Oportunidades industriais ligadas à descarbonização

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

A transição energética não envolve apenas a implementação de mais e mais energias renováveis mas também a mudança para um sistema energético mais diversificado e sustentável gerindo a produção intermitente, reformulando as infraestruturas energéticas e alinhando as tecnologias e as políticas e, ao mesmo tempo, envolvendo os consumidores e os cidadãos. Ora tudo isto acarreta desafios ao longo da cadeia de valor, por exemplo ligadas às matérias-primas e às infraestruturas necessárias e mesmo às disponibilidades financeiras.

Sabe-se que Portugal está bem posicionado neste domínio. Dir-se-ia que tem excelentes condições a nível das várias fontes de energia renovável.

Em grande parte dos setores a eletrificação será uma das importantes ferramentas para a descarbonização. Mas para isso é necessário tornar barata essa eletrificação. Assim, será necessário modificar equipamento industrial para soluções elétricas, nomeadamente para processos de baixa e média temperatura, acelerar a adoção dos veículos elétricos e de tecnologias elétricas a nível dos edifícios. No entanto, a eletrificação de certos processos industriais pode ser difícil devido à falta de maturidade tecnológica de algumas das soluções (sobretudo para a alta temperatura), o que pode afetar a sua viabilidade e competitividade. Em termos da descarbonização industrial e da mobilidade temos ainda como possível a via do hidrogénio verde, com investimentos programados mas a concretizar e aumentar no futuro. Se Portugal optar por esta via tem ainda a oportunidade de vir a atrair novos investimentos associados a processos mais intensivos em energia.

Mais eletrificação implica também um maior crescimento da rede elétrica. Grande parte do equipamento e componentes dos sistemas usados, pode ser produzido a nível nacional. Haverá que perspetivar adequadamente esse crescimento permitindo às empresas industriais que fabricam o equipamento necessário adequar logisticamente a sua produção de forma a responderem ao desafio, numa altura em que se observam algumas roturas de stock.

A nível da mobilidade, se é certo que a eletrificação parece ser a principal via para os veículos ligeiros e utilizações de curta-média distância, também é verdade que para os transportes rodoviários de longa distância, ou mesmo para a via férrea ainda não eletrificada a aposta poderá (e deverá?) passar também pelas soluções tecnológicas baseadas no hidrogénio e nos combustíveis de baixo carbono. Esta é também mais uma oportunidade industrial para desenvolver no nosso país. O hidrogénio andou vários anos a tentar “impor-se”, mas quando houve entendimento político para o seu apoio, em poucos anos foram dados à luz vários projetos. O mesmo se deveria agora passar com os combustíveis de baixo carbono produzidos por via renovável.

Também neste campo da mobilidade, se é verdade que tem havido algum investimento a nível da infraestrutura de carregamento, será ainda necessário aumentar a oferta pública da mesma, dado que existem algumas restrições a nível da capacidade da rede, nomeadamente em edifícios comerciais e residenciais. O carregamento privado individual através de sistemas modulares deve também crescer. Surge assim mais uma oportunidade industrial no âmbito do fabrico e montagem dos sistemas de carregamento.

Sendo o aquecimento e arrefecimento dos edifícios um dos principais setores consumidores de energia na Europa, esta será sem dúvida uma área de atuação a ter em conta. Temos capacidade tecnológica nacional reconhecida a nível da construção e do fabrico de equipamentos, pelo que há caminho possível a percorrer no sentido de descarbonizar este setor. Tanto em edifícios novos como no reapetrechamento dos existentes. Muitas são as soluções possíveis e temos capacidade industrial para as desenvolver e produzir a nível nacional. Citando apenas o caso da biomassa, tão importante no nosso país, não só temos as indústrias associadas à sua transformação como fabricantes de equipamentos, alguns inovadores.

O armazenamento da energia é essencial para a estabilidade da rede, de forma a lidar com a intermitência de algumas renováveis e a despachabilidade necessária. Existem várias possibilidades tecnológicas que podem ser produzidas no nosso país, constituindo uma oportunidade a explorar.

Existem também algumas tecnologias, chamemos-lhes energéticas, de nicho que, dada a nossa dimensão poderão ser importantes para explorar ao contrário do que acontece em países de maior escala.

Para melhorar a economia da eletrificação e proteger os consumidores da volatilidade dos preços da energia e diminuir os riscos de investimento, a geração descentralizada de energia (ex. fotovoltaica ou microeólica), deve ser incentivada. Há aqui espaço para alguns industriais e empresas de serviços relacionados nacionais.

A cadeia de abastecimento para projetos de renováveis tem sempre como referência o problema dos materiais críticos. Alguns desses materiais estão disponíveis a nível nacional (ex. lítio). Assim assente num levantamento de disponibilidade, fomentar a sua exploração ambientalmente consciente e adequada, seria um fator económico importante, a nível do emprego e riqueza gerados.

Algumas das barreiras a romper para promover as alterações preconizadas precisam de incentivos que terão de ser introduzidos pelos decisores políticos. Por exemplo para abate e substituição de equipamentos baseados em combustíveis fósseis e investimento nas novas tecnologias. Por outro lado, será também preciso “trabalhar” a consciencialização e a sensibilização dos consumidores.

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