Por Fernando Moreno, Responsável de Serviços de Mobilidade na Bosch Espanha
A descarbonização do transporte rodoviário é uma ação que temos de levar a cabo tanto por compromisso ambiental como por cumprimento regulamentar.
O transporte rodoviário de passageiros e mercadorias é o principal modo de mobilidade e representa a principal fonte de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) na Europa*, com 27%, seguido pelo setor da energia, com 26%. Por isso, a União Europeia definiu como objetivo reduzir as emissões de GEE em 55% até 2030 (em comparação com os níveis de 1990) e alcançar a neutralidade climática em 2050.
O objetivo é tão ambicioso que temos de utilizar todos os meios ao nosso alcance para conseguirmos ser neutros em carbono. Desde a promoção da transferência modal ou a melhoria da eficiência na mobilidade, até à utilização de combustíveis alternativos no transporte. Talvez este último ponto seja aquele que tem colocado os maiores desafios nos últimos anos, sendo também aqui que entra a utilização do veículo elétrico, da célula de hidrogénio ou dos combustíveis renováveis.
Todas as tecnologias são necessárias para responder às necessidades dos diferentes usos, especialmente no que diz respeito ao transporte pesado. Estas tecnologias são complementares e contribuem para a redução das emissões de CO₂, ainda que cada uma atue numa fase distinta do ciclo de vida do produto. O veículo elétrico a bateria não emite gases com efeito de estufa (GEE) durante a condução (do depósito à roda), embora possa haver emissões na fase do poço ao depósito caso a eletricidade utilizada não provenha de fontes renováveis. O veículo com célula de combustível utiliza hidrogénio renovável e não emite CO₂ nem na produção do hidrogénio nem durante a sua utilização no veículo. Por sua vez, um veículo com motor de combustão interna que utilize biocombustíveis de 2.ª geração ou combustíveis sintéticos (baseados em hidrogénio verde) apresenta um balanço negativo de CO₂ (do poço ao depósito), uma vez que o carbono foi absorvido pela biomassa ou captado do ar, sendo posteriormente compensado pelas emissões no escape (do depósito à roda), o que permite alcançar um balanço neutro em carbono. Estes novos combustíveis renováveis têm origem em resíduos orgânicos, biomassa ou óleo de cozinha usado e podem ser utilizados nos motores de combustão interna atuais, substituindo ou complementando os combustíveis fósseis tradicionais.
O biocombustível renovável mais utilizado atualmente é o HVO100 (óleo vegetal hidrotratado), um gasóleo renovável que reduz até 90% as emissões de CO₂ e que já está disponível em mais de 6.000 estações de serviço na Europa, incluindo mais de 100 em Portugal.
Apoiar o uso de todas estas tecnologias de propulsão é a forma de se alcançar uma redução mais ampla e rápida das emissões de GEE. O veículo elétrico a bateria é indispensável nesta transformação, sendo especialmente indicado para reduzir as emissões de CO₂ nos veículos novos, tanto ligeiros de passageiros como comerciais ligeiros. Por sua vez, o veículo com célula de hidrogénio está, para já, a ser desenvolvido sobretudo para veículos pesados de longo curso. Por fim, o veículo com motor de combustão interna alimentado por combustíveis renováveis é particularmente útil para começar já a descarbonizar o parque automóvel atual, abrangendo veículos ligeiros de passageiros, comerciais ligeiros, pesados e fora de estrada (off-road). Além disso, esta solução contribui para reduzir a dependência energética e de matérias-primas de países terceiros e promove a indústria, o desenvolvimento e o emprego na Europa.
Dado que estamos a referir-nos a gases com efeito de estufa (GEE) que acabam na atmosfera e afetam as alterações climáticas independentemente do local onde são emitidos, a legislação europeia deveria alargar o seu foco para acelerar e incentivar a redução dos GEE, legislando com base nas emissões do poço à roda, em vez de apenas do depósito à roda, como tem acontecido até agora.
Tecnologia e combustíveis renováveis
Para conhecer a pegada de carbono dos veículos com motor de combustão interna em função do tipo de combustível utilizado, a Bosch desenvolveu a plataforma Digital Fuel Twin, que monitoriza toda a cadeia de abastecimento do combustível, desde a produção até à sua utilização no veículo, com o objetivo de garantir a transparência, certificar as emissões de CO₂ do poço à roda e assegurar digitalmente que os veículos abastecem com combustíveis renováveis. Os diferentes intervenientes na cadeia de abastecimento de combustível enviam informações para a plataforma com as quantidades, o tipo e a composição do combustível fornecido, o que permite uma rastreabilidade exata do combustível utilizado por cada veículo e das respetivas emissões de CO₂ associadas. As empresas de transporte ou frotas podem conhecer e receber um certificado com as emissões de CO₂ de cada um dos seus veículos ou do total da frota, bem como certificar junto dos seus clientes as emissões de CO₂ associadas aos transportes realizados para eles.
Esta ferramenta digital permitiria também que os novos veículos com motor de combustão interna abastecessem única e exclusivamente combustíveis renováveis, sem necessidade de instalar sensores adicionais no veículo, alterar o bocal de abastecimento do combustível renovável ou marcá-lo com qualquer tipo de corante. Como a estação de serviço e o veículo estariam ligados à plataforma Digital Fuel Twin, o veículo receberia em tempo real a informação sobre o tipo de combustível abastecido e poderia ser configurado via software para reagir de determinada forma caso fosse abastecido com combustível fóssil (não arrancar, modo oficina, alerta visual ou sonoro, penalização, etc.). Esta capacidade de monitorização, reporte e atuação física no veículo permitiria também a criação, a nível europeu, de um novo tipo de veículo ‘neutro em carbono’, que apenas abasteceria combustíveis renováveis, beneficiando dos correspondentes incentivos legislativos.
Projeto Tour d’Europe: foi uma iniciativa a nível europeu com a participação de 28 empresas e associações dos setores da energia e da indústria automóvel, com o objetivo de demonstrar o potencial de descarbonização dos combustíveis renováveis em condições reais. Um total de 16 veículos, ligeiros e pesados, percorreu 17 países europeus entre março e junho de 2025, realizando mais de 77.000 km e abastecendo com biocombustíveis sempre que possível.
Toda a cadeia de abastecimento dos combustíveis, assim como os veículos, foi monitorizada pela plataforma Digital Fuel Twin da Bosch, para calcular e certificar as emissões de CO₂.
O relatório final do projeto confirmou uma redução de 77% nas emissões de CO₂ em comparação com o uso de combustíveis fósseis, e demonstrou que já é possível atravessar a Europa abastecendo com combustíveis renováveis, alcançando reduções significativas de CO₂. Os atuais veículos com motor de combustão interna são compatíveis com estes novos combustíveis, a infraestrutura e os combustíveis renováveis já estão disponíveis nas estações de serviço, e é possível medir os dados das emissões de CO₂ do poço à roda com a plataforma Digital Fuel Twin da Bosch.
* EU-27 em 2023 segundo a Agência Europeia do Ambiente (EEA)




