No outono passado, nos subterrâneos reforçados do Hotel Intercontinental de Kiev, dezenas de representantes da indústria armamentista europeia reuniram-se com membros do governo ucraniano e jovens empreendedores locais. O objetivo? Não era pedir mais armas, mas sim partilhar lições valiosas extraídas de quase três anos de guerra contra a Rússia — com particular foco nas aplicações de inteligência artificial (IA) no campo de batalha.
Entre os convidados estava Oleksandr Yakovenko, fundador da TAF Drones, uma empresa nascida pouco depois da invasão russa em 2022. Yakovenko, que antes dirigia uma empresa logística em Odessa, foi recrutado para redirecionar os seus esforços em nome da defesa nacional. Hoje, a TAF Drones emprega centenas de mulheres em várias fábricas secretas no oeste da Ucrânia, produzindo até mil drones por dia a um custo unitário de cerca de 500 dólares — um valor irrisório num sector onde o armamento tradicional custa frequentemente milhões.
Esta assimetria de custos tornou-se uma das armas secretas da Ucrânia. Por mil dólares, drones ucranianos têm conseguido destruir tanques e lançadores de mísseis russos que valem dezenas de milhões. A resposta russa em tentar interceptar os drones tem sido constantemente frustrada por actualizações de software que lhes permitem escapar a novas defesas.
O ponto alto desta estratégia ocorreu em Junho, com a chamada “Operação Teia”. Numa manobra de alta complexidade tecnológica, mais de cem drones ucranianos foram contrabandeados em peças para o interior da Rússia, montados clandestinamente e transportados em camiões comerciais sem o conhecimento dos condutores. A milhares de quilómetros da fronteira, os dispositivos foram activados remotamente e atacaram cinco bases aéreas, num dos golpes mais severos infligidos à Rússia desde a Segunda Guerra Mundial.
A era da inovação constante e da guerra com IA
A guerra na Ucrânia expôs uma realidade inevitável: a supremacia nos conflitos modernos já não depende apenas de armamento pesado, mas da capacidade de adaptação tecnológica em tempo real, com destaque para a inteligência artificial. Empresas de defesa reconhecem essa viragem e, por isso, marcaram presença em Kiev, conscientes de que o mundo se encontra — nas palavras do analista Ian Bremmer — numa “depressão geopolítica”.
De acordo com o Departamento de Investigação sobre Paz e Conflitos da Universidade de Uppsala (Suécia), o número de conflitos activos duplicou desde o fim da Guerra Fria. Em 1989, havia 86 conflitos identificados; em 2024, esse número chegou aos 184. E não é apenas a quantidade que preocupa: a duração média dos conflitos quadruplicou, passando de cerca de cinco para vinte anos.
A maioria destes conflitos não ocorre entre Estados, mas envolve actores armados não estatais — desde cartéis da droga, como no México, a milícias em países como o Haiti, onde gangues controlam vastas zonas da capital, Porto Príncipe. A guerra civil no Sudão, alimentada por interesses estrangeiros nas riquezas naturais do país, já provocou dezenas de milhares de mortos e milhões de deslocados em apenas dois anos. No Sahel — nomeadamente no Mali, Burkina Faso, Níger e Mauritânia — prolifera uma guerra híbrida entre Estados e grupos jihadistas, uma dinâmica que recorda o que se viveu na Colômbia durante décadas.
O crime organizado, a cibercriminalidade e o papel da impunidade
A proliferação destes conflitos deve-se a múltiplas causas, apontam analistas da revista francesa Le Grand Continent. A impunidade dos Estados que promovem agressões — como a Rússia — encoraja outros actores a seguir o mesmo caminho, enquanto a globalização do crime organizado permite o financiamento sustentado de guerras por grupos armados e até por governos.
Outro factor é a cibercriminalidade. A Coreia do Norte, por exemplo, obtém cerca de 50% das suas divisas estrangeiras através de ataques informáticos contra plataformas de criptomoedas, financiando com esses lucros os seus programas armamentistas — que, segundo várias fontes, já influenciam também a guerra na Ucrânia.
Factores como as alterações climáticas, que forçam milhões ao êxodo em África, o impacto psicológico da pandemia e a dívida crescente de dezenas de economias frágeis também criam o caldo de cultivo ideal para a eclosão de novos conflitos e o agravamento de tensões sociais.
Corrida ao armamento: NATO aumenta orçamento de defesa
Perante este cenário, os países estão a reforçar os seus orçamentos de Defesa. Em Junho, os 32 membros da NATO comprometeram-se a elevar o investimento em Defesa para 5% do seu PIB. Destes, 3,5% serão destinados a capacidades militares — incluindo inovação — e 1,5% a infraestruturas críticas como transporte e cibersegurança.
Na prática, isso representa um acréscimo anual de 510 mil milhões de euros. Alemanha, França, Itália e Espanha terão de fazer os maiores ajustes orçamentais para cumprir esta meta. De acordo com dados oficiais, entre 2023 e 2024 o investimento mundial em Defesa cresceu 9,4% — o maior aumento desde a Guerra Fria.
EUA apostam em drones e IA para travar China no Pacífico
O Pentágono também tem os olhos postos na guerra do futuro. Inspirado pelos sucessos ucranianos, o Departamento de Defesa dos EUA lançou o projecto Replicator, com o objectivo de produzir milhares de drones aéreos e marítimos para dissuadir uma eventual ofensiva chinesa contra Taiwan.
“Estamos a enviar milhares de drones para Taiwan e para o Pacífico”, afirmou recentemente um antigo responsável do Pentágono ao jornalista Dexter Filkins, da The New Yorker. O almirante Samuel Paparo, comandante da frota do Pacífico, deixou clara a estratégia: “Quero transformar o Estreito de Taiwan num inferno sem tripulação”.
Além disso, a Força Aérea norte-americana está a desenvolver um programa para que cada avião de combate tripulado seja acompanhado por até cinco drones, enquanto o Exército quer mil drones por divisão militar.
A ascensão das empresas tecnológicas no sector militar
Empresas como a Anduril, startup de Silicon Valley fundada há dez anos, estão a capitalizar este novo paradigma. A empresa funde inteligência artificial com sistemas de defesa e já tem contratos avaliados em milhares de milhões para desenvolver drones autónomos, destinados a actuar no Pacífico.
Este ano, a Anduril também foi escolhida para liderar um projecto de 22 mil milhões de dólares para criar óculos de realidade aumentada para uso militar. Para garantir uma cadeia de fornecimento independente da China, a empresa vai abrir uma megafábrica no Ohio.
Dexter Filkins resume esta nova doutrina militar: investir centenas de milhares de milhões em tecnologias que permitam combater com drones baratos e, de preferência, sem arriscar vidas humanas. Uma abordagem que está, gradualmente, a redesenhar o conceito moderno de guerra.














