O que se sabe sobre as explosões dos ‘pagers’ na posse do Hezbollah
No que parece ser um ataque sofisticado e remoto, os ‘pagers’ usados por centenas de membros do Hezbollah explodiram terça-feira quase simultaneamente no Líbano e na Síria, matando pelo menos 12 pessoas e ferindo milhares de outras.
Citado pela agência noticiosa Associated Press (AP), um funcionário dos Estados Unidos, que solicitou anonimato, disse que Israel informou Washington sobre a operação – em que pequenas quantidades de explosivos escondidos nos ‘pagers’ foram detonadas –, depois das explosões, ainda na terça-feira.
O grupo islamita, apoiado pelo Irão, culpou Israel pelas explosões mortíferas, que visaram um número extraordinário de pessoas e mostraram sinais de ser uma operação planeada há muito tempo.
Os pormenores sobre a forma como o ataque foi executado são em grande parte incertos e os investigadores estão ainda a tentar perceber como foi possível avançar com uma operação desta natureza.
*** PORQUE FORAM UTILIZADOS ‘PAGERS’ NO ATAQUE? ***
O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, avisou anteriormente os membros do grupo para não andarem com telemóveis, dizendo que estes poderiam ser usados por Israel para seguir os movimentos do grupo. Como resultado, a organização começou a utilizar ‘pagers’ para se comunicar.
Um alto responsável do Hezbollah disse à AP que os aparelhos que explodiram eram de uma nova marca que o grupo nunca havia usado antes. O funcionário, que falou sob condição de anonimato, não identificou o nome da marca ou o fornecedor.
A empresa taiwanesa Gold Apollo disse hoje que autorizou o uso de sua marca no modelo de ‘pager’ ‘AR-924’ e que foi uma empresa com sede em Budapeste, Hungria, chamada BAC Consulting, que produziu e vendeu os pagers. Desconhecem-se, para já, mais informações sobre a BAC Consulting.
Nicholas Reese, instrutor adjunto do Centro de Assuntos Globais da Escola de Estudos Profissionais da Universidade de Nova York, disse à AP que os ‘smartphones’ apresentam um risco maior de intercetação de comunicações, em contraste com a tecnologia mais simples dos ‘pagers’.
Este tipo de ataque também forçará o Hezbollah a mudar as estratégias de comunicação, disse Reese, que já trabalhou como oficial de inteligência, acrescentando que os sobreviventes das explosões de terça-feira provavelmente jogarão fora não apenas seus ‘pagers’, mas também os telemóveis, e deixando de lado os ‘tablets’ e quaisquer outros dispositivos eletrónicos.
*** COMO É QUE UMA SABOTAGEM PODE FAZER EXPLODIR OS ‘PAGERS’? ***
Mesmo com um funcionário dos Estados Unidos a confirmar que se tratou de uma operação planeada por Israel, surgiram na terça-feira várias teorias sobre a forma como o ataque poderá ter sido levado a cabo.
Vários especialistas que falaram com a AP explicaram que as explosões foram provavelmente o resultado de uma interferência na cadeia de abastecimento.
Os ‘pagers’ podem ter sido equipados com dispositivos explosivos muito pequenos antes de serem entregues ao Hezbollah e, em seguida, foram todos acionados remotamente em simultâneo, possivelmente com um sinal de rádio.
Na altura do ataque, “a bateria era provavelmente metade explosiva e metade bateria real”, disse Carlos Perez, diretor de informações de segurança da TrustedSec, uma empresa de consultadoria de segurança.
Um ex-oficial de eliminação de bombas do exército britânico explicou que um dispositivo explosivo tem cinco componentes principais: um contentor, uma bateria, um dispositivo de ativação, um detonador e uma carga explosiva.
“Um ‘pager’ já tem três desses componentes”, precisou o ex-oficial, que falou também sob anonimato porque agora trabalha como consultor com clientes no Médio Oriente. “Só é preciso acrescentar o detonador e a carga.”
