Desde o início da invasão da Ucrânia, a guerra económica entre a Rússia e o Ocidente tem-se revelado um dos fronts mais ativos do conflito. As sanções massivas impostas desde 2022 obrigaram Moscovo a criar esquemas complexos para contorná-las, enquanto os países ocidentais tentam fechar as brechas existentes. O mais recente exemplo deste esforço é o sistema A7, uma plataforma baseada em blockchain e numa criptomoeda própria, concebida para substituir o SWIFT e facilitar transações internacionais de forma não convencional.
Criado em 2024 pelo oligarca moldavo Ilan Shor, exilado em Moscovo após alegações de apropriação indevida de fundos equivalentes a 13% do PIB da Moldávia, o A7 tem 49% das suas ações detidas pelo banco estatal russo Promsvyazbank (PSB), ligado a empresas de defesa e sancionado internacionalmente. A plataforma permite que empresas russas movam dinheiro entre países usando a opacidade inerente ao mundo das criptomoedas, onde muitas entidades não cumprem totalmente requisitos de “conhecer o cliente” e diligência devida aplicáveis aos bancos tradicionais.
O think tank londrino Centro para a Resiliência da Informação (CIR) indicou que “A7 construiu um sistema baseado em dinheiro fiat e criptomoedas para realizar transferências em larga escala para dentro e fora da Rússia, financiado em grande parte por empréstimos de instituições estatais russas” e sublinha que a plataforma se expande rapidamente.
O recurso a criptomoedas estáveis
Inicialmente, A7 utilizava a ‘stablecoin’ USDT da empresa Tether, associada ao dólar, para reduzir a volatilidade típica das criptomoedas. A plataforma também operava através da bolsa russa Garantex, fundada em 2019, permitindo a troca de criptomoedas por dinheiro tradicional. Contudo, em março de 2025, as autoridades norte-americanas intervieram contra a Garantex por ligações a atividades ilícitas, incluindo ransomware, e a Tether bloqueou transações com USDT, obrigando os operadores russos a criar a sua própria criptomoeda: A7A5, lançada a 10 de fevereiro e vinculada ao rublo, com a bolsa Grinex a substituir a Garantex.
Em apenas quatro meses, A7A5 movimentou cerca de 9,3 mil milhões de dólares, facilitando transferências que enfrentariam grandes dificuldades devido às sanções internacionais.
Financiamento ilícito e interferência externa
Documentos internos filtrados em setembro revelam que A7 também foi usada para financiar ilegalmente partidos políticos na Moldávia, com aplicações como Taito e Callcenter apoiando operações de activistas e manipulando inquéritos eleitorais para favorecer a narrativa pró-Kremlin.
A república do Quirguistão emerge como um nó central, dado que a A7A5 e a bolsa Grinex estão registadas naquele país, que oferece uma regulamentação amigável às criptomoedas e permanece relativamente isolado do sistema de sanções. Leonid Shumakov, diretor da A7A5, explicou ao Financial Times que o Quirguistão “ajuda significativamente a mitigar a pressão sobre o sistema”. Documentos internos confirmam uma relação próxima entre Shor e o presidente quirguiz Sadyr Japarov, incluindo a oferta de um jato privado como demonstração de boa vontade.
Reações ocidentais e próximas medidas
A União Europeia sancionou A7 em julho de 2025 por participação na interferência nas eleições e referendo moldavos de 2024. Em agosto, o Departamento do Tesouro dos EUA (OFAC) sancionou Garantex e adicionou Grinex à lista de entidades restritas. No entanto, a operação continua: desde então, A7A5 movimentou pelo menos 6 mil milhões de dólares, com mais de 80% dos ativos reciclados entre fundos “limpos” para contornar bloqueios.
A UE avalia agora medidas diretas contra a A7A5 para reduzir a capacidade da Rússia de financiar a guerra na Ucrânia. Atualmente, circulam 41.600 milhões de tokens A7A5, avaliados em 496 milhões de dólares, com um total de transações que ultrapassa os 68 mil milhões de dólares. Apesar de representar apenas uma fração da economia russa, trata-se de um mecanismo sofisticado para contornar sanções.














