Físicos resolvem ‘paradoxo do avô’ e viabilizam (teoricamente) as viagens no tempo
Conhece o ‘paradoxo do avô’? É uma das barreiras lógicas mais conhecidas contra a ideia de viajar no tempo: o paradoxo questiona o que aconteceria se alguém viajasse para trás no tempo e matasse acidentalmente o avô antes de este ter filhos. Se assim fosse, o pai do viajante nunca nasceria, assim como o próprio viajante, pelo que a sua existência seria ‘apagada’, impedindo a sua viagem no tempo.
No entanto, o físico Lorenzo Gavassino, da Universidade Vanderbilt, no Tennessee (EUA), sustentou, num artigo na revista ‘Classical and Quantum Gravity’, ter resolvido o famoso paradoxo, ao combinar a relatividade geral, a mecânica quântica e a termodinâmica para garantir que, afinal é possível viajar para o passado sem dar origem a estas contradições.
A nossa perceção do tempo tem origens na física newtoniana, onde os acontecimentos progridem linearmente e sempre no mesmo sentido: do passado para o futuro. No entanto, a teoria da relatividade de Einstein, formulada em 1915, alterou radicalmente este pressuposto. Na verdade, os objetos maciços deformam a própria estrutura do espaço-tempo, que se curva como um lençol esticado sobre o qual colocamos um objeto pesado. E nos casos mais extremos, o espaço-tempo pode tornar-se completamente curvo, fechando-se sobre si próprio de uma forma que desafia o senso comum, como acontece, por exemplo, nos buracos negros. O que remata para uma das previsões mais fascinantes de Einstein: a existência de ‘Curvas Temporais Fechadas’, caminhos no espaço-tempo que regressam sobre si próprios e que permitem ao viajante revisitar o passado.
“Muitas vezes – escreveu Gavassino no artigo – presume-se que, num Universo com ‘Curvas de Tempo Fechada’s, as pessoas podem viajar para o passado. Superficialmente, esta parece ser uma implicação óbvia, uma vez que (em escalas suficientemente grandes) pode-se ver uma curva do tempo como a linha do mundo de uma hipotética nave espacial que viaja através do espaço-tempo.” Segundo o investigador, a gravidade significa que tudo no Universo gira em torno de alguma coisa (luas em torno de planetas, planetas em torno de estrelas, estrelas em torno de galáxias…). E se a matéria girar, garantiu Gavassino ao ‘LiveScience’, “pode ’arrastar’ o espaço-tempo com ela. Embora este efeito seja insignificante para os planetas e estrelas, o que aconteceria se todo o Universo estivesse a girar?
Se assim fosse, apontou o artigo, o espaço-tempo poderia tornar-se tão deformado que o tempo se curvaria em torno de si próprio, formando um ‘loop’. E, pelo menos em teoria, uma nave que viajasse num circuito como este acabaria por chegar ao seu ponto de partida não só no espaço, mas também no tempo. Mesmo que o Universo como um todo não girasse desta forma, existem massas rotativas “locais”, como os buracos negros, que poderiam produzir efeitos semelhantes.
No entanto, isto ainda não resolve o problema dos paradoxos das viagens do tempo.
De um modo geral, as leis da física são simétricas no tempo. Mas há uma que foge a esta regra: a segunda lei da termodinâmica, que em poucas palavras estabelece que, no Universo, tudo tende para a desordem. O calor flui sempre das coisas mais quentes para as mais frias, e isto significa que, em qualquer sistema, a entropia (isto é, a medida da desordem) só pode aumentar. Este é o motivo pelo qual podemos estrelar um ovo, mas não podemos ‘desfritá-lo’ para o seu estado original.
A segunda lei da termodinâmica, portanto, é a única lei da física que distingue o passado do futuro e marca uma “flecha do tempo” muito clara que aponta sempre e apenas numa única direção. “Tanto quanto sabemos”, disse Gavassino, “a entropia é a única razão pela qual nos lembramos de acontecimentos passados e não podemos prever os futuros.” Mas como se comportaria a entropia num loop temporal?
Gavassino descreveu o que aconteceria, em termos termodinâmicos, se uma hipotética nave espacial passasse por uma curva de tempo fechada e emergisse mesmo a tempo, ou mesmo antes, da sua partida. E acontece que, como demonstrou o físico Carlo Rovelli, o comportamento da termodinâmica muda completamente dentro de uma ‘Curva de Tempo Fechada’ porque nesse ambiente surgem flutuações quânticas capazes de ‘apagar’ a entropia e levar a situações muito diferentes.
Flutuações que, quando produzidas, teriam consequências inesperadas para o viajante, que deixaria de envelhecer e perderia também toda a memória de tudo o que aconteceu durante a sua permanência no ciclo. Em termos gerais, escreveu o investigador, a memória pode ser considerada “como o resultado de uma interação em que um objeto deixa vestígios do seu estado inicial no estado subsequente de um ‘guardião da memória’, que pode ser um dispositivo de medição ou um ser vivo”. Mas quaisquer memórias recolhidas ao atravessar uma ‘Curva de Tempo Fechada’ serão inevitavelmente apagadas.
Ou seja, é possível percorrer o circuito, mas ao fazê-lo não poderá ser recolhida informação nova, e o Universo devolver-nos-á à posição inicial com a entropia ainda intacta. Nos termos do ‘paradoxo do avô’, o Universo evoluiria de uma forma que o manteria auto-consistente, devolvendo os viajantes do tempo às suas condições iniciais.
“A maioria dos físicos e filósofos do passado argumentaram que, se existir viagem no tempo, a natureza encontrará sempre uma forma de evitar situações contraditórias”, indicou o investigador. “É por isso que foi introduzido um ‘princípio de auto-consistência’, que sugere que tudo deve estar alinhado para criar uma história logicamente coerente. O meu trabalho fornece a primeira derivação rigorosa deste princípio de auto-consistência diretamente a partir da física estabelecida.”