Massachusetts Institute of Technology: Como as empresas ucranianas transformam os desafios da guerra em esperança
À medida que a sobrevivência nacional e a sobrevivência corporativa se tornam cada vez mais interligadas, vemos as perguntas mudarem de “Devemos fazer alguma coisa?” para “O que podemos fazer?” — transformando a RSE de uma iniciativa voluntária numa necessidade existencial.
No contexto da invasão russa da Ucrânia, as empresas oferecem um modelo convincente para a inovação orientada para a responsabilidade, com potencial para redefinir as práticas globais de RSE em contextos de crise. Quatro empresas ucranianas distinguiram-se com especial atenção e engenho nas suas abordagens ao lançamento de iniciativas socialmente responsáveis durante a guerra, com as adversidades do tempo de guerra a alimentarem a inovação e o impacto social. Os seus exemplos mostram que abraçar a RSE como um imperativo existencial permite um impacto escalável, confere às empresas um significado mais profundo e pode melhorar os esforços de inovação empresarial — fazendo da responsabilidade, e não da necessidade, a mãe da invenção.
Cada uma destas quatro empresas aplicou os seus recursos e capacidades existentes para cumprir as suas responsabilidades sociais percebidas, aventurando-se em produtos e serviços novos e adjacentes. O que se segue são as histórias de quatro empresas ucranianas e as lições que podemos aprender com elas.
BETTERME
No desenrolar da narrativa de guerra e resiliência, a BetterMe, uma plataforma digital de saúde e bem-estar, emergiu como um farol de esperança e recuperação. Com exercícios divertidos e programas de bem-estar para pessoas de qualquer idade e nível de aptidão física e 150 milhões de utilizadores em todo o mundo, a BetterMe assumiu uma postura de apoio desde o início do conflito, oferecendo a todos os ucranianos acesso gratuito à sua aplicação. Mas à medida que o impacto implacável da guerra na sociedade ucraniana se aprofundou, a missão de responsabilidade social corporativa da empresa evoluiu de forma semelhante.
Victoria Repa, fundadora e CEO da Better- Me, partilhou uma estatística gritante: mais de 50 mil ucranianos sofreram amputações de membros devido à guerra. A incessante onda de mísseis, drones e projécteis de artilharia — com aproximadamente 10 mil projécteis disparados diariamente — resultou numa onda devastadora de veteranos e civis gravemente feridos. Neste contexto, os líderes da BetterMe sentiram a responsabilidade de fazer mais. A empresa estabeleceu uma parceria com o fabricante de próteses Esper Bionics e com a fundação de caridade Future for Ukraine para criar um programa de formação especializado para aqueles que se preparam para e recuperam de amputações. Esta aplicação, criada para orientar os utilizadores ao longo de exercícios personalizados, pretende devolver a mobilidade e a esperança. O acesso gratuito a estes recursos vitais para os ucranianos é sustentado pelas receitas provenientes das aplicações de fitness e bem-estar da BetterMe no estrangeiro. Esta não é apenas uma inovação tecnológica; é uma tábua de salvação.
As cicatrizes psicológicas da guerra — stress pós-traumático, stress e perturbações do sono — atormentam muitos ucranianos. A BetterMe colaborou com a iniciativa “Como está?” do Programa Nacional de Saúde Mental e Apoio Psicossocial, liderada pela primeira-dama da Ucrânia, Olena Zelenska. Em conjunto com a Organização Mundial de Saúde na Ucrânia, a BetterMe desenvolveu um curso online gratuito e inovador intitulado “Fazer o que é importante em tempos de stress”, que abrange uma mistura holística de meditação, terapia do sono, autocuidado, ioga e actividade física, todos concebidos para ajudar as pessoas a lidar com a tumultuosa paisagem mental provocada pela guerra. Este curso gratuito oferece mais do que apenas mecanismos de coping; estende o apoio crítico a milhares de pessoas, garantindo-lhes uma certa tranquilidade no meio do caos. «Finalmente consigo adormecer graças à vossa aplicação», partilhou um utilizador agradecido.
BRABRABRA
No início tumultuoso da guerra, enquanto os ucranianos fugiam das suas casas com poucos pertences, uma empresa de roupa interior feminina chamada BraBraBra embarcou numa missão que transcendeu o mero negócio: começou a distribuir artigos essenciais como roupa interior, pijamas e roupa de cama às pessoas deslocadas pelo conflito. Para muitas mulheres apanhadas na convulsão, o fornecimento destas necessidades básicas ofereceu não só conforto físico, mas também uma certa dignidade durante um período de profunda incerteza.
Entretanto, à medida que o conflito se intensificou, ocorreu uma evolução notável nas forças armadas ucranianas. Uma vaga de mulheres — cerca de 55 mil — avançou para servir o seu país, com uma parte significativa destacada para as zonas de combate. Entre os desafios enfrentados por estes soldados da linha da frente estava a inadequação do seu vestuário. Oleg Shuliak, o visionário por detrás do BraBraBra, contou que muitas destas mulheres corajosas recorreram inicialmente a roupa interior masculina mal ajustada.
