Trump 2.0 “não é uma boa notícia para ninguém”, especialmente para o planeta. Responsável da UE pelo clima deixa alerta
Donald Trump, com a sua prometida reversão das políticas climáticas dos Estados Unidos, poderá abrir caminho para que outros países assumam a liderança na economia verde, alertou Teresa Ribera, vice-presidente executiva da Comissão Europeia para o Clima e Concorrência. Em entrevista ao POLITICO, Ribera afirmou que a retirada norte-americana de compromissos ambientais “não é uma boa notícia para ninguém”.
Teresa Ribera, em funções há três semanas no cargo que a coloca à frente da transição verde da União Europeia (UE), não escondeu a preocupação com o possível regresso de Trump ao poder e a sua promessa de desmantelar os avanços climáticos promovidos por Joe Biden. “Sempre que um grande ator decide abandonar uma sala, outros entram para ocupar esse espaço”, afirmou.
Trump planeia reforçar a produção de combustíveis fósseis, reduzindo custos energéticos, e eliminar o regime de subsídios de energia limpa implementado por Biden, concebido para impulsionar uma revolução industrial sustentável. Ribera advertiu que tais decisões podem prejudicar os Estados Unidos a longo prazo e favorecer concorrentes como a China, cuja ascensão no mercado de veículos elétricos serve de exemplo.
“A indústria automóvel ocidental acreditava, durante muito tempo, que era imbatível no motor de combustão interna. Outros, entretanto, interpretaram as coisas de forma diferente. Perdemos o comboio”, disse Ribera, sublinhando a importância de a Europa não repetir os mesmos erros.
Competição global e ferramentas da UE
Embora defenda a concorrência justa no mercado global, Ribera destacou que a UE não hesitará em usar os seus instrumentos para proteger as suas empresas. Entre eles está o Regulamento de Subsídios Estrangeiros, que permite bloquear fusões ou excluir empresas estrangeiras de contratos públicos se estas beneficiarem de subsídios desleais.
Até agora, a UE aplicou este mecanismo contra empresas do Golfo e da China. Apesar de reconhecer as dificuldades práticas de obter provas sólidas sobre subsídios distorcedores, Ribera acredita que partilhar inteligência com autoridades de concorrência dos EUA e do Reino Unido poderá fortalecer a eficácia destas medidas.
“Não tenho qualquer problema com grandes empresas de outros países a terem sucesso no fornecimento de bens e serviços limpos. Precisamos disso em todo o lado”, declarou. Contudo, sublinhou que a Europa está empenhada em garantir condições equitativas de concorrência.
Transição verde: desafios internos e metas futuras
Além de lidar com rivais globais, Ribera enfrenta a tarefa de assegurar que a transição climática da UE seja justa e aceite pelos seus cidadãos. Segundo ela, a rapidez da mudança deve ser cuidadosamente gerida para evitar perceções de ameaça à estabilidade social e económica. “Como podemos fornecer os meios para que as pessoas acompanhem esta mudança? Isso será muito, muito importante”, disse.
A estabilidade das políticas climáticas europeias também é fundamental para atrair investimento, frisou Ribera. “As empresas precisam de estabilidade. Não é apelativo para ninguém investir se hoje dizemos ‘sim’ e amanhã ‘não’, mudando prazos ou parâmetros.”
Com esse objetivo, a Comissão Europeia planeia propor uma meta climática para 2040, que incluirá uma redução de 90% nas emissões de gases com efeito de estufa. Embora o prazo para submeter o novo plano climático da UE ao Acordo de Paris, em fevereiro, possa não ser cumprido devido à “complexa estrutura de governação” do bloco, Ribera garantiu que a meta será apresentada antes da próxima cimeira climática, em novembro.
O regresso de Trump e a visão para o futuro
A possível reeleição de Trump, combinada com a incerteza sobre o apoio dos EUA à luta climática, aumenta a pressão sobre a UE para liderar os esforços globais. Ribera reiterou que a Europa deve criar condições para as revoluções verde e digital, as duas principais forças motrizes para revitalizar a sua indústria.
“Devemos identificar onde queremos estar para moldar uma nova era dourada para a indústria europeia”, afirmou.
Apesar do cenário complexo, Ribera demonstrou otimismo em relação ao cumprimento das metas climáticas da UE e fez questão de mencionar a importância de aprender com o passado. A transição climática, segundo ela, não é apenas uma questão ambiental, mas também uma oportunidade económica e social que pode determinar o futuro da Europa.
Entre comentários sobre a histórica foto de Margaret Thatcher no seu gabinete e uma referência à possibilidade de pendurar um retrato do atual primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, Ribera concluiu: “Precisamos de liderar pelo exemplo, mostrando que cumprimos os nossos deveres.”