Recuso-me a ter férias assim

Opinião de Pedro Alvito, Professor de Política de Empresa na AESE Business School

Executive Digest
Julho 29, 2025
14:41

Por Pedro Alvito, Professor de Política de Empresa na AESE Business School

Alguém chamou a este período de férias de silly season. Entra tudo em regime de desconexão com a vida. A obsessão pelo rompimento e pela negação é total. Para muitos férias é não fazer: não ter que trabalhar, não andar no trânsito, não levar as crianças à escola e às atividades, não ter de se preocupar com refeições, agenda, compromissos e tudo o que leva a nossa “vida” a ser um corrupio.

No fundo férias é não fazer o que fazemos o resto do ano. Ou seja, férias é um conceito negativo do tempo de trabalho. Este facto só por si é assustador, porque nos coloca numa posição desconfortável de alguém que vê o trabalho como uma carga pesada e um esforço desmedido, e as férias como uma rejeição temporária de tudo isto. Ou seja, contrapomos ao nada vivencial o nada existencial.

A palavra “férias” está etimologicamente ligada à palavra “festa”, e, portanto, dias de férias são, ou devem ser, dias de festa. Não porque não trabalhamos, mas pela positiva, porque podemos festejar a vida e tudo de bom que ela tem: podemos viajar, ler um livro, conversar com a família e os amigos, comer e beber, como não fazemos o resto do ano com refeições intermináveis; ver o que habitualmente não vemos, estar com quem não temos tempo para estar durante o ano, visitar locais que nos dão felicidade e tranquilidade e, obviamente, descansar. Tudo isto num tempo que não tem horas, nem compromissos demasiado rígidos. Fazer festa é viver a alegria, deixando-nos contagiar pelos outros e contagiando os outros com a nossa.

Isto não tem nada de negativo, como o ano de trabalho não tem nada de negativo. E se tem para alguns de nós um peso que nos deixa tristes e desanimados o que podemos e devemos fazer? Então vem o melhor das férias, a possibilidade de analisarmos a nossa vida e tudo o que tem de bom e de mau. O que tem de bom para fazermos ainda mais e, se possível, melhor e o que tem de mau para eliminarmos isso do dia-a-dia e não nos contentarmos com a mediocridade. O futuro só é continuação do passado se nós quisermos. Já pensámos alguma vez que se não fizermos nada para mudar a nossa vida isso é uma decisão nossa? Digo muitas vezes nas minhas aulas de estratégia: “não decidir é uma decisão em si mesmo”. E é importante termos consciência disso porque, nas nossas empresas como na política, condenamos as pessoas pelas más decisões, mas devíamos condená-las muito mais pelas não decisões que deviam ter sido tomadas.

De facto, tornar este período uma silly season é uma opção que alguns podem seguir, mas que no final conduz apenas a mais do mesmo: uma espécie de intervalo para a publicidade, num tempo e numa vida sem sentido. Recuso-me a ter férias assim porque valorizo demais a minha vida, o meu tempo e a vida e o tempo dos que me rodeiam e da sociedade em que vivo. Boas Férias.

 

 

 

 

 

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