute Agulhas antecipa que, com cerca de 20 ou 30 casos analisados, seja possível começar a determinar os montantes. A expectativa da CEP é concluir todos os processos até ao final de 2025.
Apesar do progresso, o processo não está isento de críticas. A associação Coração Silenciado, composta por vítimas, lamentou que os valores das compensações não sejam uniformes. Segundo as diretrizes da CEP, os montantes serão determinados com base na jurisprudência dos tribunais portugueses e poderão variar consoante o impacto na vida das vítimas.
Adicionalmente, a Igreja não pretende divulgar os valores individuais atribuídos, considerando essa prática “inadequada e desrespeitosa”. Contudo, no final do processo, deverá ser revelado o montante total entregue às vítimas.
O Grupo Vita foi criado em resposta ao relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, que estimou a existência de 4.815 vítimas nos últimos 70 anos em Portugal. Até agora, as iniciativas para ouvir e apoiar as vítimas têm recebido elogios pela sensibilidade demonstrada.
Rute Agulhas exortou mais vítimas a participarem: “Sabemos como é difícil, mas este processo é feito com todo o cuidado para garantir que as pessoas se sintam acolhidas e respeitadas.”
O Grupo Vita está disponível para contacto através do número 915 090 000 ou de um formulário online.