Como liderar na nova Econom(IA) Cognitiva?

Opinião de André Zeferino, Consultor em Estratégia de Negócio e Autor em Inovação de Marketing

Executive Digest
Novembro 27, 2025
11:52

Por André Zeferino, Consultor em Estratégia de Negócio e Autor em Inovação de Marketing

Todos os dias, milhões de decisões são tomadas com base em dados, relatórios, algoritmos e intuições. A velocidade tornou-se um dogma na abundância da informação. O tempo que antes servia para pensar é agora um luxo, criando um enorme paradoxo: quanto mais rápido o mundo gira, mais caro se torna o acto de pensar, e mais raro o discernimento acontece.

A inteligência artificial (IA) veio intensificar este contexto e desafiar o que significa pensar, decidir e liderar. No centro desta transição emerge o conceito de Economia Cognitiva (Caplin, 2024), onde o recurso mais escasso já não é o tempo, o capital ou a informação, mas a qualidade da cognição humana em interação com sistemas inteligentes.

Caplin não criou o termo, mas deu-lhe densidade científica e relevância prática, transformando uma metáfora numa disciplina empírica, aplicável à liderança e à criação de valor. O seu impacto resulta de alguns contributos essenciais:

  • Da metáfora à métrica: move a “economia cognitiva” da filosofia para a econometria do pensamento humano, modelando o valor económico da cognição.
  • Integração com dados e IA: uniu neurociência, psicologia e machine learning, tornando o conceito o quadro central da inteligência aumentada.
  • Valor do raciocínio: demonstrou que o diferencial competitivo vem, cada vez mais, da qualidade do pensar humano, e não apenas da automação robusta.

Trata-se de uma nova etapa económica onde a produção de valor é criada pela calibragem entre o raciocínio humano e a IA. Já não basta adoptar tecnologia; é necessário compreender como pensar com ela e quando confiar nela. Esta consciência exige um tipo de liderança que saiba navegar o limiar entre o humano e o algoritmo, entendendo as forças e as limitações de ambos em dinâmicas conjuntas.

Durante décadas, o discurso organizacional centrou-se na transformação digital e na inclusão de tecnologias que aumentassem a eficiência. Mas a IA não é apenas mais uma ferramenta: é uma alavanca cognitiva. A transição digital deu lugar a uma transição cognitiva; das mãos e da maquinaria convencional para as mentes e algoritmos, em que o recurso mais valioso é a capacidade de pensar, aprender, decidir e adaptar-se.

Ao transpor o trabalho automático para sistemas de IA, o valor humano desloca-se para o raciocínio, a criatividade, a interpretação e sobretudo para a metacognição: reflectir sobre o próprio pensamento. Reconhecida pela UNESCO e pelo World Economic Forum como uma das competências-chave para enfrentar os desafios do século XXI, a metacognição torna-se o eixo central da aprendizagem contínua e da adaptação em contextos de transformação tecnológica acelerada.

Esta realidade altera a noção tradicional de liderança: já não se trata apenas de coordenar equipas de pessoas, mas de orquestrar diferentes fontes, formas e sistemas inteligentes num mesmo fluxo de criação de valor.

Liderar na economia cognitiva significa criar condições para que as pessoas não apenas usem as melhores ferramentas, mas que aprendam melhor, porque as empresas e as organizações vão diferenciar-se, cada vez mais, pela qualidade cognitiva das suas equipas em interpretar, questionar e complementar um mundo acelerado e algorítmico.

A evidência empírica tem vindo a confirmar esta viragem. Num dos primeiros estudos sobre o impacto prático da IA na força de trabalho, e que se tornou referência em estudos de produtividade híbrida, conduzido pela Harvard Business School (Dell’Acqua, F. et al., 2023) ficou demonstrado que a influência da tecnologia na produtividade é irregular, especificamente para quem trabalha com o conhecimento: as tarefas rotineiras beneficiaram fortemente da IA, mas as que exigiram julgamento complexo nem sempre melhoraram.

Noutra perspectiva, verificou-se que a integração da IA de forma selectiva permitiu alcançar maior qualidade e precisão, enquanto a sua dependência integral trouxe maior rapidez, mas também maior propensão para erros fora dos limites da IA.

Este estudo criou um paradigma que pode ser aplicado nas soluções actuais de uso (“copiloto” e “agente”) e salvaguardar o risco da mediocridade cognitiva: quando a IA assume tarefas de nível mediano e os colaboradores abdicam do pensamento profundo, dando apenas preferência ao “modo rápido” sem qualquer aprendizagem real.

Neste cenário, o papel das lideranças é crítico para enfrentar um desafio ético incontornável: como garantir que a IA não amplie desigualdades cognitivas dentro das organizações? Alguns casos empresariais que têm vindo a público demonstram o início de uma reconfiguração estrutural do mercado de trabalho, através da redução selectiva de novas contratações.

O risco principal centra-se entre adaptados e excluídos do processo de requalificação, similar ao fenómeno K-shaped (Atwater, 2020). Se apenas os mais qualificados ou tecnologicamente confortáveis beneficiarem da IA, o seu prémio (maioritariamente salarial) aumentará. As empresas que não investirem na alfabetização algorítmica das suas equipas, democratizando a cognição aumentada, vão assistir a divisões internas profundas.

Perante os avanços da IA que tendem a homogeneizar o raciocínio, liderar passa a ser o acto de resistir à mediocridade e cultivar a excelência cognitiva, porque a verdadeira sofisticação algorítmica não está na tecnologia que usamos, mas na consciência com que a usamos.

Deste modo, as lideranças do futuro serão julgadas não pela velocidade com que as empresas adoptam a IA, mas pela profundidade com que pensam com ela, e essencialmente acima dela.

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