“A empresa que atualmente não se preocupar com os trabalhadores, não tem futuro”, diz CEO do Grupo Bernardo da Costa

O CEO do grupo bracarense Bernardo da Costa e presidente da Associação Empresarial do Minho começa a falar e desde logo percebemos de onde surgem as suas ideias e estratégia de gestão. Diz ser uma pessoa que gosta de causar impacto nos que o rodeiam e que a sua definição de liderar pessoas é diferente da maioria dos empresários. Conhecido como o gestor que paga férias em destinos exóticos aos seus trabalhadores e considerado um dos melhores, com menos de 40 anos, em Portugal, Ricardo Costa acredita na felicidade no local de trabalho, até porque é onde passamos a maior parte da nossa jornada diária. 

A empresa que lidera tem um Departamento de Felicidade e com ele procuram, na individualidade de cada um, garantir a motivação e dar resposta às expectativas e perspectivas dos colaboradores, pois, garante, cuidar dos trabalhadores é garantir que eles cuidam da empresa.
Depois de passar o Sameiro e o Bom Jesus chegamos a Braga, onde a Executive Digest se sentou à secretária com Ricardo Costa, que nos contou o que é preciso para se gerir uma empresa e uma equipa, e qual o ingrediente para garantir a felicidade nas organizações.
«A definição de sucesso está muito pouco ligada ao material e muito mais ligada ao sentimental, à diferença que fazemos na vida das pessoas, ao impacto que causamos na comunidade por via das nossas empresas. Isso para mim é o verdadeiro sucesso.»

Com mais de 60 anos de história, de onde nasceu a empresa?
A empresa foi criada em 1957, o meu avô já não foi um empreendedor jovem. Decidiu empreender com mais de 50 anos e criou uma empresa na área das instalações eléctricas e da bobinagem de motores, e começou aí a sua carreira de empresário. Em 1979 passa o testemunho à segunda geração, ao meu pai e ao meu tio, a terceira geração começa a entrar na estrutura nos anos 80 com alguns primos meus, e eu entro em 2002. A partir de 2004 começa a IBD, até à data Bernardo da Costa – Comércio de Equipamentos de Segurança, tornando-se a segunda empresa do grupo.
É a partir daqui que se começa a formar o grupo. Hoje somos um conjunto de 10 empresas, seis em Portugal e quatro em Espanha, Marrocos, Brasil e Camarões, com cerca de 100 pessoas em Portugal e 150 nas outras geografias. A primeira empresa no estrangeiro foi a BC Moçambique que se constituiu em 2009.

Entre os anos de 2010 e 2014, a área das instalações eléctricas passou por uma época muito difícil na crise económica, que afectou essa empresa de forma muito significativa, perdendo 95% dos clientes. Portanto, tivemos que renascer das cinzas, mas, como tínhamos conseguido diversificar a tempo, conseguimos dar a confiança suficiente aos nossos parceiros e à banca. E hoje já estamos em trajectória de crescimento. Agora, a área principal é a distribuição de equipamentos de segurança electrónica, que corresponde a cerca de 75% do nosso volume de negócios, que é a IBD em Portugal, Espanha e Marrocos, e a Global América no Brasil.
Temos ainda uma empresa na área da Investigação & Desenvolvimento, que desenvolve sistemas para casas inteligentes, a domótica, e a BC Safety, muito direccionada para os descartáveis médicos para uso industrial e hospitalar. Recentemente adquirimos uma participação no KuantoKusta, foi a forma de entrarmos nesta transição digital que já começou e que vai ser o futuro certamente.

