Mais de 90% das Unidades Saúde Familiar registaram falta de material básico e falhas de acesso ao sistema informático no último ano

Mais de 90% das Unidades de Saúde Familiar (USF) registaram falta de material básico e falhas de acesso ao sistema informático no último ano e cerca de metade considera não ter instalações adequadas para o exercício da atividade dos profissionais de saúde.

Um estudo da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar (USF-AN), que será hoje apresentado, refere que os valores relativos a faltas de material básico para a atividade da USF se “mantêm elevados”, com 93,9% das unidades a registarem estas situações no último ano.

Em 40,7% das USF estas faltas foram registadas mais de 10 vezes, em 33,3% das USF três a 10 vezes e em 19,8% uma a duas vezes.

Cerca de metade dos coordenadores das USF entende que a sua USF não tem instalações adequadas para o exercício das atividades profissionais de saúde (43,8%), assumindo também não ter a possibilidade física de realizar circuitos diferenciados para doença aguda/consulta programada (68,8%), um aumento face a 2022/23 (67,6%).

Para mais de metade (55%) os sistemas de climatização não são adequados, atingindo este ano o pior resultado desde o início da realização deste estudo, que vai na 14.ª edição.

Um ponto que se tem tornado cada vez mais crítico é a falta de material considerado básico para a atividade normal de uma USF – cujo fornecimento é agora da responsabilidade das Unidades Locais de Saúde (ULS).

A reposição deste material ocorreu no próprio dia e sem “atrasos importantes” em apenas 3,4% das USF.

O estudo conclui que estes dados demonstram a falência do sistema de aprovisionamento dos Cuidados de Saúde Primários, que não melhorou com o modelo das ULS.

Apesar de se ter registado uma diminuição de cerca de 10 pontos percentuais nas USF que reportam faltas de material mais de 10 vezes no ano (40,7% atualmente contra 50,2% no ano anterior), apenas 6,1% não tiveram qualquer falha e o tempo de resolução aumentou (83,7% das USF reporta agora atrasos iguais ou superiores a 48 horas).

O documento conclui que “o modelo ULS está a falhar em áreas que os seus mentores afirmavam que iria facilitar: o aumento da agilidade do aprovisionamento, a melhoria dos equipamentos e do apoio técnico”.

Analisando estes resultados por ULS, apenas na do Baixo Alentejo não foram registadas faltas de material considerado básico em nenhuma das USF que a constituem.

Por outro lado, estas faltas ocorreram 10 ou mais vezes na maioria das USF da ULS Algarve (80%), ULS Tâmega e Sousa (67,9%), ULS Região de Aveiro (65%), ULS Santo António (58,3%), ULS São José (55,6%), ULS Lisboa Ocidental (53,8%), ULS São João (52,2%) e ULS Amadora/ Sintra (52,2%).

O estudo aponta ainda quebras de atendimento nas USF por rotura de stock de material consumível clínico e não-clínico.

Falhas de acesso ao sistema informático, falta de pessoal e sobrecarga de trabalho

O mesmo estudo adianta que mais de 90% das Unidades de Saúde Familiares (USF) ficaram no último ano por mais de três vezes sem acesso às aplicações informáticas e a maioria confessa que não tem o material necessário para fazer teleconsultas.

Em todas as USF houve problemas de acesso no último ano e, em mais de metade (55,9%), as falhas aconteceram mais de 11 vezes. Em 18,3% dos casos registaram-se mais de 50 falhas de acesso às aplicações informáticas no último ano (26,3% em 2022/23).

De acordo com as informações prestadas por 75% dos coordenadores das USF, na maioria das vezes a resolução dos problemas ocorreu no mesmo dia, mas com “atrasos importantes”. Em 7% dos casos a resolução só ocorreu no dia seguinte e, em 4,7%, apenas 48 horas depois.

O estudo “O Momento Atual dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal”, que pretendeu caracterizar o estado da reforma dos Cuidados de Saúde Primários, refere igualmente que as indisponibilidades das aplicações informáticas perturbaram a qualidade dos cuidados prestados em quase todas (97,5%) as USF.

“Um problema crónico que demonstra a pouca resistência das aplicações a falhas de hardware ou software bem como a frágil rede de internet disponível nas unidades”, refere o documento, a que a Lusa teve acesso.

O trabalho recolheu 495 respostas de coordenadores das 656 USF existentes na altura em que o estudo foi elaborado (de 24 julho a 15 de setembro deste ano). Segundo os dados da USF-AN, a 14 de outubro existiam 665 USF B e estavam ainda ativas 28 candidaturas a USF.

A maioria dos coordenadores considera ainda que os equipamentos e programas informáticos disponibilizados não são adequados às necessidades.

Quando se perguntou se a USF possui o material necessário para teleconsultas, a maioria (59,5%) considera não ter este material. Ainda assim, “parecem existir mudanças neste contexto, com uma tendência crescente da percentagem de USF que considera que este material se encontra adequado desde 2021/22”, refere o estudo.

Quase três em cada quatro coordenadores (71,6%) continua a preferir consultas presenciais relativamente às consultas à distância, embora numa percentagem inferior à registada nos últimos três estudos (79,8% em 2022/23; 77% em 2021/22; e 79,1% em 2020/21).

Dos que responderam às questões lançadas pela USF-AN, cerca de 6,7 % prefere um sistema que privilegia as consultas à distância (uma ligeira subida face aos 5,6% do estudo anterior) e 21,7% opta por um modelo híbrido equilibrado (com consultas presenciais e consultas à distância em igual proporção).

A maioria diz-se insatisfeita com os recursos materiais clínicos disponibilizados e mais de metade (56%) aponta a falta de adequação de equipamentos clínicos como esfigmomanómetros, otoscópios, balanças, frigoríficos e termómetros.

Quanto à possibilidade de realizar análises rápidas na Unidade de saúde, apenas 5,3% responderam que existem e são adequados na sua USF.

Já em relação ao número de profissionais previstos nas equipas, os dados mostram que a situação tem vindo a melhorar desde 2020/21, ainda que, em média, continue a faltar um de cada grupo profissional nas USF em relação ao que estava acordado.

Esta carência assume uma maior expressão nos médicos, seguidos do grupo dos secretários clínicos e dos enfermeiros.

Ainda quanto aos recursos humanos, em 61,2% (67,8% no biénio anterior) das USF o trabalho realizado para além do horário oficial para responder às necessidades da população não é considerado para compensação futura.

No último ano, em 82,3% das USF houve pelo menos um profissional ausente mais de 30 dias, sendo que em 86,9% dos casos a substituição foi assegurada pelos profissionais da equipa, resultando em “maior sobrecarga” de trabalho.

Ler Mais



Comentários
Loading...