A primeira Guerra Espacial está ao virar da esquina (e até há quem diga que já começou). As quatro fases em que se desenrola
A possibilidade de uma guerra espacial, outrora relegada à ficção científica, tornou-se uma preocupação estratégica para as principais potências mundiais. Desde a criação da Força Espacial dos Estados Unidos, em 2019, o espaço passou a ser encarado como um campo de confronto essencial para a segurança global. A competição pela supremacia orbital intensificou-se, com a China e a Rússia a desafiar a hegemonia norte-americana, enquanto os EUA procuram salvaguardar a sua posição num ambiente cada vez mais hostil.
Tradicionalmente visto como um território de cooperação científica e exploração, o espaço está agora no centro da geopolítica global. A corrida por controlar satélites, assegurar áreas estratégicas como os pontos de Lagrange e proteger infraestruturas críticas tornou-se prioritária. A relação entre segurança espacial e terrestre é evidente na era digital: os satélites sustentam sistemas GPS, comunicações militares, previsões meteorológicas e transações financeiras. Contudo, esta dependência também expõe vulnerabilidades significativas.
Os adversários estratégicos dos EUA, nomeadamente a China e a Rússia, têm investido em tecnologias antisatélite (ASAT) para enfraquecer a infraestrutura espacial americana. Estas capacidades incluem mísseis para destruir satélites em órbita baixa, armas laser para inutilizar sensores e satélites co-orbitais com capacidade de sabotagem.
O risco do síndrome de Kessler e a importância dos pontos de Lagrange
Incidentes recentes, como o teste antisatélite realizado pela Rússia em 2021, que gerou milhares de fragmentos espaciais, destacaram o perigo de operações deste tipo. Tais ações podem desencadear o chamado síndrome de Kessler, onde a acumulação de detritos espaciais provoca uma reação em cadeia que compromete a funcionalidade das órbitas terrestres baixas, afetando países de forma indiscriminada.
Outro ponto de possível conflito reside nos pontos de Lagrange, regiões no espaço onde as forças gravitacionais entre dois corpos celestes, como a Terra e a Lua, se equilibram. Estas áreas são ideais para a colocação de telescópios ou bases espaciais e representam vantagens tanto científicas quanto militares. A China já anunciou planos ambiciosos para explorar estas zonas, enquanto a Rússia reforça a sua parceria espacial com Pequim.
As quatro fases de uma guerra espacial
Especialistas citados pelo El Economista delinearam um possível cenário para uma guerra espacial, estruturado em quatro fases distintas:
Fase I: Guerra em órbita baixa
Nesta etapa inicial, as operações focam-se em neutralizar satélites inimigos. Ataques ASAT podem desativar constelações de satélites GPS, privando os adversários de navegação, comunicação e vigilância. Embora os EUA possuam capacidades semelhantes, a sua forte dependência de satélites coloca-os numa posição vulnerável face a rivais como a China e a Rússia. Como contramedida, satélites “guarda-costas” poderiam ser utilizados para proteger ativos estratégicos.
Fase II: Controlo de zonas estratégicas
A disputa alarga-se para além da órbita baixa, envolvendo o domínio dos pontos de Lagrange e da órbita lunar. Estas posições oferecem vantagens militares de longo alcance e oportunidades de vigilância contínua. A China lidera iniciativas para se posicionar estrategicamente na órbita lunar, enquanto a Rússia colabora nestes esforços.
Fase III: Militarização ativa
Nesta fase, o conflito poderia incluir veículos espaciais tripulados ou autónomos. Conceitos como o uso de aviões suborbitais para missões rápidas em zonas de difícil acesso, explorados pelos EUA após os atentados de 11 de setembro, poderiam ser retomados, impulsionados por avanços tecnológicos liderados por empresas como a SpaceX.
Fase IV: Defesa contra armas hipersónicas
A proliferação de mísseis hipersónicos, difíceis de interceptar com sistemas convencionais, acrescenta uma nova dimensão à guerra espacial. Satélites em órbita baixa poderiam servir como a primeira linha de defesa contra estas ameaças.
A corrida tecnológica e os desafios éticos
O avanço tecnológico será determinante. A China destaca-se nas comunicações quânticas, garantindo maior segurança e capacidade de intercetação de sinais inimigos. Os EUA, embora líderes em inovação privada, enfrentam desafios na integração de novas tecnologias nas suas estratégias militares. A inteligência artificial desempenhará um papel central, com sistemas autónomos a operar em ambientes de decisão rápida.
No entanto, a militarização do espaço levanta questões éticas e legais. O Tratado do Espaço Exterior de 1967 proíbe armas nucleares no espaço, mas não abrange armas convencionais ou ofensivas. Este vazio legal torna o espaço num “território selvagem” geopolítico, sem regras claras para evitar a escalada de conflitos.
O espaço emergiu como o novo campo de batalha da geopolítica moderna, onde o equilíbrio entre cooperação e competição será crucial. Embora a guerra espacial ainda não tenha começado oficialmente, os preparativos estão em andamento, e as consequências de uma escalada nesse domínio poderiam reverberar muito além da órbita terrestre, afetando diretamente a segurança global.