Criptoativos na gestão financeira das empresas?

Opinião de Tiago Cruz Gonçalves, Professor de Finanças do ISEG, Universidade de Lisboa

Executive Digest
Julho 30, 2025
12:12

Por Tiago Cruz GonçalvesProfessor de Finanças do ISEG, Universidade de Lisboa

Nos últimos anos, algumas empresas surpreenderam o mercado ao incorporar criptomoedas nas suas estratégias financeiras. Exemplos mediáticos como a Tesla e a MicroStrategy destacaram-se ao investir uma parte significativa dos seus excedentes de liquidez em Bitcoin. Globalmente, em julho de 2025, o valor de mercado dos criptoativos ultrapassou os 4 biliões de dólares, marcando a sua transição de ativo especulativo marginal para parte integrante do panorama financeiro mundial. Perante este cenário, terão os criptoativos um lugar na gestão financeira das empresas?

De facto, uma investigação recente indica que o mercado reagiu positivamente, ainda que de forma moderada, às empresas que fizeram aquisições substanciais de criptomoedas face à sua dimensão (Gimenes et al., Financial Innovation, 2023). Para além do potencial como investimento, os criptoativos oferecem novas possibilidades operacionais na gestão financeira corrente. Um número crescente de empresas começou a aceitar criptomoedas como meio de pagamento de bens e serviços, numa tentativa de captar clientes adeptos destas tecnologias e de posicionar a marca como inovadora.

Apesar do mediatismo, uma grande maioria dos gestores permanece prudente. Apenas uma pequena fração (5%) dos CFOs planeia incluir bitcoins nos ativos da empresa num futuro próximo, de acordo com um inquérito realizado em 2021. As razões deste reduzido interesse prendem-se sobretudo com a volatilidade extrema destes ativos, com o maior conservadorismo de alguns boards e com a incerteza regulatória ainda prevalecente. Esta cautela com a volatilidade elevada não é infundada, se atentarmos que, por exemplo, entre 2021 e 2022, o mercado das criptomoedas perdeu mais de 70% do seu valor, tendo entretanto recuperado e ultrapassado quaisquer expectativas.

Contudo, os benefícios potenciais começam a atrair a atenção das empresas, particularmente na gestão do excesso de tesouraria. A investigação, ainda incipiente, sugere que as criptomoedas podem atuar como diversificação eficaz e até como proteção face à inflação, gerando retornos superiores aos instrumentos financeiros tradicionais.

Além disso, as criptomoedas estão a ganhar relevância operacional. A utilização de stablecoins, criptomoedas com valor estável indexado ao dólar ou ao euro, permite reduzir custos e agilizar pagamentos internacionais quase instantaneamente. Contudo, a segurança permanece um risco considerável. Só em 2022 foram roubados mais de 3,8 mil milhões de dólares em criptoativos através de ataques cibernéticos. Adicionalmente, podem ser usadas para mitigar os efeitos de sanções económicas a indivíduos e empresas como mostra investigação recente e noticias relativas à Rússia (Almeida & Gonçalves, ssrn, 2025).

Outro ponto crítico prende-se com o impacto ambiental da mineração de criptomoedas como a Bitcoin, que envolve um elevado consumo energético, entrando em conflito direto com as metas ESG de muitas empresas. Este foi precisamente o motivo pelo qual a Tesla reverteu a sua decisão inicial de aceitar pagamentos em Bitcoin.

No entanto, desenvolvimentos recentes na regulamentação e na contabilidade podem reduzir parte destas barreiras. Por exemplo, as alterações introduzidas em 2023 pela FASB, entidade normalizadora dos E.U.A, permitem agora contabilizar os criptoativos pelo seu justo valor, eliminando algumas distorções do reporte anterior que mensurava segundo um modelo de custo histórico, ajustado de imparidades. Uma estrutura regulatória mais clara poderá também contribuir para aumentar a confiança empresarial neste mercado, de que é exemplo o regulamento MiCA (Markets in Crypto-Assets) da União Europeia.

Em suma, a integração de criptoativos na gestão financeira empresarial não é uma decisão simples. Exige uma análise rigorosa e prudente, avaliando claramente a adequação à estratégia e ao perfil de risco de cada organização. Num cenário de rápida mudança tecnológica e regulatória, o desafio dos gestores financeiros será ponderar cuidadosamente os potenciais ganhos e perdas destes novos ativos digitais.

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