Depois de, na terça-feira, terem surgido nas redes sociais imagens de câmaras de segurança que supostamente mostravam um dos ‘pagers’ a explodir na anca de um homem num mercado libanês, dois peritos em munições corroboraram a declaração do funcionário norte-americano de que a explosão parecia ser o resultado de um pequeno engenho explosivo.
“Olhando para o vídeo, a dimensão da detonação é semelhante à causada por um detonador elétrico isolado ou por um que incorpora uma carga extremamente pequena e altamente explosiva”, disse Sean Moorhouse, antigo oficial do exército britânico e perito em eliminação de engenhos explosivos.
Isto indica o envolvimento de um ator estatal, disse Moorhouse, que acrescentou que a Mossad, os serviços secretos de Israel, é o suspeito mais óbvio de ter os recursos necessários para efetuar um ataque deste tipo.
N.R. Jenzen-Jones, especialista em armamento militar e diretor dos Serviços de Investigação de Armamento, sediados na Austrália, salienta que Israel foi acusado de realizar operações semelhantes no passado.
Aliás, em 2023, a AP noticiou que o Irão acusou Israel de tentar sabotar o seu programa de mísseis balísticos através de peças estrangeiras defeituosas que podiam explodir, danificando ou destruindo as armas antes de poderem ser utilizadas.
*** QUANTO TEMPO DUROU ESTA OPERAÇÃO? ***
Seria necessário muito tempo para planear um ataque desta dimensão. Os pormenores exatos ainda não são conhecidos, mas os especialistas que falaram com a AP partilharam estimativas que variam entre vários meses e dois anos.
A sofisticação do ataque sugere que o culpado tem estado a recolher informações há muito tempo, disse Reese.
Um ataque deste calibre requer a construção das relações necessárias para obter acesso físico aos ‘pagers’ antes de serem vendidos, o desenvolvimento da tecnologia que seria incorporada nos dispositivos e de fontes que possam confirmar que os alvos estavam a transportar os ‘pagers’.
E é provável que os ‘pagers’ comprometidos tenham parecido normais para os seus utilizadores durante algum tempo antes do ataque.
Elijah J. Magnier, analista sénior de risco político com sede em Bruxelas com mais de 37 anos de experiência na região, disse que teve conversas com membros do Hezbollah e sobreviventes do ataque de terça-feira. Segundo ele, os ‘pagers’ foram adquiridos há mais de seis meses.
“Os pagers funcionaram perfeitamente durante seis meses”, disse Magnier. O que provocou a explosão, segundo disse, parece ter sido uma mensagem de erro enviada a todos os aparelhos.
Com base nas suas conversas com membros do Hezbollah, Magnier disse também que muitos ‘pagers’ não detonaram, o que permitiu ao grupo inspecioná-los, tendo chegado à conclusão de que entre 3 e 5 gramas de um material altamente explosivo estavam escondidos ou embutidos nos circuitos.
Jenzen-Jones acrescentou ainda que uma operação desta envergadura “levanta também questões de seleção de alvos”, sublinhando o número de vítimas e o enorme impacto registado até agora.
“Como pode a parte que inicia o processo com o explosivo ter a certeza de que o filho do alvo, por exemplo, não está a brincar com o ‘pager’ no momento em que este funciona?”, questionou.
O Hezbollah emitiu um comunicado confirmando que pelo menos dois membros do movimento foram mortos nos atentados. Um deles era filho de um deputado do Hezbollah no parlamento, de acordo com o funcionário do movimento islamita, que falou sob anonimato.
O grupo anunciou mais tarde que seis outros membros foram mortos na terça-feira, embora não tenha especificado como.
“Consideramos o inimigo israelita totalmente responsável por esta agressão criminosa que também teve civis como alvo”, afirmou o Hezbollah, acrescentando que Israel irá ‘com certeza receber o seu justo castigo’.