E se Trump governar nos Estados Unidos como Putin o faz na Rússia?
Donald Trump recusou-se a descartar o uso da força para adquirir a Gronelândia à Dinamarca ou o canal ao Panamá. A falar a sério, ou simplesmente provocativo? Não se pode descartar qualquer opção, indicou a publicação ‘Bloomberg’. A simples ideia de que os EUA podem extorquir ou entrar em guerra com um aliado próximo da NATO para alterar ilegalmente as suas fronteiras parece ridícula. No entanto, há algo de familiar nas ameaças: conforme o presidente eleito e alguns membros da sua equipa ‘aquecem’ para a Casa Branca, falam e comportam-se cada vez mais como a Rússia de Vladimir Putin.
Pode ser esta a atuação de Trump para o seu segundo e último mandato? Nunca escondeu a admiração pelo presidente russo em diversas ocasiões, e procura organizar já uma cimeira bilateral, com a concordância do Kremlin. Num claro e recente eco do comportamento do Kremlin, Trump falou em tornar não só a Gronelândia e o Canal do Panamá parte dos EUA, mas também o Canadá – também indicou a intenção de nomear o Golfo do México como Golfo da América.
Ao mesmo tempo, o mais poderoso aliado de Trump, Elon Musk, tornou-se mais abertamente empenhado em tentar minar – e, de acordo com o ‘Financial Times’, destituir – um líder estrangeiro, o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, à semelhança de qualquer ‘quinta de trolls’ da Rússia.
Há três características definidoras do ‘putinismo’: a primeira, o profundo desprezo pelas restrições democráticas, pelos factos e pelo liberalismo social, em favor da oligarquia pessoal, a manipulação e o ‘anti-woke’ – assim, a economia política russa é a forma como Putin distribui o poder, a verdade e a riqueza como se fossem o seu património pessoal. A lealdade é a qualificação número um para o favor, sendo o dinheiro e o medo as colas que mantêm o sistema unido.
Segunda característica: mentalidade de estilo mafioso, em que todas as relações são abordadas como questões de lealdade ou propriedade, seja na Rússia como em outros países. Por último, o ingrediente final: a convicção de que, após um desvio de entre três e quatro décadas, o mundo está a regressar à ordem darwiniana natural – ou seja, as grandes potências dominam as regiões ao seu redor como esferas de influência: os vizinhos mais fracos ou se submetem ou sofrem um castigo.
Trump e Putin são personalidades muito diferentes, com origens díspares. No entanto, apesar de tudo isto, as suas perspetivas têm muito em comum. Trump despreza também as restrições democráticas, o suficiente para que em 2020 tenha tentado anular o resultado de uma eleição para se manter no poder. Valoriza a lealdade dos colaboradores acima de todos os outros atributos, e a família próxima é o melhor de tudo, e é famosa por ser transacional. Tal como Putin, é um nacionalista, que vê os liberais e as instituições multilaterais – seja nos EUA, na Europa ou noutros lugares – como inimigos.
Mas, acima de tudo, Trump parece partilhar a opinião de Putin de que a ordem internacional liderada pelos EUA que emergiu da Guerra Fria está morta. Assim, conforme é construído um novo mundo, cabe a cada grande potência impor-se no seu “estrangeiro próximo” da melhor forma que puder. Para Putin, isto significou exigir e, se necessário, impor a obediência de países como a Arménia, a Bielorrússia, a Geórgia, a Moldávia e a Ucrânia. Para Trump, isto parece – por enquanto – significar coagir o Canadá, a Gronelândia, o México e o Panamá.
Não há aqui qualquer evidência de uma grande conspiração ou conluio com o Kremlin. Sendo um colega nacionalista, é tão provável que Trump entre em conflito ou estabeleça uma relação com Putin. Mas é claro que Trump, tal como Putin, tem faro para fraquezas em quem quer que esteja sentado à sua frente na mesa das negociações. E em comparação com os EUA, o Canadá, a Europa e o Panamá são fracos. A Dinamarca não podia defender a Gronelândia de uma tomada militar dos EUA. Mesmo que tivesse as tropas e o equipamento necessários, falta-lhe capacidade para os transportar e apoiar. Os EUA já se impuseram ao Panamá anteriormente e, sem dúvida, poderão voltar a fazê-lo.
Trump não terá qualquer intenção de utilizar os militares americanos, sabendo dos danos económicos que pode causar aos aliados para conseguir o que quer, sem ter de recorrer à força. Este tipo de coação também saiu diretamente do manual de Putin. Talvez a melhor lição que Trump possa aprender com o Kremlin seja analisar atentamente a forma como todas estas ofensivas comerciais e energéticas funcionaram para o homem-forte da Rússia. Certamente não foi o planeado ou esperado no início…