«Sentimos um chamamento», refletiu Shuliak, «e estávamos prontos a ajudar». O objectivo da BraBraBra era claro: desenvolver roupa interior que não só atendesse às rigorosas exigências do combate, mas que também obtivesse a aprovação genuína de quem a usaria no cumprimento do dever. A obtenção de amostras dos principais fornecedores militares do mundo deu origem poucos progressos; os designs simplesmente não se alinhavam com os requisitos e as peculiaridades únicas do equipamento militar das mulheres ucranianas. Mesmo pequenas diferenças na forma como as placas de metal de um colete à prova de bala estão posicionadas podem tornar o uso de alguns soutiens intolerável. Implacável, a empresa estabeleceu o seu próprio laboratório de investigação, embarcando num rigoroso ciclo de design e testes que abrangeu inúmeros protótipos.
Embora a escala dos seus esforços humanitários tenha sobrecarregado os seus recursos, impedindo ofertas directas, a equipa da BraBraBra concebeu uma solução criativa: pelo preço de um único par de roupa interior, os clientes recebem três — um para vestir, um para partilhar com um familiar e um terceiro que seria enviado directamente para a linha da frente, reforçando a determinação e o conforto de quem estivesse em perigo. A BraBraBra não vendeu apenas produtos; alimentou uma comunidade unida pelo apoio mútuo e pelo propósito partilhado.
MACPAW
Em tempo de guerra, uma batalha oculta trava-se não só nas linhas da frente, mas também no ciberespaço. Aí, onde a informação pode servir tanto de arma como de escudo, os ucranianos receberam a assistência inestimável e inesperada da MacPaw, uma importante empresa de desenvolvimento de software.
A história começa com uma VPN — a salvação digital para os ucranianos privados de verdade não filtrada. Para aqueles que residiam em territórios ocupados, o acesso a fontes de informação não russas não era uma opção ou representava um risco pessoal significativo. As autoridades russas monitorizaram e perseguiram indivíduos por qualquer actividade online que divergisse de fontes sancionadas pelo Estado. O ClearVPN gratuito da MacPaw, desenvolvido nos primeiros dias da guerra, proporcionou aos residentes destas regiões uma capacidade que muitos de nós consideramos garantida: a liberdade de aceder a informações de qualquer fonte que escolhermos, sem temermos pela nossa segurança pessoal.
Oleksandr Kosovan, CEO e fundador da MacPaw, esclareceu as implicações da vigilância não controlada. As informações interceptadas pelo Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB) não são apenas recolhidas, mas também transformadas em armas — utilizadas para semear o pânico, espalhar propaganda e executar sabotagem directa, transformando o mundo digital num teatro de guerra psicológica. O que está em causa, revelou Kosovan, é muito maior do que simples violações de privacidade: trata-se de controlo, influência e manipulação de populações inteiras.
A MacPaw desenvolveu o SpyBuster, uma ferramenta engenhosa concebida para combater o alcance invasor do FSB. Revela se as aplicações ou os sites a que os utilizadores acedem estão vinculados a servidores na Rússia. Com este conhecimento, os utilizadores podem tomar decisões informadas sobre se desejam prosseguir, recuperando algum controlo sobre a sua presença online. O SpyBuster surgiu das origens humildes da equipa de I&D da MacPaw, que trabalhou em abrigos antiaéreos para criar um produto que verifica os dispositivos em busca de ligações a servidores inimigos. Hoje, o SpyBuster permite aos utilizadores examinar as suas pegadas digitais em qualquer canto do globo, virando a maré na batalha pela privacidade e segurança.
MONOBANK
O Monobank, uma das principais instituições financeiras da Ucrânia, decidiu renunciar ao pagamento de juros durante o primeiro mês da guerra. Oleg Gorokhovskyi, o visionário cofundador do banco, explicou que a sua ousada aspiração de prolongar este período de carência sem juros foi, em última análise, limitada pelas duras realidades financeiras.
À medida que a guerra se desenrolava, inúmeros cidadãos comuns, movidos por um sentido de dever e patriotismo, estavam dispostos a gastar o que restava das suas poupanças para apoiar o exército. O catalisador era muitas vezes uma ligação pessoal — um membro da família ou amigo a servir numa unidade específica. Estes contactos militares transmitiram pedidos urgentes e específicos: alguns coletes à prova de bala extra, kits médicos, um punhado de drones ou defesas anti-drones, ou mesmo um novo camião para substituir um recentemente destruído pelo fogo de artilharia.
No entanto, a ineficiência deste esforço de angariação de fundos de base era evidente. As pessoas recorreram a enviar mensagens de texto aos seus contactos, partilhar os seus dados bancários e esperar contribuições — um processo ad hoc e complicado. Mas o Monobank viu uma oportunidade. Pouco antes da guerra, conduzira uma iniciativa chamada “potes”, destinada a ajudar pais a angariar fundos para as escolas locais. O conceito era simples: um frasco digital oferecia um código QR para facilitar a doação e uma barra de progresso para acompanhar o objectivo de angariação de fundos.
