Quando as botas não batem com as perdigotas

Opinião de Carlos Lourenço, Professor do ISEG

Executive Digest
Junho 18, 2025
9:54

Por Carlos Lourenço, Professor do ISEG

O populismo económico, ao deturpar os factos, alimenta ideias falsas na população e serve de terreno fértil para discursos políticos extremistas, securitários e anti-imigração, mesmo entre os que assumem funções executivas. Quem o propaga, muitas vezes sob o disfarce da neutralidade técnica, está lamentavelmente a contribuir para a degradação do debate e da democracia. Refutá-lo é uma questão de ciência e de cidadania.

É difícil, por exemplo, sustentar a narrativa que atribui à condução política em Portugal desde 2015 uma alegada falta de crescimento económico, frequentemente usada como argumento para evitar, nomeadamente, falar de questões de desigualdade ou de redistribuição da riqueza. “É preciso fazer crescer o bolo primeiro para o dividir depois”, ouvimos muitas vezes dizer.

Ora, quando comparado com o período anterior — de 2002 a 2014, marcado pela introdução do euro e pela intervenção da troika — o desempenho económico recente foi, e é ainda, manifestamente superior.

Mesmo incluindo aquela que é provavelmente a maior queda do produto interno bruto dos últimos 100 anos, provocada pela pandemia em 2020, de -8,3%, o PIB português, entre 2015 e 2024, cresceu em média cerca de 2,2% ao ano, cerca de 1 ponto percentual acima da média na UE. Mais, no subperíodo de 2021 a 2024, a taxa média foi cerca de 4,3%, cerca de 2 pontos percentuais acima da média na UE-27. Já nos 13 anos anteriores, o crescimento médio do PIB em Portugal foi praticamente zero, podendo falar-se, aí sim, de uma estagnação económica.

Portanto, apesar das sucessivas eleições legislativas antecipadas e do contexto internacional desfavorável, a economia portuguesa revelou na década passada, e parece revelar ainda, uma assinalável resiliência a choques políticos e externos, algo que não se verificou na década e meia anterior.

E é assinalável em relação ao que se passou na União Europeia desde 2015 — e, portanto, na primeira meta económica inscrita no programa de governo discutido ontem na Assembleia da República, em vez de vir escrito “alcançar” um crescimento médio do PIB superior à média europeia (p.76), talvez devesse vir, simplesmente, “continuar”.

Com efeito, se as previsões do FMI e do Eurostat para 2025–2027 se confirmarem, e queira que sim, Portugal terá vivido, entre 2021 e 2027, o seu mais longo ciclo de crescimento consecutivo desde 2002, e todos os anos a taxas iguais ou superiores a 1,5%.

Também a ideia de que o Estado português se tornou excessivamente grande desde 2015, e que é frequentemente usada para ofuscar o debate sobre a necessidade de investir na melhoria da qualidade dos serviços públicos, como se esta fosse uma questão de segunda ordem, não aparenta ser a mais correcta.

A despesa pública representava, em média, cerca de 43% do PIB entre 2022 e 2024, em linha com a média da OCDE (41%) e abaixo da média da UE-27 e da zona euro (49%). E as receitas fiscais totais (impostos e contribuições sociais), em percentagem do PIB, desceram de 2022 para 2023 e em ambos os anos ficaram perto de 3 pontos percentuais abaixo da média da UE-27 (40%).

No que toca ao emprego público, Portugal registava em 2021 cerca de 15% de funcionários públicos sobre o total de trabalhadores, valor idêntico ao dos Estados Unidos, por exemplo, e inferior à média da OCDE (18,6%) e da UE-27 (16%). Em 2024, a proporção manteve-se estável, com os salários da função pública a representarem cerca de 10,5% do PIB, em linha com a média da UE-27 (10%).

Note-se que dois terços destes trabalhadores se encontram em setores estratégicos geradores de benefícios coletivos que os mercados por si só não garantem, como ciência e ensino superior, administração interna, defesa, educação e saúde.

Em suma, desde 2015, Portugal apresentou um crescimento económico com uma solidez assinalável, e o Estado não se tornou um Leviatã fora dos padrões internacionais. As narrativas que tentam ligar a condução política a uma suposta crise económica e a um Estado desmesurado não resistem, portanto, à análise factual.

E nem podia ser de outro modo. A adesão de Portugal ao projeto europeu há 40 anos implica o cumprimento de regras comuns, nomeadamente de política económica, orçamental e institucional. Ignorar esta realidade para sustentar discursos extremistas não é só impreciso, é irresponsável.

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