Numa altura em que o sector financeiro enfrenta uma crescente pressão para alinhar a sua actividade com objectivos climáticos globais, o Grupo Fidelidade aposta numa transformação profunda, que vai desde a descarbonização da sua cadeia de valor até à revisão de políticas de investimento e subscrição. Em entrevista à Executive Digest, João Mestre, diretor de Sustentabilidade do Grupo Fidelidade, traça os marcos já alcançados, identifica os principais desafios e destaca as iniciativas que estão a moldar o papel da seguradora como agente ativo na transição ecológica e social.
A Fidelidade estabeleceu metas ambiciosas para atingir a neutralidade carbónica: 2040 nas operações (Scopes 1, 2 e 3 – viagens de negócio) e nas carteiras de investimentos e de subscrição de seguros. Quais são os principais marcos e desafios identificados neste percurso até agora?
A Fidelidade tem realizado um esforço de redução da sua pegada de carbono de forma transversal na sua cadeia de valor, alinhado com as metas estabelecidas no plano de transição net zero do Grupo. No ano 2024, face ao ano base de 2022, foram atingidas reduções significativas nos vários âmbitos da nossa actividade. Nas emissões operacionais em Portugal nos âmbitos 1, 2 e 3 (viagens de negócio) foi registada uma redução absoluta das emissões em 32% e na carteira de seguros e investimentos em 12%, contribuindo assim para o cumprimento das metas de redução estabelecidas no nosso Plano de Transição Net-Zero.
Um dos principais desafios encontrados é ao nível da disponibilidade e qualidade dos dados necessários para a quantificação da pegada, para permitir um cálculo exacto e uma correcta definição de medidas de redução. Por outro lado, existe um desafio relevante que as entidades financeiras têm na redução da sua pegada que se prende com o facto de mais de 95% das emissões do Grupo Fidelidade estarem relacionadas com as entidades que seguramos e as entidades nas quais realizamos os nossos investimentos. Existe assim uma dependência elevada entre a nossa capacidade de redução e as ações que sejam tomadas por estas entidades. Focamos o nosso esforço no engagement, sensibilizando para a importância de definirem os seus próprios planos de transição, a par do estabelecimento de incentivos que promovam esta adopção e da monitorização regular da evolução das emissões destas entidades para acompanhar possíveis necessidades de alteração das políticas de subscrição e de investimento.
Como é que a adesão à Net-Zero Asset Owner Alliance (NZAOA) influenciou a vossa política de investimentos e que mudanças concretas foram implementadas desde então?
A adesão à Net-Zero Asset Owner Alliance é um sinal claro da Fidelidade no seu compromisso com a redução da pegada de carbono na sua carteira de investimentos. A política de investimentos passou a traduzir o nosso compromisso de ser net-zero nas nossas carteiras de acções cotadas e obrigações de empresas no ano 2050, com um objectivo intermédio no ano 2030 de redução em 40% nestas classes de activos. No sentido de contribuir para estes compromissos de redução, foi também incluído na política de investimento sustentável a restrição de redução do investimento na extracção de combustíveis fósseis e na produção de carvão até um valor máximo de 5% do portefólio total de investimentos.
A Fidelidade estabeleceu o objectivo de rever toda a sua carteira de investimentos segundo critérios ESG. Quais são os principais desafios enfrentados neste processo e que progressos já foram alcançados?
O compromisso com a sustentabilidade ao nível da nossa atividade de investimentos vai além da redução da pegada carbónica e incorpora os critérios ESG de forma abrangente. A revisão da carteira de investimentos segundo estes critérios é um exercício exigente, seja pelo facto de que a definição do que é um investimento sustentável ainda não é completamente consensual bem como pelo facto de que ainda existe uma elevada escassez e reduzida qualidade de informação que permita realizar uma análise correcta e compreensiva. Estes são desafios claros que a Fidelidade enfrenta, mas que não impedem o trabalho que estamos a realizar.
A Fidelidade tem investido em soluções tecnológicas e iniciativas como o Impact Center for Climate Change. De que forma estas inovações contribuem para os objectivos ESG da empresa?
