Especialistas criticam omissão da proteção contra o calor na nova reforma laboral

Com os termómetros a rondar os 40 °C em várias regiões do país, Portugal continua sem legislação que proteja eficazmente os trabalhadores expostos a temperaturas extremas.

Revista de Imprensa
Julho 30, 2025
9:54

Com os termómetros a rondar os 40 °C em várias regiões do país, Portugal continua sem legislação que proteja eficazmente os trabalhadores expostos a temperaturas extremas. A crítica parte de especialistas em alterações climáticas e saúde pública, que alertam para a ausência total do tema no anteprojeto da reforma da legislação laboral apresentado recentemente pelo Governo. Ao contrário de países como Espanha, onde o trabalho ao ar livre já tem limitações em dias de calor intenso, em Portugal a realidade é bem diferente.

“O corpo humano não está adaptado a estas condições. Trabalhar ao ar livre nestes dias é extremamente exigente para o organismo e pode mesmo ser perigoso”, afirma Filipe Duarte Santos, professor catedrático jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Para o académico, é essencial reconhecer que as ondas de calor são um fenómeno permanente, com impacto directo na saúde pública e na produtividade. “É difícil legislar, mas é urgente. Estamos a falar de risco de vida”, sublinha.

António Lopes, climatologista e investigador do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT), reforça a urgência da intervenção legislativa. “Estamos há décadas a alertar para os riscos do calor. O calor mata e não é só desconforto”, aponta. Para o especialista, falta vontade política e visão estratégica para proteger os trabalhadores, apesar da evidência científica e dos exemplos de boas práticas noutros países europeus.

Até ao momento, o único partido a apresentar uma proposta concreta neste sentido foi o Bloco de Esquerda. A 24 de julho, a deputada Mariana Mortágua entregou na Assembleia da República um projeto de lei que prevê dispensa de trabalho ao ar livre durante avisos meteorológicos laranja ou vermelho, intervalos de descanso consoante a temperatura, e a possibilidade de reorganização do horário de trabalho. A proposta visa incluir estas proteções no Código do Trabalho.

Portugal dispõe atualmente do sistema de alerta ÍCARO, considerado eficaz por especialistas, mas a sua utilidade depende da sensibilização da população e da existência de mecanismos de resposta. “É fundamental que as pessoas estejam avisadas e saibam como reagir a uma onda de calor”, defende Filipe Duarte Santos. Refúgios climáticos, edifícios preparados e zonas públicas climatizadas são algumas das soluções apontadas.

António Lopes, que acompanha o plano de refúgios climáticos de Barcelona, explica que estas zonas não são apenas sombras ou locais frescos, mas espaços organizados e monitorizados. “Não se pode simplesmente abrir um centro comercial a toda a gente. Há limites e responsabilidades logísticas e sanitárias que precisam de ser pensadas”, afirma. Embora os idosos sejam mais vulneráveis, o investigador alerta: “Os jovens são o segundo grupo com mais entradas nas urgências durante as ondas de calor. A imunidade é um mito”.

Este retrato preocupante, publicado pelo Diário de Notícias, revela que, perante a crise climática, o ordenamento jurídico português continua sem dar resposta adequada a uma ameaça cada vez mais presente: o calor extremo e os seus efeitos mortais sobre quem trabalha sob o sol.

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