A Duma Estatal da Rússia recebeu esta segunda-feira um projeto de lei que visa transformar a atual mobilização sazonal num sistema de recrutamento militar contínuo ao longo de todo o ano, numa clara tentativa de reforçar a frente de combate na Ucrânia, após perdas humanas devastadoras.
Segundo noticiaram órgãos independentes russos, como a Mediazona, e internacionais, como o Kyiv Independent, a proposta legislativa surge por iniciativa direta do Presidente Vladimir Putin, que terá emitido instruções nesse sentido a 6 de junho. A nova norma poderá entrar em vigor a 1 de janeiro de 2026.
De acordo com a nota explicativa da proposta, citada pelo Kyiv Independent, o texto propõe “mudar a abordagem do recrutamento de cidadãos para o serviço militar e estabelecer que esse recrutamento se realize durante todo o ano civil, de 1 de janeiro a 31 de dezembro, com base num decreto do presidente da Federação Russa”.
Atualmente, o recrutamento militar na Rússia ocorre em duas campanhas sazonais, uma na primavera e outra no outono. No entanto, com a nova legislação, o exército poderá convocar efetivos de forma contínua, permitindo maior flexibilidade operacional, ainda que os períodos de mobilização mais intensiva continuem a ocorrer entre abril e julho e outubro e dezembro.
A proposta foi apresentada por Andrei Kartapolov, presidente do Comité de Defesa da Duma, e pelo seu vice-presidente Andrei Krasov, o que demonstra o apoio institucional do Ministério da Defesa e antecipa a aprovação praticamente garantida da lei, possivelmente ainda este outono.
Um milhão de baixas desde 2022
O contexto da reforma é particularmente revelador. Segundo o Estado-Maior ucraniano, a Rússia terá perdido mais de um milhão de soldados desde o início da invasão em fevereiro de 2022. Embora estes números não possam ser verificados de forma independente, uma investigação conjunta da BBC em russo e do portal Mediazona identificou de forma documentada mais de 119 mil militares russos mortos em combate.
Estas perdas levaram o Kremlin a recorrer a mobilizações forçadas, promessas de recompensas financeiras generosas, e até à atribuição da cidadania russa a estrangeiros que se juntem às fileiras militares.
Em outubro de 2022, Vladimir Putin decretou uma mobilização parcial, enviando milhares de recrutas para zonas de treino e coordenação antes do envio para o teatro de operações.
Um estado cada vez mais militarizado
A proposta legislativa também prevê que “os cidadãos sejam enviados para os locais de serviço militar com base em decretos do presidente da Federação Russa”, reforçando o poder executivo na gestão direta das mobilizações. O Parlamento russo encerrou a sua sessão de primavera a 23 de julho, pelo que o debate e aprovação formal do projeto deverá decorrer na sessão de outono, com implementação prevista para 2026.
Com esta mudança, o Kremlin caminha para a institucionalização de uma mobilização permanente, reforçando uma estrutura de economia de guerra sustentada e transformando a Federação Russa num Estado abertamente militarizado, disposto a manter a ofensiva contra a Ucrânia a qualquer custo — mesmo que à custa dos seus próprios cidadãos.
Analistas internacionais veem nesta medida uma confirmação do impasse militar russo, perante uma guerra que se arrasta há mais de três anos, e que nem a propaganda interna nem os incentivos financeiros têm conseguido sustentar em termos humanos. O novo modelo de recrutamento permanente surge assim como uma resposta desesperada a um défice de soldados que já não pode ser colmatado por via voluntária.