A Fidelidade identificou a mitigação e a adaptação às alterações climáticas como um tema estratégico com impacto material no negócio do Grupo. Desta forma, a Fidelidade criou o Impact Center for Climate Change (ICCC) em 2024, que não só reúne os esforços de mitigação das alterações climáticas, como também estuda a adaptação a estas mudanças. Com o forte apoio da Academia e de Centros de Investigação, e com a validação externa do Conselho Consultivo, composto por diversos especialistas em alterações climáticas, serão avaliados os impactos dos eventos climáticos extremos nos portefólios de seguros. Serão também analisadas as implicações para o desenvolvimento de produtos, pricing, underwriting e gestão de sinistros, com o objectivo de definir acções concretas para mitigar o impacto destes fenómenos e influenciar os comportamentos dos nossos clientes e da sociedade em geral, promovendo uma maior resiliência face a estes eventos.
O Impact Center for Climate Change contribui assim para a sensibilização da sociedade para uma temática de relevância crescente e que terá um impacto relevante na vida das pessoas e das empresas, que terão de se adaptar a uma maior frequência e severidade de eventos climáticos extremos. Assim, a Fidelidade entende que, como parte da sua estratégia ESG, reforçar a literacia nesta temática é de enorme importância.
A formação em sustentabilidade foi alargada a todos os colaboradores em Portugal e, em 2024, às operações internacionais. Que impacto esta iniciativa tem na cultura organizacional e no desempenho ESG da Fidelidade?
A sustentabilidade contempla uma enorme abrangência de temas e requer conhecimento concreto para uma acção robusta e consequente por parte de toda a organização. Neste momento, todos os colaboradores do Grupo Fidelidade realizam uma formação em sustentabilidade que garante uma base de conhecimento sólida sobre os temas ESG, para além de dar a conhecer as linhas orientadores da estratégia seguida pelo grupo nos temas ambientais, sociais e de governança.
A cultura organizacional do Grupo tem sido assim robustecida e o feedback recebido por parte dos colaboradores é muito positivo, dado que este é um tema que consideram crucial a organização incorporar na sua actividade, quer seja por representar uma enorme oportunidade, mas, acima de tudo, por acreditarem que faz parte da responsabilidade da empresa perante os seus stakeholders.
O desempenho ESG, materializado na actuação de todas as direcções do Grupo, tem também sido reforçado, contribuindo para que cada um se sinta envolvido e comprometido com as diversas iniciativas e projectos ESG em implementação na Fidelidade.
Durante o ano 2025, iremos realizar também uma formação executiva onde participarão a Comissão Executiva e os directores do Grupo Fidelidade em Portugal. Este é um passo que acreditamos ser também crucial no sentido de reforçar o conhecimento ESG no Grupo e discutir a forma como podemos integrar ainda mais os critérios ESG na estratégia e no modelo de negócio da empresa.
Em Dezembro de 2024, a Fidelidade foi classificada como a 11.ª seguradora com menor risco ESG a nível global pela Sustainalytics. Quais os factores que contribuíram para esta posição?
A Fidelidade tem vindo a robustecer a sua actuação nos temas ESG, com a criação da Direcção de Sustentabilidade e do Comité de Sustentabilidade, que procuram orquestrar os esforços do Grupo nas temáticas ESG e identificar os principais riscos e oportunidades de negócio. Na perspetiva da gestão de riscos a Fidelidade implementou um vasto conjunto de políticas e procedimentos que norteiam a atividade incorporando critérios ambientais, sociais e de governança. O Grupo implementou ainda um conjunto vasto de programas e planos com iniciativas concretas que procuram endereçar de forma abrangente os riscos ESG, como é exemplo o Plano de Transição Net-Zero ou o Programa de Diversidade, Equidade, Inclusão e Sentido de Pertença. Também ao nível do reporte a Fidelidade tem vindo a aumentar a abrangência e qualidade da informação prestada publicamente, garantindo assim uma total transparência perante as partes interessadas.
A Fidelidade comprometeu-se a implementar uma política de procurement sustentável. Como estão a envolver os fornecedores neste processo e a garantir a conformidade com os critérios ESG?
A Fidelidade implementou uma política de procurement sustentável e um código de conduta de fornecedores que materializam os critérios ESG que acreditamos serem necessários cumprir por parte das entidades com que a Fidelidade se relaciona na sua cadeia de valor.
