O “Ferrari dos vírus” avança imparável no hemisfério norte e atinge lares, cruzeiros e unidades de saúde. Especialistas deixam alerta

O norovírus, apelidado de “Ferrari dos vírus” devido à sua rápida disseminação, está a causar um aumento expressivo de casos no hemisfério norte neste inverno. Com surtos a atingir lares, cruzeiros e instituições de cuidados prolongados, este vírus altamente contagioso está a gerar uma vaga de doenças intestinais, hospitalizações e, em casos raros, mortes.

Nos Estados Unidos, os dados são alarmantes. Na primeira semana de dezembro de 2024, foram registados 91 surtos, um recorde que ultrapassa significativamente o máximo anterior de 65 surtos no mesmo período entre 2010 e 2024, segundo indicam dados oficiais citados pela revista Science. Paralelamente, a presença de genes do norovírus nas águas residuais norte-americanas é dez vezes superior ao registado no ano passado.

Lisa Lindesmith, investigadora na Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, alerta que “os dados iniciais indicam que teremos um ano particularmente intenso para o norovírus”. Parte deste aumento pode ser atribuída a uma nova variante do vírus, menos familiar ao sistema imunitário, e ao regresso de atividades como cruzeiros e reuniões sociais, interrompidas pela pandemia de COVID-19.

Um vírus resistente e implacável

O norovírus prospera em climas frios e é conhecido por causar episódios súbitos de diarreia e vómitos, que geralmente duram apenas um dia. No entanto, o vírus pode ser libertado pelo organismo várias semanas após a recuperação e permanece infeccioso em superfícies por longos períodos. Altamente resistente a desinfetantes comuns, uma quantidade ínfima é suficiente para infetar uma pessoa, como demonstraram estudos em adultos.

Ostras contaminadas são outra fonte de infeção, pois estes moluscos filtradores concentram o vírus nos seus tecidos. Autoridades de saúde nos EUA emitiram alertas sobre lotes de ostras infetadas em dezembro, e a França proibiu a colheita de ostras em certas regiões devido a surtos associados ao norovírus.

Embora o vírus cause maioritariamente desconforto temporário, ele é responsável por consequências graves em populações vulneráveis. Em países em desenvolvimento, estima-se que o norovírus mate cerca de 200.000 crianças por ano. Nos EUA, é a principal causa de hospitalizações relacionadas com doenças diarreicas, afetando sobretudo crianças pequenas e idosos. Pessoas imunodeprimidas, como doentes oncológicos em quimioterapia ou transplantados, podem desenvolver infeções crónicas que duram meses ou anos.

Na Europa, os dados também apontam para um aumento significativo de casos. No Reino Unido, laboratórios relataram um aumento de 63% nas amostras positivas nas últimas semanas de 2024, em comparação com a média histórica. As hospitalizações aumentaram 11% no mesmo período.

Variante GII.17: a nova protagonista

Desde 2012, a variante GII.4 tem sido predominante, mas agora, a variante GII.17 está a ganhar terreno. De acordo com um estudo publicado em Eurosurveillance a 26 de setembro de 2024, o GII.17 começou a subir em países como os EUA e seis países europeus no último ano. Nos EUA, 70% dos 56 isolados virais analisados entre setembro e dezembro pertenciam à linhagem GII.17.

Miranda de Graaf, do Centro Médico Erasmus, na Holanda, aponta que a variante encontrada no país sofreu mutações significativas. Além disso, a redução da transmissão do norovírus durante a pandemia de COVID-19 pode ter contribuído para a diminuição da imunidade populacional, facilitando o atual aumento de casos.

Apesar do impacto global do norovírus, o desenvolvimento de vacinas tem sido lento. Mary Estes, virologista do Baylor College of Medicine, refere que “demorou muito tempo para se reconhecer que estes vírus afetam muitas pessoas”, o que limitou o financiamento para a investigação. Além disso, o norovírus é difícil de estudar em laboratório, exigindo sistemas complexos que mimetizem os intestinos humanos.

O candidato a vacina mais avançado, desenvolvido pela HilleVax, falhou recentemente num ensaio de eficácia em bebés. Outras iniciativas incluem uma vacina em desenvolvimento pela empresa chinesa Zhifei, em fase de testes em crianças, e um projeto da Moderna, que iniciou em setembro de 2024 testes de uma vacina de mRNA em adultos.

No entanto, mesmo uma vacina eficaz enfrenta limitações. Ralph Baric, investigador na Universidade da Carolina do Norte, explica que o norovírus é “um dos vírus mais infeciosos da natureza”, o que torna improvável que uma vacina previna todos os sintomas ou interrompa completamente a transmissão. Seriam necessários reforços regulares para manter a proteção.

Embora o caminho para uma vacina seja desafiante, os especialistas acreditam que ela poderá reduzir significativamente a propagação e a gravidade da doença. “Assim como as vacinas contra a COVID-19, uma vacina contra o norovírus pode salvar vidas e evitar complicações graves”, diz Lindesmith. Até lá, medidas básicas de higiene, como a lavagem frequente das mãos e a desinfeção de superfícies, continuam a ser as melhores defesas contra este vírus implacável.