Líderes mundiais despedem-se hoje de Davos. As palavras ficam na Suíça ou os líderes vão partir para a ação?
Os líderes mundiais presentes despedem-se hoje do Fórum Económico Mundial, em Davos, e têm apelado à Europa para repensar urgentemente as suas estratégias económicas e regulamentares, especialmente com o regresso de Donald Trump ao poder nos EUA.
O Fórum Económico Mundial é um organismo que gosta de pensar que tem as respostas: a conferência anual atrai líderes empresariais, políticos e da sociedade civil – mas, na edição deste ano, depois do início do Trump 2.0, não só lutam por respostas, como ainda não sabem ao certo qual é a questão.
Para os líderes políticos europeus, já expostos às taxas de crescimento dos EUA, as ameaças ainda vagas de Trump de “impostos e tarifas” poderão representar uma ameaça fundamental à cooperação económica e à estabilidade. Na ausência de uma política firme, prometeram trabalhar com Trump, mas não a todo o custo.
“Não interessa a ninguém” perturbar economia global
A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, advertiu que “não é do interesse de ninguém quebrar os laços da economia global” e defendeu um reforço da cooperação, incluindo com os Estados Unidos.
Na sua intervenção no Fórum Económico Mundial, a presidente do executivo comunitário apontou que a “ordem mundial cooperativa” que se imaginava há 25 anos “não se transformou em realidade”, assistindo-se antes a “uma nova era de dura competição geoestratégica”, e defendeu que é necessário “trabalhar em conjunto para evitar uma corrida global para o abismo”.
Discursando um dia depois da tomada de posse de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos, Von der Leyen defendeu que, num contexto em que “as principais economias do mundo estão a disputar o acesso às matérias-primas, às novas tecnologias e às rotas comerciais globais” e a “concorrência se intensifica, é provável que se continue a assistir à utilização frequente de instrumentos económicos, como sanções, controlos das exportações e tarifas, destinados a salvaguardar a segurança económica e nacional”.
Garantido que, pela sua parte, a União Europeia está pronta a cooperar com todos os atores, a dirigente alemã observou que “este novo compromisso com países de todo o mundo não é apenas uma necessidade económica, mas também uma mensagem para o mundo”.
“É a resposta da Europa à crescente concorrência mundial. Queremos uma maior cooperação com todos os que estão abertos a ela. E isto inclui, naturalmente, os nossos parceiros mais próximos. Estou a pensar, evidentemente, nos Estados Unidos da América”, disse, sublinhando que nenhumas outras economias estão tão integradas como as europeia e norte-americana.
“Há muita coisa em jogo para ambas as partes. Por isso, a nossa primeira prioridade será empenharmo-nos cedo, discutir interesses comuns e estar prontos para negociar. Seremos pragmáticos, mas manter-nos-emos sempre fiéis aos nossos princípios. Proteger os nossos interesses e defender os nossos valores é a via europeia”, declarou.
Também nesse sentido, Von der Leyen afirmou-se convicta de que a Europa necessita de se “envolver de forma construtiva com a China, para encontrar soluções no interesse mútuo”.
“O ano de 2025 marca os 50 anos das relações diplomáticas da nossa União com a China. Vejo-o como uma oportunidade para nos empenharmos e aprofundarmos as nossas relações com a China e, sempre que possível, até para expandirmos os nossos laços comerciais e de investimento. Chegou o momento de estabelecer uma relação mais equilibrada com a China, num espírito de equidade e reciprocidade”, defendeu.
Guterres acusa quem recua em compromissos climáticos de estar do lado errado
O secretário-geral da ONU, António Guterres, acusou quem recua nos compromissos em matéria de combate às alterações climáticas de estar “do lado errado da História, do lado errado da ciência e do lado errado da sociedade”.
