Do propósito à ação: Viver um projeto de bem-estar organizacional

Opinião de Regina Cruz, Mentora e consultora em projetos de bem-estar como estratégia de sustentabilidade das organizações

Executive Digest
Novembro 25, 2025
11:35

Por Regina Cruz, Mentora e consultora em projetos de bem-estar como estratégia de sustentabilidade das organizações

Durante uma sessão de mentoria, falávamos sobre propósito. O contexto era simples: um projeto de bem-estar organizacional, com impacto multistakeholder, mas que lhe começava a parecer demasiado pesado. O gestor que o liderava confessou, com um misto de frustração e ansiedade:

“Sinto que ainda não encontrei o propósito do projeto. Nem o consigo alinhar ao da empresa. Tal como o meu propósito pessoal — é como se estivesse quase lá, mas nunca estou.”

Fiquei em silêncio alguns segundos, a deixar a palavra “quase” ecoar. Era essa a palavra que queríamos explorar. Porque há algo de profundamente humano nesse “quase”: a sensação de estar sempre a um passo de encontrar o sentido, mas nunca o alcançar por completo.

Vivemos tempos em que o propósito se tornou quase uma exigência moral. Temos de o descobrir, de o formular, de o viver — como se houvesse uma única versão certa do sentido nisto tudo. E parece que toda a gente, menos nós, já o encontrou. No contexto organizacional, essa pressão também está presente.

Espera-se que o propósito seja grandioso, inspirador, transformador. Mas o que esta conversa me recordou foi simples, e talvez libertador: o propósito do projeto, tal como na vida, não se encontra, pratica-se.

Propus-lhe que deixássemos a ideia de “descobrir o propósito” e passássemos a explorá-lo na prática — revisitando gestos, intenções e microdecisões que, todos os dias, mantêm o projeto vivo. Lembrei-me da Wendy May e da sua perspetiva regenerativa, que descreve o propósito não como um destino, mas como uma orientação viva: “Purpose is not a place where you arrive. It’s a continuous orientation that guides how you make choices.” O propósito não é um troféu nem uma frase inspiradora; é uma relação dinâmica, em constante afinação, feita de escolhas e coerência. Flui ou não flui, consoante o quanto estamos sintonizados com o que é autêntico em nós e no sistema à nossa volta — na maturidade da liderança, na cultura, nos processos, nas relações que o sustentam.

Talvez o que ele sentia — esse “quase” — fosse, afinal, o próprio propósito a manifestar-se. Não nas metas alcançadas, mas nas pequenas vitórias do dia a dia: quando as equipas começaram a conversar de forma mais honesta; quando pessoas “invisíveis” se sentiram vistas pela primeira vez; quando um gesto de cuidado transformou o clima num dia difícil; quando todos sabiam o que todos estavam a fazer — e porquê. Estes momentos discretos são sinais vitais de um projeto que respira. Na lógica regenerativa, o propósito não precisa de brilhar — precisa de circular, como um fio de vida entre o que somos e o que fazemos.

No trabalho com líderes e equipas, ouço frequentemente a mesma inquietação: “Como é que alinhamos tudo isto? O propósito do projeto, o da empresa e o meu propósito pessoal?” Talvez a pergunta precise de outra formulação. Não se trata de alinhar pontos fixos, mas de reconhecer que tudo faz parte de algo maior, que se expressa na forma como construímos em conjunto. O propósito não é uma peça a encaixar, é um movimento vivo entre intenções e realidades.

Na conversa, voltámos à Wendy May e às quatro qualidades que sustentam a prática do propósito regenerativo — autenticidade, sintonização, responsividade e recetividade — e observámos como estas qualidades já estavam, de algum modo, presentes no projeto. Quando a equipa deixou de procurar o “programa perfeito” e começou conversas genuínas sobre o que estava a funcionar e o que não estava, praticou a autenticidade. Quando passou a ouvir o sistema — as pessoas, os silêncios, o contexto — antes de agir, viveu a sintonização. Quando escolheu responder à resistência interna com curiosidade, em vez de pressa ou imposição, exerceu responsividade. E quando aceitou o feedback sem o maquilhar, reconhecendo o que não funcionou, permitiu-se a recetividade.

No final da sessão, o Pedro (que não se chama Pedro) percebeu que talvez o propósito do projeto não precise de ser grandioso. Talvez a grandiosidade esteja no simples facto de ele já estar a acontecer — nos recuos e nos avanços, nas dúvidas e nas certezas, mas a acontecer.

Talvez essa seja, afinal, a natureza viva do propósito num projeto de bem-estar organizacional: não o que se escreve num site institucional, nem o que se anuncia num evento, mas o que se sente quando o projeto começa, de facto, a fazer o bem — e a fazer sentido, em várias direções.

 

 

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