E qual é a receita para o sucesso das empresas familiares?
Costumo dar muitas vezes como exemplo uma empresa que está aqui ao nosso lado, em Braga, do Grupo Casais, que considero que fez a sucessão e a transição geracional de uma empresa familiar da forma mais correcta.
Isto porque a fez a tempo, fez um pacto de família, definiu as regras, e mesmo depois das crises conseguiram sair mais fortes. No nosso caso, da segunda para a terceira geração houve a crise 2010-2014. Quando definimos uma sucessão devemos estar num momento tranquilo para que não estejamos a tomar decisões sob pressão e afectados por outras conjunturas, o que não aconteceu connosco.
Fizemos a sucessão num turbilhão de emoções, no meio de uma crise que estava a afectar a empresa. Acabei por cometer alguns erros, mas mantivemos o grupo e, felizmente, conseguimos ter sucesso.
Há uma receita para a liderança e para a gestão, que é a coerência e o bom senso. Se as aplicarmos em 95 a 99% dos nossos casos, estes acabam por ser resolvidos.
Depois há ainda a questão do exemplo, algo que o meu avô passou muito bem para as gerações seguintes, e que as gerações seguintes, nomeadamente o meu pai, também passou muito bem para nós. Quando vamos liderar, temos de liderar pelo exemplo. Só assim é possível ter uma história de 66 anos e estarmos hoje mais fortes do que no início.

Falou várias vezes em pessoas, mas o que faz um trabalhador feliz?
Acima de tudo, não podemos ter uma fórmula transversal a todas as pessoas. A forma como eu atinjo a minha felicidade é diferente da sua, e isso foi algo que fomos percebendo com o nosso Departamento de Felicidade, que surge em 2017, mas que não é mais do que um chapéu de uma cultura organizacional que já vem desde 1957. Em 2017, tínhamos um programa de benefícios que assentava em ser o mais abrangente possível, de acordo com o que eram as expectativas das nossas pessoas, hoje percebemos que o segredo está na individualidade. É desta forma que conseguimos perceber como podemos minimizar os impactos da conjuntura actual, e proporcionar condições de trabalho aos colaboradores que os faça continuar atraídos pela empresa.
Detesto o termo retenção, por isso uso sempre a palavra atracção. Devemos atrair quem queremos contratar e continuar a atrair quem já está connosco.
Dou um exemplo muito claro. Em 2014, quando decidimos oferecer a primeira viagem de grupo a Punta Cana, percebemos que mais de metade das pessoas estavam a encarar esta viagem como um constrangimento e não como um prémio. Foi aí que decidimos dar um salário extra para quem não queria ir à viagem.
Isto é só um exemplo de que quando pensamos que estamos a investir o dinheiro da empresa na felicidade das pessoas, ela pode não ser percepcionada dessa forma. Portanto, de um programa de benefícios que tínhamos, fomos evoluindo para estar mais atentos a questões como a flexibilidade de horários, o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, à questão do trabalho híbrido, progressão na carreira. Este ano, por exemplo, decidimos trocar a viagem por prémios mensais mais avultados, porque percebemos que as pessoas estão a sentir um aumento do custo de vida, e que preferiam ter mais dinheiro no final do mês.

E que benefícios têm os trabalhadores do Grupo?
O serviço mais valorizado pelas nossas pessoas é o serviço de engomadoria, foi um dos primeiros que tivemos e mantemos, porque vamos avaliando os serviços ao longo do tempo.
Por exemplo, já tivemos um spa e deixámos de ter, achamos no início que era uma boa ideia, mas depois percebemos que não estava a ter o impacto que esperávamos.
Temos ainda o serviço de entrega de refeições, o serviço de saúde, oferta do dia de aniversário, do 24 e 31 de Dezembro, ou seja, no mínimo oferecemos 25 dias de férias. Temos um camarote no Altice Arena para que as nossas pessoas possam desfrutar de espectáculos, e ainda vários eventos ao longo do ano, como a viagem anual, um fim de semana em Setembro em equipa, jantar de Natal, entre outros.
Para além disso, tentamos perceber junto das pessoas factores como o impacto do trabalho híbrido, por exemplo. Não sou defensor do teletrabalho a 100%, mas se podemos agilizar um modelo híbrido com os mesmos índices de produtividade, porque não?