Guterres defendeu que “os governos devem manter a sua promessa de produzir novos planos de ação climática nacionais para toda a economia este ano, muito antes da COP30 no Brasil”, que estejam alinhados com a limitação do aumento da temperatura global a 1,5 graus, e deixou o apelo a que todos os atores se mantenham “do lado certo da história”.
“Chegou o momento de acelerar os nossos esforços coletivos e fazer de 2025 o maior ano de sempre para a ação climática”, declarou Guterres, numa intervenção realizada menos de 48 horas depois da tomada de posse do novo Presidente norte-americano Donald Trump, que, entre as primeiras medidas tomadas no seu regresso à Casa Branca, anunciou que volta a retirar os Estados Unidos do Acordo climático de Paris.
Guterres sustentou que, além da ameaça nuclear, o mundo enfrenta hoje “duas novas e profundas ameaças que exigem muito mais atenção e ação a nível global, porque ameaçam pôr em causa a vida tal como a conhecemos: a crise climática e a expansão descontrolada da Inteligência Artificial”.
Relativamente ao que classificou como “o caos climático”, insistiu que o “vício em combustíveis fósseis é um monstro de Frankenstein, que não poupa nada nem ninguém”, havendo hoje “sinais claros de que o monstro se tornou mestre”, como o demonstra o facto de 2024 ter sido o ano mais quente da história e, provavelmente, “o primeiro ano civil a ultrapassar 1,5 graus acima dos níveis pré-industriais”.
Argumentando que “o facto de se ultrapassar este limite não significa que o objetivo a longo prazo de manter o aumento da temperatura global em 1,5 graus esteja comprometido”, antes “lutar ainda mais para entrar no bom caminho”, Guterres apontou que “a energia barata e abundante fornecida pelas energias renováveis é uma oportunidade económica extraordinária”.
De acordo com o secretário-geral da ONU, esta é “uma oportunidade que beneficiará as pessoas em todos os países e que tornará inevitável o fim da era dos combustíveis fósseis, por mais que os interesses instalados tentem impedi-lo”.
“Várias instituições financeiras e indústrias estão a recuar nos seus compromissos em matéria de clima. Aqui, em Davos, quero dizer alto e bom som: é uma atitude míope e, paradoxalmente, egoísta e também autodestrutiva. Estão do lado errado da história, do lado errado da ciência e do lado errado da sociedade”, declarou então.
Zelensky defende que Europa tem de fazer mais para contar no mundo
O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, defendeu que a Europa deve fazer muito mais para deixar de ser ignorada na cena mundial e estabelecer-se como um ator global indispensável, que consiga defender-se sozinha.
Zelensky considerou que é uma incógnita qual será o posicionamento do Presidente norte-americano, Donald Trump relativamente à NATO e política de alianças de Washington.
“A Europa não pode dar-se ao luxo de ficar em segundo ou terceiro lugar no que se refere a alianças. Se isso acontecer, o mundo começará a avançar sem a Europa”, sustentou Zelensky, segundo o qual é evidente que, atualmente, a Europa está longe de ser uma prioridade para Washington, observando que já não o era com a anterior administração liderada por Joe Biden e corre o risco de ainda ser menos com Trump.
Ressalvando que mantém muito boas relações com o novo Presidente dos Estados Unidos, que classificou como “um aliado indispensável”, Zelensky questionou o posicionamento de Trump face à NATO e à Europa neste segundo mandato, depois de no anterior ter por diversas vezes criticado a Aliança Atlântica e basicamente ignorado a União Europeia.
“Será que o Presidente Trump vai sequer prestar atenção à Europa? Considerará a NATO necessária? E respeitará as instituições europeias?”, questionou Zelensky, para enfatizar a necessidade de a Europa fazer muito mais em matéria de defesa e segurança, incluindo na área tecnológica, para não ficar definitivamente para trás e poder defender-se das ameaças, com a Rússia à cabeça.
Notando que depois da tomada de posse de Trump, “todos olham para Washington”, o Presidente da Ucrânia questionou “quem é que olha para a Europa”.
