A tecnologia muda o mundo, mas só a confiança o transforma

Opinião de João Rosa de Carvalho, CEO da Pagaqui

Executive Digest
Dezembro 24, 2025
10:00

Por João Rosa de Carvalho, CEO da Pagaqui

Lisboa voltou a ser, por alguns dias, o centro do mundo tecnológico. A Web Summit enche a cidade de ideias, energia e promessas sobre o futuro. É um momento que desperta entusiasmo, mas também um tempo propício à reflexão. Entre tanta inovação, vale a pena perguntar o que realmente muda quando a tecnologia se afasta das pessoas em vez de se aproximar delas.

Portugal tem feito um percurso admirável na digitalização. Pagamos com um clique, gerimos contas em segundos e fazemos à distância o que antes exigia tempo e presença. No entanto, o relatório da OCDE sobre literacia financeira digital, publicado em 2023, lembra-nos que uma parte significativa da população ainda não se sente confortável com estas ferramentas. A tecnologia evolui depressa, mas a confiança demora mais tempo a consolidar-se. E a confiança, mais do que a eficiência, é o que sustenta qualquer transformação duradoura.

No setor dos pagamentos, esta tensão é particularmente evidente. Um processo rápido e automatizado não é, por si só, sinónimo de progresso. Quando um utilizador hesita, quando duvida do resultado de uma transação ou teme cometer um erro, percebe-se que há algo de essencial que falta: clareza, segurança, empatia. Inovar é, acima de tudo, compreender as fragilidades humanas e desenhar soluções que as respeitem. A tecnologia mais avançada perde sentido se não inspirar tranquilidade e se não simplificar a experiência de quem a utiliza.

Esta reflexão é especialmente importante num país em que a economia assenta em milhares de pequenos e médios negócios. São eles que mantêm viva a relação direta com as pessoas e que dão rosto à confiança no momento da compra. Para estes comerciantes, a digitalização é uma oportunidade, mas também um desafio que pede tempo e apoio. A inovação que realmente conta é a que se adapta a este ritmo, a que melhora sem impor, a que simplifica sem apagar o valor do contacto humano.

Talvez seja esse o grande desafio do futuro: unir o potencial da tecnologia à empatia das relações. A inovação não deve substituir o contacto, mas fortalecê-lo. Portugal, pela sua dimensão e pela sua cultura de proximidade, pode ser exemplo de um modelo digital que cresce com as pessoas, e não à sua custa. No fundo, é esta necessidade de se reunir, de partilhar e de construir em conjunto que continua a dar sentido à própria evolução tecnológica. Por mais digital que seja o mundo, permanece a procura por espaços onde a confiança se constrói no encontro e na proximidade. É nesse equilíbrio, entre o que a tecnologia promete e o que as pessoas ainda precisam, que se decide o verdadeiro caminho da inovação.

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