 

A possibilidade de progressão pode ser uma motivação para os trabalhadores?
Se calhar é mesmo a principal motivação, principalmente se olharmos para a nova geração que está a chegar ao mercado do trabalho.
As pessoas da minha geração olhavam para as empresas, se possível, para a vida toda, e actualmente não, as pessoas querem novas experiências, novas oportunidades, e ou as empresas lhes proporcionam essas mesmas oportunidades ou vão procurá-las fora.
Temos de garantir enquanto empresa que proporcionamos progressão na carreira, desafios novos, e temos dado sinais de que estamos atentos para esta nova geração que é a geração com mais qualificações de sempre no nosso país.
Enquanto presidente de uma associação empresarial, tenho alertado muitas vezes para isto. Temos em Portugal um problema muito grave, em Portugal o nível de qualificações dos trabalhadores é muito superior ao dos nossos empresários, e isso está a fazer com que os empresários não percebam a geração que está a chegar ao mercado.

Ou seja, os empresários têm de estar abertos a receber inputs dos colaboradores?
Ou temos as empresas com capacidade de entender o que move os jovens de hoje, sendo que o salário está em primeiro lugar, a que se segue o chamado salário emocional, mas este só é importante a partir do momento em que não andamos desde o dia 15 a contar os tostões na carteira. Neste caso, pode vir qualquer serviço de engomadoria ou qualquer spa, que ninguém vai dar importância.

Mas as empresas também são feitas para dar lucro certo?
Temos de encontrar o equilíbrio entre a felicidade dos colaboradores e a sustentabilidade económica da empresa. Somos uma empresa, e as empresas são efectivamente feitas para dar lucro. No entanto, o que fazemos com o lucro é que difere de gestão para gestão.
Nós acreditamos que uma parte do  lucro deve ir para as pessoas que ajudam a conseguir esse mesmo lucro, e outra para a sociedade em que estamos inseridos, é o nosso giving back. A missão social das empresas é também importante.

Podemos dizer que têm uma real preocupação também com a parte social?
Desde há 66 anos, já vem de trás. Na altura era na freguesia de São Vítor, onde a empresa estava instalada, e fruto do crescimento da empresa fomos alargando a nossa intervenção social nas geografias onde estamos inseridos.
Acreditamos que é uma das missões da empresa, a social, fazer com que os lucros que as empresas obtêm por via da gestão seja devolvido em parte à sociedade que acaba por consumir o que produzimos.
Neste âmbito temos parcerias com instituições sociais, damos-lhes visibilidade para que outras empresas as possam apoiar, como éa Virar a Página, uma cantina solidária que nasceu em contexto de pandemia, a Associação Humanitária Domus, que se dedica a reconstruir casas de pessoas desfavorecidas, ou a You Dream, jovens universitários que criaram uma empresa que troca serviços por ajuda das empresas.

E revê-se nessa definição de líder?
Trabalho todos os dias para conseguir ao máximo estas características. Em muitas revejo-me completamente. Nem seria coerente da minha parte se dissesse que estas são as principais características de um líder se eu próprio não as tentasse seguir.
Tento encontrar um equilíbrio entre as características que permitam que as pessoas dentro da empresa se revejam nessa liderança.

E no panorama nacional, o que pensam os empresários do Minho sobre o que deve ser feito pelo Governo para que as empresas cresçam?
O Governo deve, acima de tudo, ter dois papéis, um papel regulador e um papel de criar condições para termos um ambiente favorável aos negócios.
Infelizmente não é o que acontece, o que acontece é que temos um Governo interventivo, que em alguns casos gosta de dizer às empresas como estas devem ser geridas, como por exemplo por via fiscal.
Criticamos porque, actualmente, há Estado a mais na economia, e isso não tem beneficiado a economia portuguesa.
O que nos preocupa mais como empresários é que acreditamos que estamos num momento decisivo para o nosso país por vários motivos. Primeiro pelo pacote financeiro que vamos receber nos próximos sete anos, nunca Portugal recebeu 50 mil milhões de euros, que nos permite fazer reformas e investimentos estruturais para preparar Portugal por anos seguintes.
Por outro lado, vivemos um momento de transição digital, transição energética e a revolução associada à Inteligência Artificial onde, pela primeira vez, Portugal não parte atrás, mas sim na linha da frente.
Temos um sistema científico e tecnológico que pode competir com qualquer país do mundo, temos conhecimento, capacidade empreendedora dos nossos empresários, e temos uma localização geográfica que nos permite pode estar na liderança.

