Revista científica reforça contributo dos novos produtos de nicotina para a redução do consumo de cigarros

Um estudo publicado pela revista científica The Lancet salienta a importância de incluir a redução de risco em tabaco como peça central na luta contra a prevalência do tabagismo, especialmente após a crescente disponibilidade de produtos alternativos de nicotina.

A mesma publicação, assinada por Robert Beaglehole, antigo diretor da Organização Mundial de Saúde (OMS), e especialista em Medicina, Epidemiologia e Saúde Pública, na Nova Zelândia, Inglaterra e Estados Unidos da América (EUA), destaca a redução de risco como uma estratégia de saúde pública bem-sucedida, por exemplo, no combate ao consumo de droga.

De acordo com o autor, tem sido um desafio comprovar uma associação sólida entre a implementação das medidas da Convenção-Quadro da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o Controlo do Tabagismo (CQCT) e os resultados relativos à prevalência do consumo de cigarros.

A convenção em questão não proibiu abordagens de redução de risco, mas deixou aos países a decisão de regulamentar as novas alternativas aos cigarros. Segundo a mesma fonte, a falta de dados da OMS sobre estes novos produtos, como cigarros eletrónicos ou  tabaco aquecido, limita escolhas mais saudáveis aos 1,3 mil milhões de fumadores em todo o mundo e que correm um risco aumentado de morte prematura. «Não há justificação científica para a posição defendida pela OMS, em que os cigarros electrónicos e outros novos produtos de nicotina devem ser tratados da mesma forma que os produtos de tabaco», defende o estudo.

Para a investigação, esta posição ignora uma abordagem proporcional ao risco. «A OMS precisa de uma liderança positiva e de conceder apoio técnico aos países, ao mesmo tempo em que considera a utilização de cigarros electrónicos e de outros dispositivos de entrega de nicotina, incluindo snus, bolsas de nicotina e tabaco aquecido e sem fumo», acrescenta.

 

Alguns casos de sucesso

 Em alguns países, a redução substancial do consumo de cigarros coincidiu com a introdução de novos produtos de nicotina, segundo os dados divulgados pelo mesmo estudo científico. A título de exemplo, na Nova Zelândia, a prevalência de fumadores adultos diários caiu de 13,3%, em 2017/2018, para 6,8%, em 2022/2023 – depois de os cigarros electrónicos estarem amplamente disponíveis, verificando-se um declínio de 49% em cinco anos.

No mesmo período, e com o apoio do governo e a regulamentação do vaping, a prevalência do vaping diário entre adultos, aumentou de 2,6% para 9,7%. O declínio do tabagismo na Nova Zelândia surgiu numa altura em que não houve outra política de controlo do tabaco, para além dos aumentos anuais dos preços do custo de vida. «A diminuição do tabagismo durante este período, na Nova Zelândia, mostra o que pode ser alcançado e excede as metas de redução da prevalência do tabagismo da OMS em 30% ao longo de 15 anos, entre 2010 e 2025», esclarece o artigo.

Outros países de rendimento elevado também conseguiram reduzir a prevalência do consumo de cigarros, quando comparado com a utilização de uma série de dispositivos de administração de nicotina de menor risco. Segundo o autor, em 2022, a Suécia, com uma longa tradição de consumo de snus (bolsas de tabaco para consumo oral), tinha a prevalência mais baixa de fumadores adultos diários no mundo inteiro, cerca de 6%, acompanhada de uma baixa mortalidade devido a doenças relacionadas com o consumo de tabaco.

A Noruega, por sua vez, teve um sucesso semelhante na redução da prevalência do tabagismo muito devido ao aumento do recurso a snus e cigarros eletrónicos e, em Inglaterra, o vaping está a ajudar os adultos a deixarem de fumar. No Japão, o declínio substancial do consumo de cigarros está associado à rápida absorção de produtos que aquecem o tabaco, refere o mesmo estudo.

 

COP 10 e receios

Entre as conclusões do estudo, são identificadas duas preocupações genéricas que podem ajudar a explicar o motivo pelo qual a redução de risco em tabaco não é adoptada de forma mais activa, apesar da sua associação à redução da prevalência do tabagismo. «Primeiro, em comparação com os cigarros, onde os danos são conhecidos há mais de meio século, os efeitos a longo prazo dos cigarros electrónicos são desconhecidos», explica. Embora a vaporização possa não estar isenta de riscos, especialmente para pessoas que não fumam, a investigação salienta que «os riscos de danos substanciais a longo prazo causados são provavelmente baixos, sobretudo quando comparados com os danos causados ​​pelos cigarros».

A segunda preocupação é a de que «a ampla disponibilidade de cigarros electrónicos, aliada à ausência de controlos e regulamentações adequadas, possa incentivar a dependência da nicotina entre os mais jovens». Apesar de existir o receio de que a indústria da vaporização possa agir de forma anti-ética, o estudo garante que «existem poucas evidências de que os vapers possam levar ao tabagismo».

Não obstante, o estudo salienta que «são necessárias regulamentações mais rigorosas, que incluem a aplicação de restrições de vendas e campanhas adequadas de promoção da saúde para evitar a vaporização por parte dos jovens». O mesmo acrescenta, ainda, que «estas medidas devem estar em consonância com as necessidades de saúde dos adultos mais velhos que fumam e necessitam de apoio para deixar de fumar».

Na décima sessão da Conferência das Partes (COP10), realizada em Fevereiro deste ano, no Panamá, foi recomendado aos governos tratar os produtos de nicotina como equivalentes aos cigarros e regulá-los de maneira semelhante. Na perspectiva do estudo presente numa das mais prestigiadas revistas científicas, esta decisão constitui um retrocesso porque não são produtos comparáveis ​​em termos dos danos que causam. «É a queima do tabaco que provoca riscos, não é a nicotina. Pior ainda, tal estratégia acaba por favorecer o mercado global de cigarros e pode desencorajar a vaporização», alerta.

O estudo sugere, por fim, que o foco deve permanecer nos efeitos nocivos do consumo de tabaco para a saúde. «A redução do consumo de cigarros é a forma mais eficaz de prevenir as mortes relacionadas com o tabaco e a redução do risco causados ​​pelo tabaco é a forma mais rápida e justa de reduzir a prevalência do tabagismo», defende. Mais à frente, a investigação refere, ainda, que existem 1,3 mil milhões de fumadores que precisam de ajuda e que a OMS precisa de recorrer a estas inovações na disponibilização de nicotina.