Relativamente ao futuro da Ucrânia, sublinhou que “a Europa deve poder sentar-se à mesa para discutir a paz na Ucrânia”, algo que é atualmente incerto, já que, notou, embora considere óbvio que “a Europa deve ter uma palavra a dizer, a questão é saber se Trump vai ter em conta a Europa ou se vai negociar apenas com a Rússia e a China”.
“A Europa tem de perceber o que vai acontecer agora com os Estados Unidos, tem de perceber qual o papel que quer desempenhar, porque a ameaça da Rússia está próxima”, disse, chamando a atenção dos presentes para o facto de que, ao contrário do que sucede com a América, não haver “nenhum oceano” a separar a Europa da Rússia, e notando que, face à aliança entre Moscovo e a Coreia do Norte, “há hoje soldados norte-coreanos mais perto de Davos do que de Pyongyang”.
Zelensky insistiu que “a Europa não pode esquecer o que aconteceu, quem é Vladimir Putin” e reiterou que se a Europa não se esforçar para “contar mais” na cena internacional e aumentar significativamente os meios para se defender sozinha, o Presidente russo não hesitará em tentar reconquistar os países que fizeram parte da antiga União Soviética.
Defendendo uma “união” europeia em matéria de defesa e política externa, Zelensky disse que “a Europa precisa da UE, precisa da NATO, precisa de paz, mas também precisa de a querer”, considerando que, para tal, é vital também que crie a sua própria «Cúpula de Ferro», aludindo ao sistema de defesa antimísseis de Israel (‘Iron Dome’).
“Necessitamos de uma política europeia de segurança e de defesa unida. A Europa tem de saber defender-se sozinha”, reforçou o Presidente ucraniano, que deu como exemplo aquilo que Kiev tem feito em plena guerra com a Ucrânia, ao desenvolver a sua indústria de drones, que já a tornaram menos dependente dos Aliados.
O que é Davos e porque é que é importante?
O Fórum Económico Mundial reúne-se todos os anos desde 1971. Mas porque é que “Davos” é tão importante? Em qualquer outra altura do ano, a cidade de Davos não tem nada de especial, para além de ser uma popular estância de esqui no alto dos Alpes suíços.
Mas, todos os anos, durante uma semana, em janeiro, Davos torna-se no centro das atenções do mundo, uma vez que as elites mundiais convergem para esta pequena cidade alpina para a reunião anual do Fórum Económico Mundial (FEM), para discutir o rumo futuro da vida no nosso planeta e as questões prementes da atualidade.
O FEM foi fundado em 1971 por Klaus Schwab, um economista e professor suíço-alemão, numa tentativa de promover a cooperação global em questões políticas, sociais e económicas. Tem por objetivo reunir os setores público e privado para encontrar soluções para problemas globais, algo que continua a ser um dos seus princípios fundadores do encontro que visa “melhorar o estado do mundo”. Desde então, Davos continua a acolher a reunião e o nome da estância de férias passou a ser uma forma comum de designar o evento.
Habitualmente, é possível contar com a presença de líderes mundiais, como o presidente dos EUA e os líderes da UE e da ONU, mas o elenco de participantes inclui também líderes empresariais e empreendedores, pensadores e académicos proeminentes, responsáveis de ONG e do setor da beneficência, inovadores, meios de comunicação social, sociedade civil, ativistas e até celebridades.
Todos os participantes estão reunidos num só local, ao mesmo tempo, o que significa um acesso sem precedentes aos decisores mundiais. A lista oficial é composta por cerca de dois a três mil convidados, entre participantes e oradores, mas a reunião atrai milhares de pessoas que participam em eventos paralelos.
Um dos princípios fundadores do Fórum Económico Mundial é a imparcialidade e a independência face a interesses particulares. Mas o evento é frequentemente criticado por propiciar uma permeabilidade entre as esferas política e empresarial. E há mesmo quem alegue que o encontro de Davos é uma força maligna no mundo.