E o que falta?
Previsibilidade. Ou seja, acordos dos principais partidos que governaram o nosso país nos anos da democracia em temas que são estruturais para o país, fiscalidade, educação, justiça, entre outros. É isso que vai fazer os investidores estrangeiros encontrar essa previsibilidade para fazer os seus investimentos em Portugal.
Destaco também a importância da lei laboral. Estamos a regredir com esta Agenda do Trabalho Digno. É importante regular, mas não se podem criar amarras que são penalizadoras para as empresas e para os trabalhadores. Para as empresas porque não permitem fazer os investimentos que são necessários ou ter alguma flexibilidade, e para os trabalhadores que cria uma falsa sensação de segurança.
A empresa que actualmente não se preocupar com os trabalhadores não tem futuro.

E enquanto presidente da AEMinho, como classifica o tecido empresarial da região?
Um dos dados mais relevantes é que a região do Minho, ou seja, as três Comunidades Intermunicipais, Cávado, Ave e Alto Minho, que queremos fundir, foi a que mais contribuiu para a balança comercial do país.
Contribuiu em três mil milhões de euros positivos, quando em 2022 Portugal registou o pior ano de sempre na balança comercial com 30 mil milhões negativos.
Por outro lado, atingiu pela primeira vez a barreira dos 10 mil milhões de euros de exportações, sendo que só o distrito de Braga corresponde a 11% do PIB nacional.
A indústria têxtil, metalomecânica, automóvel merecem destaque, somos por excelência uma região industrial, e Portugal precisa de crescer na sua indústria, nesta reindustrialização da Europa.
O Turismo é muito importante para nós, mas a indústria é que cria valor, é o que faz com que possamos aumentar os nossos salários, e esse é um dos caminhos que a AEMinho tem feito, na criação de valor, temos de apostar na qualidade e na inovação tecnológica.
Mas isto só é possível se houver capacitação do nosso tecido empresarial, como já referi nesta nossa conversa, da diferença entre a qualificação dos trabalhadores e a dos líderes.

E o Governo vê todo o potencial da região?
Em geral não, mas há pequenos dados que têm vindo a melhorar.
A AEMinho considera que continua a haver pouco cuidado do Governo na atribuição de fundos ou em investimentos estruturais, normalmente ficam bloqueados no Porto e não chegam ao Minho, mas também há pouca união dos agentes da região.
Só crescemos enquanto País se formos maiores, se tivermos empresas de grande dimensão, se conseguirmos captar investimentos para Portugal. Mas, tudo isso só acontece se trabalharmos em conjunto. Competimos muito, mas a verdade é que cooperamos pouco.
Vemos esta máquina do Estado que emperra tantos projectos que por via dos timings de decisão ou de pagamento, por exemplo, acabam por ficar condicionados. 

Que conselho deixaria aos empresários e aos governantes?
Aos empresários digo, se eu já tinha admiração pelo nosso tecido empresarial, que historicamente sempre foi resiliente, depois de uma pandemia e agora da guerra, ver resultados económicos e financeiros das nossas indústrias em 2022 é de realçar.
É sinal de que os nossos empresários, mesmo tendo muitas dificuldades colocadas por parte do Governo, estão a conseguir fazer crescer os seus negócios.
Temos, em conjunto, enquanto comunidade empresarial, de fazer um esforço para pagar melhores salários, tem de ser um desígnio nacional, não podemos ser conhecidos como um país de mão-de-obra barata, Portugal tem que dar o salto.
Ao Governo, este não pode ser indiferente, um empresário não pode dar 10 euros de aumento e o Estado ir buscar cinco. O gap entre o que a empresa paga e o que o trabalhador recebe não pode ser este.
O Estado devia terminar também com a tensão latente e divisão entre trabalhadores e empresários, isso não existe, fazemos todos parte do mesmo ecossistema, porque empresas sem trabalhadores não existem.
Por último, o Estado que regule, que se preocupe em criar condições favoráveis para atrair investimento, e que deixe o mercado trabalhar, ele vai-se autorregular, não precisamos que o Estado intervenha na gestão das empresas.