Acreditamos que é nossa responsabilidade realizar um engagement próximo com os nossos fornecedores e ter a capacidade de adaptar a nossa abordagem tendo em consideração a dimensão de cada fornecedor, visto que acreditamos que não faz sentido exigir a empresas de menor dimensão standards semelhantes aos que devem ser cumpridos por parte de grandes empresas. Por isso, para além dos critérios basilares que estão previstos na nossa política e código de conduta, decidimos iniciar pela avaliação de fornecedores de maior dimensão incorporando questões que cobram todo o espetro ESG.
A Fidelidade emitiu, em Maio de 2024, a sua primeira obrigação verde. Que impacto esperam alcançar com esta iniciativa e como se enquadra na estratégia global de financiamento sustentável?
As obrigações verdes comprometem os seus emitentes a investir o montante total angariado em activos que cumpram critérios de sustentabilidade exigentes e verificados externamente. No âmbito da estratégia de financiamento do Grupo, e considerando que a sustentabilidade é um dos eixos estratégicos, acreditámos que fazia todo o sentido avançar com a emissão de uma obrigação verde, a qual teve uma ótima recepção no mercado de capitais, tendo sido totalmente subscrita.
Com esta emissão, a Fidelidade compromete-se a investir o montante angariado em activos imobiliários com as melhores classificações de sustentabilidade, alinhados com os objectivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas, gerando assim um impacto positivo num dos sectores de actividade que tem maior peso nas emissões de carbono globais.
O Fundo Florestal lançado pela Fidelidade (Fundo Florestas de Portugal) é também um activo elegível no âmbito da obrigação verde emitida. Acreditamos que poderá também ter um impacto material na requalificação da floresta portuguesa, fomentando a captura natural de carbono, necessária para se alcançar a neutralidade carbónica, para além de contribuir para a redução da probabilidade e severidade dos incêndios florestais e a criação de empregos em zonas rurais do país.
A participação avtiva em conferências globais, como a COP28, demonstra o compromisso da Fidelidade com a sustentabilidade. Que aprendizagens e colaborações resultaram destas participações?
Ter um papel proactivo na necessária transição ecológica é um pilar da estratégia de negócio do Grupo Fidelidade e que se materializa num conjunto alargado de iniciativas. Acreditamos que estar presentes na maior conferência global de clima é essencial tanto para garantirmos o conhecimento actualizado sobre tudo o que está a ser decidido e desenvolvido neste âmbito como para termos a oportunidade de dar a conhecer os projectos principais do Grupo e recolhermos feedback sobre os mesmos.
Na nossa primeira participação, na COP28 no Dubai, apresentámos, no Pavilhão de Portugal, o nosso Plano de Transição Net-Zero, o que nos permitiu validar que estamos alinhados com as melhores práticas seguidas pelos nossos pares bem como criar pontes com outras entidades para fortalecer a nossa actuação com vista a alcançar as nossas metas.
No ano passado, na COP29 em Baku, novamente no Pavilhão de Portugal, realizámos o lançamento do nosso Impact Center for Climate Change. O feedback recebido foi extremamente positivo tanto por outros players do sector segurador como por empresas de outros sectores de actividade, entidades públicas e ONG, portuguesas e de outras geografias. Neste evento foi-nos possível estabelecer um conjunto de parcerias e identificar sinergias com outras iniciativas a acontecer internacionalmente.
A sustentabilidade deixou de ser uma área isolada e passou a fazer parte do core business de muitas empresas. Como é que a Fidelidade está a integrar os princípios ESG na definição da sua estratégia de longo prazo?
Preparar o futuro, contribuindo para a resiliência da sociedade, impactando positivamente os nossos stakeholders materializa a nossa visão de sustentabilidade no Grupo Fidelidade. Esta visão traduz-se em 3 pilares complementares: ter um papel proactivo na transição ecológica, assumir um papel relevante na dimensão social impactando toda a sociedade e ser um agente económico responsável e exemplar.
Tendo a Fidelidade realizado a sua análise de materialidade, onde foram identificados os temas que assumem maior relevância numa perspectiva de impacto financeiro e de impacto para a sociedade, existem quatro temas ESG que se revelaram de maior importância para uma integração robusta na estratégia corporativa: a mitigação das alterações climáticas, a adaptação às alterações climáticas, a longevidade e os nossos colaboradores.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “ESG”, publicado na edição de Junho (n.º 231) da Executive Digest.