O Monobank adaptou e modificou rapidamente o produto dos potes, introduzindo características que facilitaram a criação e a partilha de esforços de angariação de fundos em nome dos esforços de guerra ucranianos. Os potes digitais puderam ser publicados sem esforço nas plataformas de redes sociais, e a inovação rapidamente ganhou força. Como observou Gorokhovskyi: «Não se pode estar no espaço mediático ucraniano agora e não ver um dos potes do Mono.»
O impacto foi profundo. Durante os primeiros dois anos da guerra, estes frascos digitais facilitaram a angariação de mais de 1,1 mil milhões de euros para esforços de guerra. Segundo o Monobank, esta soma poderá rivalizar com o total de fundos angariados durante este período por todas as outras organizações de solidariedade ucranianas juntas.
LIÇÕES APRENDIDAS
As histórias destas quatro empresas extraordinárias revelam várias descobertas importantes. Em primeiro lugar, as circunstâncias únicas e terríveis da guerra na Ucrânia redefiniram a responsabilidade social das empresas. Neste contexto, a responsabilidade das empresas perante a sociedade está interligada com a própria sobrevivência da nação, redefinindo a RSE como um imperativo existencial. Esta dualidade coloca as empresas sob intenso escrutínio, criando expectativas significativas em relação às suas actividades de RSE, ao mesmo tempo que imprimem ao seu trabalho um profundo sentido de propósito e significado. Esta fusão de propósito, dever e sobrevivência alimenta a motivação, o engenho e a determinação dos seus colaboradores.
Em segundo lugar, o papel da RSE torna-se particularmente crítico numa nação devastada pela guerra. Quando as instituições estatais falham, as empresas podem acabar por assumir uma quota crescente de responsabilidade social. Nestas crises, é revelada a verdadeira medida do compromisso de uma organização com a RSE, juntamente com a sua capacidade de operar em escala e sustentar os seus esforços, mantendo simultaneamente um equilíbrio entre o impacto social e a viabilidade financeira.
Em terceiro lugar, todas as empresas aqui apresentadas fizeram o que poderíamos esperar que um colectivo sensato fizesse nestas circunstâncias: doaram aos necessitados, apoiaram os colaboradores e as suas famílias e organizaram actividades que uniram outras pessoas para ajudar a nação, alinhando as convicções pessoais com a estratégia corporativa e promovendo a comunidade e o apoio. O profundo empenho dos líderes destas empresas transformou a RSE num esforço orientado para a missão que se repercute profundamente tanto nos colaboradores como nos clientes.
Contudo, as iniciativas de RSE destas empresas distinguem-se ainda mais pelas suas abordagens inovadoras. Cada empresa procurou o que os estudiosos da estratégia chamam expansão do âmbito horizontal, introduzindo novos produtos e serviços para melhorar os seus esforços de responsabilidade social. Estes produtos e serviços estão estreitamente alinhados com os seus principais recursos e capacidades, quer envolvam a concepção de novas peças de roupa interior para militares ou o desenvolvimento de ferramentas de combate à guerra cibernética.
Na verdade, alguns dos produtos e serviços, como os potes do Monobank, já existiam antes do início da guerra e foram reutilizados para novas aplicações. Pesquisas sugerem que uma das chaves para uma RSE escalável e sustentável reside precisamente na alavancagem dos recursos, capacidades, produtos e serviços existentes. Esta abordagem de procura de possíveis adjacências facilita a fungibilidade do conhecimento e do talento e promove poderosamente as competências e a reputação de uma empresa no mercado.
Normalmente, as discussões em torno de iniciativas socialmente responsáveis são enquadradas como “Devemos fazer XYZ?” e “Se sim, então como o fazemos?” Estas empresas ucranianas inverteram este guião, começando com “Podíamos…” e progredindo para “… e assim o faremos”. Ao fazê-lo, alargaram e sustentaram as suas iniciativas de RSE. Estes relatos das suas acções sugerem um modelo promissor para a inovação orientada para a responsabilidade.
Será esta mentalidade empresarial relativamente à responsabilidade social e à inovação virada para a responsabilidade um caso induzido pela guerra, ou será uma mudança duradoura? É muito cedo para afirmar com certeza, mas a marca deixada nos líderes e colaboradores destas organizações tem potencial para perdurar. Consideremos os líderes com quem falámos: as suas palavras não se referiam apenas a políticas e estratégias; falaram sobre as suas convicções pessoais e os compromissos sinceros que sustentam as iniciativas socialmente responsáveis que estão a realizar. O apelo para ajudar a sua nação a sobreviver e a impedir uma ameaça existencial resultou não só em novas práticas empresariais, mas também em novas formas de pensar.
Afinal, as empresas são como organismos vivos. Absorvem experiências e lições, incorporando-as na sua própria estrutura mediante histórias, artefactos e práticas quotidianas. Estes elementos sobrevivem a qualquer mandato individual, tornando-se parte do ADN empresarial. Integrar tão profundamente a RSE pode redefinir o que significa ser uma empresa responsável no mundo de hoje. Estas lições das empresas ucranianas fornecem um modelo para gestores e executivos transformarem a adversidade em oportunidades sociais e corporativas, gerando um impacto significativo e promovendo a inovação a longo prazo.
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 225 de Dezembro de 2024